CNPq: A configuração e os desafios

Data: 11/05/2011
Nagib M. A. Nassar

Atendendo a chamada do presidente do CNPq aos pesquisadores sobre uma nova configuração do CNPq, apresento minha opinião:



A reorganização do trabalho dos comitês assessores é o desafio que mais pressiona a grande faixa dos pesquisadores. A sua estruturação e o seu trabalho sempre foram alvo de queixas dos pesquisadores.



As causas se encontram ainda nos seus métodos de julgamento e nas suas próprias avaliações, muito distantes dos critérios definidos pelo CNPq, no espírito e na letra.



O problema pressionou todo o mundo e até motivou o ex-presidente da Instituição, Prof. Carlos Alberto Aragão, a pensar em um comitê para cada grande área de conhecimento; Ciências Humanas, Exatas, Biológicas, chamando cientistas renomados mundialmente para integrá-los.



Na ausência de um sistema de acompanhamento de seus trabalhos, os comitês desenvolveram um mecanismo que preserva privilégios de membros, mantendo idéias deformadas e errôneas, contrariando o que o Conselho Deliberativo definiu e estruturou anteriormente.



Os critérios definidos pelo Conselho foram negligenciados, superados e manejados para atender ao conceito errado de alguns membros dos Comitês. Um exemplo é que um comitê da área biologia sugeriu, para avaliar o mérito científico dos trabalhos publicados, o não uso da indexação em bases de dados ou o fator de impacto dos veículos de publicações. O referido comitê propôs que a validade do periódico depende do que os pesquisadores da área nele publicam com maior freqüência, e ele, o próprio comitê é capaz de (inventar) fator de impacto a partir disso!



A coisa parece surrealista e desperta mais risos do que críticas. Ninguém imagina ou pode imaginar, mas isto foi o que aconteceu, quando o CNPq chamou a comunidade científica para discutir critérios para julgamento de trabalhos científicos!



Definidos os critérios pelo Conselho Deliberativo, os membros desse comitê, mais uma vez, voltaram a distorcê-los. O fator de impacto é descartado totalmente e a senioridade do autor nas publicações nem se fala.



Um dos fenômenos que ainda atrai os observadores, e tenho notado ultimamente, está em premiar pesquisadores por terem formado doutores e mestres independentemente deles publicarem, ou não.



Trata-se de um fenômeno que floresceu na última década devido à composição e a certo raciocínio em escolher membros dos comitês. Alimentado por julgamento errôneo e por concessão de bolsas de produtividade, este tipo de avaliação, se expandiu e se refletiu no perfil da produção científica e do perfil dos pesquisadores.



Ao contrário da Capes, que avalia os cursos, conforme as publicações surgidas de teses de mestrado e doutorado, o CNPq pouco faz para avaliar o que resultou das teses dos doutores, orientados por seus pesquisadores.



A formação de doutores e mestres deve ser um dos critérios, mas ele não é tudo para julgar a produção científica de pesquisadores. O critério foi mal usado, abusado e desviou a atenção do objetivo principal que é a formação de doutores produtivos, e tornou-se o único crédito usado por pesquisadores para receberem bolsas e ascenderem à alta classificação.



Ao invés de publicar trabalhos de impacto em periódicos respeitados, os pesquisadores acharam muito mais fácil orientar alunos e formar doutores independentemente de qualidade de suas publicações. O fenômeno ficou uma indústria florescida, refletindo muito sobre a qualidade de produção científica.



Num levantamento feito nas áreas de Ciências Biológicas encontra-se um comitê que me espantei ao notar que dos 4 pesquisadores classificados como 1A e 1B, nenhum deles teve, junto com seus orientandos, uma única publicação num jornal de fator de impacto superior a 1. Pior do que isso foi perceber que, em nenhuma das publicações, esses pesquisadores tiveram seus nomes como primeiro autor ou autor correspondente. Isto significa que um pesquisador 1A, ou 1B sobrevive dependendo de outros para publicar.



