Ao ignorar as mudanças climáticas, as companhias acabam por comprometer a perenidade dos seus negócios

Data: 26/04/2011

Ao ignorar as mudanças climáticas, as companhias acabam por comprometer a perenidade dos seus negócios


“É fundamental que a gestão de emissões siga padrões globais a fim de permitir a comparabilidade. Somente assim, a pegada de carbono poderá, de fato, ser um elemento decisivo na tomada de decisão de companhias, investidores, consumidores e governos, favorecendo tecnologias e práticas mais limpas”, constata Juliana Lopes, responsável pela gestão das atividades do Carbon Disclosure Project (CDP) no Brasil e na América Latina, incluindo o México.

Ainda, segundo Juliana, ao ignorar os riscos associados às mudanças climáticas, as companhias acabam por comprometer a perenidade do seu negócio no médio e longo prazo. Para ela, atuar na cadeia produtiva – responsável por mais de 50% das emissões – é uma saída que precisa ser levada em conta quando o assunto é posicionamento estratégico. “Considerando que a precificação do carbono é uma tendência emergente, a competitividade de uma companhia estará cada vez mais condicionada à sua habilidade de mobilizar fornecedores na redução das emissões”.

Confira a entrevista.

Leticia Freire - O que é gestão de carbono?

Juliana Lopes – A gestão de carbono consiste na mensuração e comunicação das emissões de gases de efeito estufa, com o intuito de estabelecer metas de redução e uma estratégia formal de combate às mudanças climáticas integrada ao negócio.

Globalmente, o GHG Protocol é hoje a metodologia mais utilizada para mensurar emissões. Ele permite o reporte em três níveis: escopo 1, emissões diretas; escopo 2, emissões indiretas geradas a partir da compra de energia; e escopo 3, emissões da cadeia de valor.

É fundamental que a gestão de emissões siga padrões globais a fim de permitir a comparabilidade. Somente assim, a pegada de carbono poderá, de fato, ser um elemento decisivo na tomada de decisão de companhias, investidores, consumidores e governos, favorecendo tecnologias e práticas mais limpas.

LF – Como se dá a tomada de decisões em relação à pegada de carbono atualmente?

JL – O sistema econômico atual não inclui o custo do carbono no preço dos processos e produtos obtidos, em sua maioria, a partir do uso intensivo de energia não renovável. Essa miopia do mercado faz com que as empresas tomem decisões de curto prazo para gerar retorno sob o investimento. Mas ao ignorar os riscos associados às mudanças climáticas, as companhias acabam por comprometer a perenidade do seu negócio no médio e longo prazo.

Por isso, o Carbon Disclosure Project (CDP) encaminha anualmente um questionário às maiores empresas do mundo listadas em bolsa, solicitando informações sobre a gestão das emissões de suas atividades. Esses dados são coletados em nome de 550 investidores que juntos movimentam cerca de US$ 71 trilhões em ativos, assim como organizações compradoras e agências de governo.

O CDP reúne o maior banco de dados do mundo sobre informações corporativas a respeito das mudanças climáticas. Cerca de 3.000 organizações globais reportam suas emissões por meio do CDP e, dessa forma, podem estabelecer metas de redução e alcançar melhorias de performance. Os investidores, por sua vez,passam a contar com informações mais consistentes para a tomada de decisão, considerando riscos de médio e longo prazo associados às mudanças climáticas.

LF – Como a gestão de carbono pode agregar valor à cadeia produtiva?

JL – Segundo a Green Survey 2010, da AMCHAM, em média, mais de 50% das emissões das empresas provém da sua cadeia de valor. Se analisarmos determinados setores como o de varejo e tecnologia, percebemos que esses impactos estão ainda mais distribuídos, de modo que os fornecedores podem representar até 80% das emissões de uma empresa.

Considerando que a precificação do carbono é uma tendência emergente, a competitividade de uma companhia estará cada vez mais condicionada à sua habilidade de mobilizar fornecedores na redução das emissões. Entendendo o processo produtivo como um todo e como são geradas as maiores emissões ao longo da cadeia, torna-se mais fácil decidir onde alocar novos investimentos. Trata- se também de uma oportunidade de reduzir custos, ao identificar os gargalos de consumo de energia e explorar novos nichos de mercado.

Além disso, ao engajar seus fornecedores na gestão de carbono, as companhias acabam por gerenciar riscos, como a disponibilidade de matérias-primas, de água e energia, entre outros recursos naturais determinantes para a plena atividade do negócio, que já estão sendo impactados com o avanço das mudanças climáticas.

LF – Em uma esfera de discussão que não é nem ambiental e nem social, o investimento em uma política de gestão de carbono é economicamente justificável para a empresa? Ou seja, há retorno? E quais são os benefícios desse tipo de gestão?

JL – A gestão de carbono ao longo da cadeia de valor tem proporcionado às empresas e seus fornecedores ganhos de eficiência em processos, redução de custos e, consequentemente, uma melhor performance econômica.

