Reflexões sobre a Portaria Conjunta Nº 1 da Capes/CNPq

Data: 26/05/2011


Waldir L. Roque


Em 15 de julho de 2010 os presidentes da Capes e do CNPq assinaram uma Portaria conjunta que foi publicada no DOU Nº 135 de 16 de julho de 2010. A Portaria autoriza que os bolsistas da Capes ou CNPq, matriculados em um programa de pós-graduação no País, possam receber complementação financeira proveniente de outras fontes, desde que se dediquem a atividades relacionadas à sua área de atuação e de interesse para sua formação acadêmica e tecnológica. Para que o bolsista possa receber um salário, além da bolsa, basta que o seu orientador esteja de acordo e comunique oficialmente ao programa de pós-graduação ao qual o bolsista está vinculado.



Mas qual o real propósito desta Portaria? Uma interpretação é de que a mesma é importante para que o Governo tenha um instrumento legal para pagamento de bolsas a professores do ensino fundamental ou médio da rede pública, de forma que esses possam receber um incentivo para participar do Programa de Formação Continuada (Portaria MEC No. 289 de 21/03/2011), a exemplo do recém-criado e polêmico Profmat - Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional, supervisionado pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada - Impa e do Curso de Mestrado Profissional para Professores de Biologia desenvolvido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - Inmetro.



Como muitos professores da rede pública trabalham em outras atividades para perceber um salário razoável, nem sempre eles dispõem de tempo para participar de um programa de formação continuada, por meio de um mestrado profissional. A concessão de uma bolsa parece bastante apropriada àqueles que ingressarem na pós-graduação, uma vez que sem este auxílio financeiro é quase inviável as suas participações.



Por outro lado, esta mesma Portaria abriu a possibilidade para que alunos de mestrado ou doutorado ingressem no mercado de trabalho, particularmente em instituições de ensino e pesquisa, e continuem recebendo a bolsa de estudo. Em geral, tais alunos de mestrado e doutorado estão participando de programas acadêmicos e não de formação continuada, muito desses com uma graduação em cursos de bacharelado ou engenharias, que não os habilitam para atuar no ensino fundamental e médio.



Analisando alguns aspectos da Portaria, vemos que a mesma dá margem a algumas reflexões. Por exemplo, um bolsista de doutorado, com título de mestre, ao ingressar em uma Universidade Federal, inicia a carreira na classe de Professor Assistente, nível I, com dedicação exclusiva, percebendo um salário bruto de R$ 4.651,59 e pode continuar com uma bolsa de doutorado de R$ 1.800,00. O total de vencimentos deste aluno de doutorado é R$ 6.451,59, enquanto o salário bruto de um Professor Adjunto I, com doutorado e dedicação exclusiva, percebe R$ 7.333,67. A diferença entre os vencimentos brutos é de R$ 882,08, em favor do Professor Adjunto I.



Porém, devemos lembrar que sobre a bolsa não incide imposto de renda e, assim, quando contabilizamos os tributos referentes ao plano de seguridade social e ao imposto de renda sobre os salários dos dois professores, esta diferença passa para R$ 69,43 por mês em favor do Professor Assistente I. Ou seja, um aluno de doutorado estará percebendo mais que um Professor Adjunto I, que já é doutor e pode até mesmo estar atuando na pós-graduação com orientações de mestrado.



Isto não é tudo. Como as bolsas de doutorado podem diferir em valores, pois as bolsas do CNPq ainda contemplam uma taxa de bancada mensal de R$ 394,00, o bolsista passa a perceber R$ 463,43 a mais do que o Professor Adjunto I doutor. Isto parece justo?



Uma vez aberta esta concessão, os bolsistas atuais passaram a ter mais interesse em prestar concurso público, pois sabem que terão direito a continuar com a bolsa. Durante muito tempo o CNPq e a Capes vêm pressionando os programas de pós-graduação para diminuírem o tempo de formação de mestres e doutores, mas sabemos que é muito mais provável que este tempo seja dilatado quando o aluno trabalha, pois elimina a dedicação exclusiva ao mestrado ou doutorado.



Se a intenção da Capes/CNPq era induzir a participação dos bolsistas em atividades de ensino nas universidades, por exemplo, a Portaria é contraditória, já que existem as bolsas concedidas dentro do Programa Reuni e, mais recentemente, as bolsas dentro do Programa de Auxílio à Graduação - PAG, as quais requerem que os bolsistas atuem no ensino nas universidades. Isto causa um desestímulo aos bolsistas Reuni/PAG, fazendo com que esses procurem migrar para o ensino como concursados, já que terão mais vantagens financeiras, além de todos os direitos trabalhistas assegurados. Aliás, estas bolsas são sempre a última opção dos estudantes.



O Brasil formou em torno de sete doutores por 100 mil habitantes em 2010, um número muito inferior ao da maioria dos países desenvolvidos que já em 2007 formavam mais de 200 doutores, na faixa etária de 25-29 anos, por 100 mil habitantes. Nos casos específicos de países como a Suécia, Suíça e Finlândia, este número sobe para mais de 600 doutores. Se o Brasil deseja se tornar mais competitivo, tem que dispor de muito mais bolsas e repensar o escopo da Portaria, permitindo que alunos ingressem no doutorado com bolsas que, eventualmente, poderiam estar sendo concedidas a alunos que estão no mercado de trabalho.



Neste sentido, parece que a Portaria foi demasiadamente ampla em seu alcance e que não houve uma simulação prévia para verificar o ônus e os reais benefícios que ela trará a médio e longo prazos à Nação.



Waldir L. Roque enviado é professor da UFRGS - PPGMAp - Instituto de Matemática.


Jornal da Ciência


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