Após extensos debates, o Conselho Deliberativo recomendou critérios para a produção científica dos pesquisadores do CNPq capazes de melhorar o seu impacto e a sua qualidade internacional, tais como o impacto de jornais onde os pesquisadores publicam, a indexação em reconhecida bases de dados, como o ISI, e a senioridade de autoria, mas tudo isso foi negligenciado por alguns comitês, particularmente o referido comitê da área de Ciências Biológicas.



Dentro do levantamento feito no referido comitê se encontra o seguinte exemplo de produção científica de três pesquisadores:



Pesquisador
Total Publicação
Periódicos

Indexados ISI
Autoria

1º autor
Citação
Classificação

I.S.I
60
01
02
00
1D

P.T.
98
11
00
00
1B

N.M.
120
49
120
890
2


Fonte: Curriculum Lattes/CNPq e ISI

Ano: 2011



Evidentemente o pesquisador N.M. foi hostilizado pelo referido comitê por causa da sua produção científica distinta, contra seus valores adotados e deviam ter procurado qualquer justificativa para puni-lo. Não é comum, pelo mecanismo explicado acima, encontrar, no atual quadro dessa Área de Conhecimento, pesquisadores com publicações prestigiadas de alto impacto com nomes como autor principal, conforme N.M.



A estrutura dos comitês assessores é outro fator que merece atenção quando se fala em configuração. A escolha de membros baseado na distribuição geográfica e da vinculação a certa universidade antiga nem sempre fornece elementos mais qualificado para integrar o comitê. Freqüentemente este tipo de escolha contribui em criar uma estrutura ineficiente de alguns comitês. O sistema contribuiu ainda em distribuição injusta de verbas de pesquisa, sendo a maioria deles indo a universidades antigas e centros tradicionais.



Há dois anos, pesquisadores do interior de Minas Gerais, revoltados com essa discriminação bateram nada menos do que na porta do Planalto. Eles se queixaram para o então Presidente da República, que o CNPq deixa pra trás os novos institutos no interior do país e favorece universidades e antigos centros acadêmicos, fazendo com que o rico fique mais rico e o pobre cada vez mais pobre, causando uma estagnação no crescimento de centros e universidades do interior do país e obrigando-os a continuar em más condições de financiamento e de produção.



O método de julgamento é outro aspecto que merece ser revisado e reconfigurado. Os membros dos comitês não julgam numa maneira pluralista. Os candidatos são divididos entre membros do comitê e cada um julga sozinho certo número de candidatos, isto é, os membros não participam em julgar todos os candidatos, mas endossam a decisão de seus colegas. Praticamente os candidatos são julgados por um membro só. Há necessidade de corrigir esta situação e aproveitar o progresso da informática e da internet. Os membros do comitê deverão ser consultados pela internet sobre todos os candidatos. A reunião do julgamento serve somente para compatibilizar notas de cada um.



A iniciativa do Sr. Presidente do CNPq foi muito louvável pela comunidade científica e espero que tenha atendido a chamada dentro da minha visão como pesquisador de 35 anos de atuação nesta instituição.



Referências e artigos relacionados:



CNPq: Critérios de julgamento da Botânica http://www.cnpq.br/cas/cabo.htm#criterios.
JC 3771 Critérios de produção científica no CNPq, artigo de Nagib Nassar http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63733.
JC 2970 Bolsas e auxílios do CNPq entre o edital e os seus julgamentos, artigo de Nagib Nassar http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=35745
JC 2787 A cara nova do CNPq, artigo Nagib Nassar http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=28900.
JC Sobre a questão dos Comitês Assessores: Artigo de Nagib Nassar http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=30627.


Nagib M. A. Nassar é professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB) e

Pesquisador Sênior do CNPq. Com apoio do IDRC, no Canadá, e do CNPq, seu trabalho diminuiu fome na África e o mesmo pode ocorrer no Brasil. Consulte em:

http://www.idrc.ca/en/ev-158433-201-1-DO_TOPIC.html


Jornal da Ciência


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