De acordo com o Supply Chain Report 2011, o mais recente relatório global do CDP, produzido pela consultoria de gestão A.T. Kearney, mais de 50% das grandes empresas e 25% dos seus fornecedores declararam ter alcançado redução de custos como resultado de atividades de gestão de carbono. Ainda, segundo o relatório, 86% das companhias apontaram benefícios comerciais em trabalhar com os seus fornecedores para melhorar a performance, além de aumentar seu retorno de investimento em mais de 46%.

Motivação interna, gestão de marca, diferenciação de produto, melhorias de desempenho e redução de custos também são direcionadores-chave para o engajamento dos fornecedores na gestão de carbono.

LF – Quantas empresas já estão operando com essa mentalidade de gestão?

JL – Em 2010, o CDP Supply Chain contou com a participação de 57 das companhias globais (sendo duas brasileiras: Bradesco e Fibria), que engajaram 1.000 fornecedores na gestão das emissões de carbono.

A análise das ações dessas empresas mostra que:

• O percentual de negócios que rastreiam e reportam suas emissões ao longo da cadeia de valor mais que dobrou em 2010, atingindo 45%;

• 72% dos grandes negócios têm as suas informações verificadas externamente; apenas 39% dos fornecedores fazem o mesmo devido aos altos custos desse processo;

• A gestão de carbono está crescendo como critério para seleção de fornecedores (17% em 2010 contra 11% em 2009, e a expectativa é que se atinja 29% em cinco anos).

LF – Há como melhorar os resultados de engajamento na cadeia produtiva?

JL – Ainda há uma lacuna entre os membros do CDP Supply Chain e seus fornecedores. De acordo com o relatório, apenas um terço dos fornecedores respondentes têm metas de redução de emissões e elas ainda não são suficientemente ambiciosas. Se esse padrão persistir, por volta de 2015 as emissões globais aumentarão 6% ao invés de reduzirem em 20%, como recomenda o IPCC para que o aumento da temperatura global atinja um limite seguro.

A fim de reverter esse quadro e promover a gestão de carbono ao longo de todo o processo produtivo, o CDP aponta três fatores fundamentais para a construção da mudança (building blocks for dramatic change), são eles:

- Consciência estratégica (awareness) – a mudança climática como oportunidade de negócio: todas as empresas participantes do CDP Supply Chain e metade dos seus fornecedores têm uma estratégia formal para combater as mudanças climáticas;

- Habilidades de relato: cerca de 80% dos fornecedores reportam suas emissões diretas e indiretas (escopos 1 e 2), o que significa um grande progresso comparado ao ano passado, quando registrou-se 60%. No entanto, o reporte de emissões no escopo 3 (cadeia de valor) continua sendo um desafio para a maioria dos negócios.

Ainda assim, o número de empresas que acompanham e reportam suas emissões ao longo da cadeia mais que dobrou em 2010, atingindo 45%;

- Implementação de práticas – fornecedores respondendo à pressão das empresas: quase metade das empresas participantes do CDP Supply Chain está integrando o critério de sustentabilidade na avaliação e seleção de fornecedores.

LF – Há um mapeamento de empresas que produzam a partir de fontes renováveis?

JL – Não temos um mapeamento específico referente à produção a partir de fontes renováveis. Mas observamos que as empresas têm migrado para fontes renováveis com o objetivo de reduzir suas emissões de carbono. A Vale, por exemplo – e esses resultados estarão disponíveis no relatório de 2012 – está voltando grande parte dos seus esforços de redução de emissões para energia. Hoje, 5% da sua frota de trens já roda com biocombustíveis. A empresa percebeu que poderia expandir essa participação para 30%, mas não havia nenhum fornecedor no Brasil capaz de atender a essa demanda. Então, fizeram uma parceria com um fornecedor, investindo cerca de R$ 500 milhões para aumentar a produção de biocombustíveis e abastecer até 20% de seus trens.

Sobre a entrevistada:

Juliana Lopes, country manager do CDP South America, é responsável pela gestão das atividades da organização no Brasil e na América Latina, incluindo o México. Nessa posição, também apoia o time da consultoria Fábrica Ethica, facilitadora do CDP na região, na busca das respostas e esclarecimento das dúvidas das organizações participantes do projeto, intermediando a comunicação com o escritório global do CDP.

Sobre o CDP:

O Carbon Disclosure Project (CDP) é uma organização independente sem fins lucrativos responsável pelo maior banco de dados do mundo sobre informações corporativas a respeito das mudanças climáticas. Cerca de 3.000 organizações ao redor do mundo mensuram e reportam suas emissões de gases de efeito estufa por meio do CDP, desse modo podem estabeler metas de redução e alcançar melhorias de desempenho. Esses dados são coletados em nome de 534 investidores institucionais, que juntos movimentam U$ 64 trilhões em ativos, assim como organizações compradores e agências de governo e são disponibilizados para integração ao negócio e auxiliar na tomada de decisão.

Acesse: www.cdproject.net.

(Mercado Ético)




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