Portadoras de futuro

Data: 08/06/2011
A política industrial, baseada na inovação, começa a ser focada em áreas prioritárias para buscar resultados, mesmo ameaçada por contigenciamento do orçamento.



Em meio às discussões da formulação da nova versão da política de desenvolvimento produtivo, uma palavra é chave: inovação. Dentro desse marco, a Financiadora de Projetos de Pesquisa (Finep), vem ganhando destaque. À frente da Finep desde fevereiro, o sociólogo Glauco Arbix defende menos burocracia e mais coordenação entre empresa e academia, e lamenta o contingenciamento que voltou a fazer parte da realidade da instituição, devido ao corte orçamentário definido pelo Governo Federal.



"O corte em ciência e tecnologia é de longa duração", lembra Arbix, em entrevista à Revista Sustentabilidade, afirmando que o Brasil agora deverá dar mais atenção às áreas que serão as "portadoras do futuro" da economia brasileira.



Revista Sustentabilidade: Como tem sido a evolução dos repasses da Finep a projetos inovadores?



Glauco Arbix: A evolução dos recursos da Finep é muito grande, significativa. Em 2003, a Finep investia cerca de R$ 300 milhões em inovação. Em 2010, investiu cerca de R$ 4 bilhões, atingindo cerca de duas mil empresas. Este ano, entretanto, vivemos uma série de situações e componentes diferenciados.



Tivemos um corte orçamentário por conta do contingenciamento no FNDCT. Depois tivemos um corte suplementar como componente do sistema MCT. Trabalhamos para obter outras fontes na área do chamado recurso reembolsável, na área de crédito.



Conseguimos US$ 1,75 bilhão do Programa de Sustentação do Investimento via BNDES. Desses, R$ 750 milhões vêm diretamente do banco, que nos reconhece como um agente financeiro que repassa recursos. Realizamos operações automáticas - fazemos as aplicações de crédito e enviamos todos os relatórios, prestações de contas para a fonte.



O outro bilhão vem na forma de empréstimo direto do BNDES à Finep, nas mesmas condições do PSI. Esses recursos vêm para a Finep com aval do Tesouro Nacional. Isso tudo é crédito; há ainda uma parcela de R$ 80 milhões, que se refere a R$ 220 milhões que recebemos do FAT, e que tem de ser orientada para as micro, pequenas e médias empresas a partir de um acordo que assinamos para ampliação da nossa carteira com eles.



Do ponto de vista histórico, estamos recuperando esses recursos do FAT porque, há cerca de três ou quatro anos, chegamos a ter R$ 300 milhões. Esse valor foi diminuindo por uma série de circunstâncias, que agora estamos tentando recuperar. Se fizermos um bom trabalho, temos todas as condições para esse tipo de cooperação de longo prazo, o que significaria uma ampliação dos recursos para crédito. São recursos do PSI, oferecidos em condições especiais que, dependendo da linha em que você enquadra, são de 4 a 5% ao ano, o que significa juros negativos, se contar a inflação, e carência entre três anos e dez anos para pagar. Então é uma situação muito vantajosa em um país onde o dinheiro custa caro.



A política industrial, baseada na inovação, começa a ser focada em áreas prioritárias para buscar resultados, mesmo ameaçada por contigenciamento do orçamento



Revista: Vocês esperam que a reserva de contingenciamento deste ano permaneça tal qual a anunciada?



Arbix: Por lei, no Brasil, recursos voltados para a educação, ciência e tecnologia não podem ser contingenciados. Houve uma alteração nos anos 90 chamada reserva de contingência. Não é exatamente contingenciado, mas está numa rubrica que não pode ser utilizada, ou em outras palavras não pode ser liberada. Do ponto de vista legal é uma pequena, mas importante alteração. Quando é contingenciado, o voto do Congresso é a última palavra. Quando é reserva de contingência, você pode reaver o recurso sem ter de passar pelo Congresso.



O governo pode descontingenciar, não precisa votar nova lei. Do ponto de vista institucional isso é uma facilidade muito grande. Não estamos contando com isso este ano, pois é um volume muito grande - 22% de R$ 3 bi e pouco, R$ 600 milhões - mas como existe essa possibilidade, se viesse seria bem-vindo.



Revista: Vocês se preocupam com a volta dessa restrição orçamentária?



Arbix: Claro. Sempre que você corta recursos você gera um impacto ao longo dos anos. O corte em educação, ciência e tecnologia tem um efeito no curto prazo de "engordar" o caixa do governo por necessidade. Nós entendemos isso, mas o corte em ciência e tecnologia é de longa duração. Não é a mesma coisa quando você suspende a construção de um viaduto. Quando você para uma construção assim, pode retomar daqui a dois anos. Em ciência, tecnologia e educação, quando uma empresa deixa de investir, ela perde uma oportunidade.



Revista: Vocês defendem novas mudanças na regulamentação para facilitar o acesso das empresas a créditos para inovação?



