Sustentabilidade: de utopia à estratégia do negócio

Data: 07/06/2011
Regina Migliori

Há poucas décadas, os conceitos que embasam a noção de sustentabilidade eram “coisa de doido”, uma utopia fora da realidade. Depois passou a ser universo dos “alternativos”. Há pouco tempo transformou-se em tendência nas empresas, e hoje é cenário de negócios.

Em uma perspectiva histórica, deixamos para traz o tempo da filantropia, cujo foco eram os problemas, uma forma da empresa usar parte de seus recursos para ajudar aqueles que precisavam de auxílio. Passamos pela época da responsabilidade corporativa, com foco em projetos de caráter socioambiental, constituindo mais uma pauta entre as outras tantas do contexto empresarial, muitas vezes tratada de forma desvinculada do negócio, ou como oportunidade para melhorar a sua imagem. Tem gente que estacionou por aí.

Porém, sustentabilidade não é sinônimo de preservação ambiental, e está deixando de ser compreendida somente como pauta de alguns projetos. Começa a ser abordada como estratégia de negócio. Uma transformação muito rápida. Tão rápida que muitos aspectos ainda estão nebulosos.

Seja por convicção ou por conveniência, hoje em dia ninguém defende um processo poluidor, ou uma iniciativa que não promova equanimidade entre diferentes stakeholders. É também impensável acolher o sucesso desvinculado de valores éticos, ou propor ações que maculem a reputação do negócio. Torna-se cada vez mais comum a noção de que “ninguém vai bem em um mundo que vai mal”. Pouco a pouco este discurso se torna universal, e desvela inúmeras dificuldades práticas.

Um dos maiores desafios da atualidade consiste em formular estratégias de fato sustentáveis. Consequentemente, é também desafiador dispor de mecanismos para colocá-las em prática. Há inúmeros modelos de indicadores proliferando no contexto empresarial, mas na sua grande maioria, sugerem o que deve ser monitorado, e pouco esclarecem sobre as possíveis formas de obter dos resultados esperados. Mesmo assim, quase todo mundo sai criando métricas, publicando relatórios, muitas vezes com informações pouco significativas para demonstrar a aderência do negócio a uma estratégia de sustentabilidade.

Em primeiro lugar, é preciso definir o que é sustentabilidade na empresa. Não há uma definição genérica, que sirva para todos. Trata-se de uma etapa de reflexão interna, que pode resultar em revisão da natureza do negócio, de sua missão, seus valores, propondo as adequações que as exigências da atualidade impõem.

Para não correr o risco de reduzir a estratégia a um discurso bem intencionado, esta noção de sustentabilidade precisa ser institucionalizada, traduzida em políticas, normas, processos, procedimentos, e atributos mensuráveis. Seja qual for o estilo de gestão, é preciso deixar claro que é “pra valer”.

Porém não basta definir como devem ocorrer as ações. Elas de fato precisam acontecer. Esta execução requer o alinhamento em torno de 3 vetores: instrumental (o que fazer?), relacional (como inserir a ação em determinado contexto?) e filosófico (por que e para que realizar essas ações?).

Foi-se o tempo em que era suficiente fazer bem feito, ter qualidade de produto e processos. Além destas competências de caráter instrumental, é preciso manter altos níveis de excelência relacional, saber inserir as ações do negócio em seus diferentes cenários de atuação. Mais ainda, sob o ponto de vista filosófico, a ação empresarial não pode ser desprovida de propósito, isso exige clareza a respeito de “por que” e “para que” as ações são executadas. É quando a estratégia se transforma em uma “causa”, algo que move as pessoas e o negócio.

Mas como diz a voz do povo, de boa intenção o inferno está cheio. Às vezes a gente faz tudo direitinho, e os resultados ficam aquém das expectativas. Sem falar das vezes em que pode até parecer que deu certo, mas só para alguns ou só em alguns poucos aspectos. Portanto, não basta definir a noção de sustentabilidade, institucionalizá-la, e manter o alinhamento da execução. É altamente relevante identificar os impactos resultantes do negócio. No mínimo, sob a ótica econômica, ambiental e social. Lembrando que a noção de impacto envolve as dinâmicas internas e externas à empresa, sob a ótica tangível e intangível.

Complicou? Não se assuste, tem jeito. Sustentabilidade como estratégia exige um modelo de gestão sistêmico, orgânico, em que seja possível lidar com 3 eixos de ações simultâneas:

a) Operação do negócio em todos os seus aspectos de execução: desde insumos, opções tecnológicas, até as entregas finais e seus desdobramentos.
b) Cultura e desenvolvimento humano: com foco em mudança de mind set, reformulação de competências, processos de formação, avaliação e reconhecimento.
c) Comunicação e relacionamento com stakeholders: visando coerência e consistência das mensagens, processos de branding, e manutenção de relações e diálogos relevantes.

Além disso, como o desafio é geral, e ninguém tem um manual com instruções universalmente validadas, é fundamental instalar um modelo de governança da sustentabilidade, com uma arquitetura de indicadores adequada ao negócio, identificar responsabilidades, e viabilizar um permanente processo de aperfeiçoamento, aprendizagem e evolução, envolvendo todos os stakeholders relevantes.

Se um dia sustentabilidade foi coisa de doido, hoje é doido quem não está se ocupando disso. Não se trata de moda passageira. Como o nome diz, trata-se de encontrar estratégias de sustentação. Mas sustentar o que? A vida, ora bolas. A minha, a sua e de quem mais vier.


Regina Migliori dedica-se a desenvolver o potencial ético e sustentável das pessoas, organizações e comunidades. Vem implantando modelos de governança da sustentabilidade em empresas, governos e instituições do terceiro setor. É Consultora em Cultura de Paz da Unesco; Professora da Fundação Getúlio Vargas; há mais de 20 anos vem aplicando sua metodologia para o desenvolvimento de uma inteligência sustentável; é autora de livros, programas de e-learning, e articulista em diversos meios de comunicação. www.migliori.com.br

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