Arbix: Esse é o problema. Nossas sugestões sobre marco regulatório são muito pontuais. Não temos nenhuma pretensão de fazer uma discussão geral, de conjunto. Legislação é um corpo vivo e sempre tem que ser alterada. Às vezes, há certos detalhes que geram inconvenientes para todo mundo, para as empresas e para nós. Em 2005 passou a vigorar a Lei de Inovação, que abriu a possibilidade de você celebrar acordos entre empresas e universidades com uma qualidade diferente, podendo inclusive remunerar o pesquisador quando ele é um funcionário de uma universidade pública, de organizar os editais de subvenção econômica, como fazemos hoje. Ao mesmo tempo, quando você nota imprecisões, ou pontos que são claros, mas que podem dar margens a dúvidas na interpretação, isso pode gerar problemas jurídicos. Então as empresas ficam com medo de investir, porque a lei de inovação se baseia numa série de sistemas em que a empresa investe e depois ela pode descontar de sua declaração de impostos, pagamento de taxas, uma série de pontos que são bastante relacionados à prestação de contas diante da receita. Se os pontos não são claros, o medo é o de que a receita pode não aceitar a declaração da empresa, o que então lhe obriga a devolver o que investiu - e se a empresa soubesse disso com antecedência, talvez não tivesse nem investido. Todo o nosso objetivo é flexibilizar o repasse de recursos para tentar alocar investimento em todas as áreas possíveis da economia brasileira. Temos que facilitar esse trabalho para a empresa.



Revista: Você concorda com a ideia de que no Brasil os empresários são acomodados quanto à inovação?



Arbix: Não sei se podemos falar de acomodação. A economia se movimenta com base em estímulo. Quando não é estimulada, a empresa busca algo que seja mais favorável a ela. Diferenciar produtos, lançar novos, montar departamentos. Se fizermos um bom trabalho, temos todas as condições de recuperar esse tipo de cooperação, de longo prazo, o que significaria uma ampliação dos recursos para crédito P&D, fortalecer suas engenharias, é bonito e verdadeiro, mas no dia a dia das empresas essas decisões são complicadas. Inovação diz respeito à mudança, e isso não é fácil. Por que vou entrar em um processo de mudança em que a margem de segurança sobre o retorno é pequena? Então penso dez vezes. Existem várias formas de explicar isso. Mas é claro que a competição faz a diferença. Senão você se dá ao luxo de ficar com o mesmo produto por dez, 15 anos.



Revista: Política horizontal é melhor do que a industrial?



Arbix: Tem gente que pensa assim; não é o que penso e, graças a Deus, não é o que o governo pensa. Acho que só a política horizontal nunca resolveu, em nenhum país do mundo, isoladamente. Não é certo achar que se você fornece somente as condições de infraestrutura, a competitividade brota como as laranjas, alface e berinjelas. O problema é que os países que hoje falam isso para a gente nunca o fizeram no passado. Hoje eles falam porque tem uma economia desenvolvida. Nesse mundo desenvolvido é que estamos tentando entrar e sentar à mesa de jantar, para a qual ainda não fomos convidados. A comida está posta, mas ainda não conseguimos chegar lá. Para chegar lá, o governo tem de desenvolver políticas de infraestrutura, básicas, e tudo o que você imaginar de custo, mas também montar sistemas de estímulo externo à empresa para que ela possa se perceber capaz de mudanças. Fundamentalmente, o Brasil tem que ter políticas orientadas às áreas que podem ser portadoras de futuro, não tem conversa. Senão ficaremos para trás mais uma vez.



Revista: Qual, então, o caminho ideal?



Arbix: O nome política industrial já é complicado, é dos anos 50, 60. Hoje, política industrial não necessariamente é voltada para a indústria. O que é importante saber é que as condições de hoje não são as mesmas da dos anos 50, 60, 70.



O Brasil não vive em uma economia fechada, protegida, em uma situação em que o estado manda e desmanda, orienta e determina o investimento, é proprietário de gigantescas empresas em praticamente todas as áreas da economia e controla diretamente mais de 50% da economia como foi no passado. As condições hoje do Brasil e do mundo são completamente distintas. Hoje, para fazer política industrial, seja ela qual for, você precisa conversar, convencer, chamar as empresas.



As condições da economia aberta no Brasil, as condições de democracia, fluxo de informação obrigam o Estado a ter de conversar, estabelecer formas de diálogo permanente, com os empresários, com as empresas, com os sindicatos, para desenhar os seus planos. Sei que se o Brasil não conseguir fazer esse casamento entre setor público e privado, e avançar em construir uma sociedade mais amigável à inovação, a situação ficará difícil para nós, porque China e Índia não vão esperar que resolvamos nossos problemas para nos atropelar.



A economia se movimenta com base em estímulo. Quando não há estímulo, a empresa busca algo que seja mais favorável a ela. Diferenciar produtos, lançar novos, montar departamento P&D, estimular e fortalecer suas engenharias, é bonito e verdadeiro. Mas no dia a dia das empresas essas decisões são complicadas. Inovação diz respeito à mudança e isso não é fácil.

(Revista Sustentabilidade )





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