Uma antiga, e promissora, questão ambiental

Data: 19/04/2011
Ernesto Cavasin, Flávia Takeuchi, Heloísa Garcia da Mota e Leonardo Costa (*)

Para a geração nascida nos anos oitenta, a primeira das preocupações com o meio ambiente era relacionada à água. Fechar as torneiras sempre, levar menos tempo no banho, não jogar lixo em córregos, e filmes futuristas apocalípticos onde super-heróis deviam enfrentar os vilões num mundo onde imperavam os desertos faziam parte da realidade de toda sociedade. Estritamente conectada com outras questões ambientais como as mudanças climáticas e a proteção da biodiversidade, a água faz parte de compromissos internacionais, como a Agenda 21, a Carta da Terra ou os Oito Objetivos do Milênio. Previsões sobre as conseqüências do manejo inadequado dos recursos hídricos tornaram-se preocupações do presente, seja em casos graves de poluição, na escassez do recurso em algumas regiões do mundo, e nas alterações no ciclo hidrológico que alteram o regime de chuvas. Diante dos fatos, constatam-se o aumento de ferramentas que buscam incentivar e conscientizar a sociedade civil, governo e empresas da importância do manejo da água em nosso cotidiano, como a pegada de água, a água virtual, e o pagamento por recursos hídricos.
Um dos mais interessantes conceitos sobre o consumo de água e que está obtendo grande relevância nos últimos tempos é a “pegada de água” (water footprint). Estudado com grande profundidade pelo professor holandês Arjen Y. Hoekstra e pelo professor nepalês Ashok K. Chapagain, este conceito refere-se ao uso da água relacionado ao consumo de produtos e serviços dentro de um país. Através de diversos estudos, eles comprovaram que a maior quantidade de água é utilizada na produção de commodities agrícolas – superior ao consumo nos setores doméstico e industrial. Assim, com o foco do estudo na fase primária de produção de culturas agrícolas pelos países produtores e das relações comerciais que existem entre os países que importam e exportam essas commodities, há a possibilidade de identificar a influência do comércio no uso de água de determinado país.
Atrelada à pegada de água, eles criaram o conceito de água virtual, que se trata do volume de água utilizado para produzir uma commodity e que está virtualmente inserida na mesma. O cálculo da água virtual permite que países que precisam de grande quantidade de água para produzir uma commodity agrícola e/ou que obtêm baixos níveis para a produção da mesma possam “economizar” esta água de suas fontes domésticas e importar esta cultura de outro país que a produz de maneira mais eficiente (menor relação m3 de água/ hectare). O Brasil, por ser um grande exportador de commodities, atingir boa produtividade agrícola, possuir clima favorável e grande disponibilidade de terras agriculturáveis, é um dos maiores exportadores de água na forma virtual.
Com a pegada de água, é possível demonstrar que o comércio global de bens e serviços afeta de maneira significativa os sistemas hidrológicos. De maneira simplificada, a compra de produtos brasileiros pelos países da União Europeia contribui para o esvaziamento dos rios no Brasil. Assim inicia-se um pensamento focado na responsabilidade compartilhada das nações sobre o recurso.
Outras ferramentas importantes que visam a conservação dos recursos hídricos é o pagamento por recursos hídricos (Payment for Watershed Services) e o mercado de água (Water Quality Trading), o primeiro é caracterizado por iniciativas voluntárias que disponibilizam incentivos financeiros para proprietários de terras, e o segundo trata-se de iniciativas reguladas por padrões específicos em regiões que definiram sistemas para redução da poluição da água. De acordo com um relatório sobre pagamentos por recursos hídricos, publicado em 2010 pela Ecosystem Marketplace, atualmente existem 288 programas que envolvem o pagamento de recursos hídricos no mundo, concentrados em sua maioria na América Latina. Em 2008, o número de programas era 127. Desde sua criação, o mercado movimentou mais de nove bilhões de dólares americanos, e é reconhecido por especialistas como uma das principais soluções para a valorização da água, e a geração de recursos que financiem medidas remediadoras e protetoras das bacias hidrográficas.
No Brasil, um dos principais incentivos com relação à água, além do Comitê de Bacias Hidrográficas, é o pagamento por serviços ambientais, uma ferramenta que visa à valoração dos serviços ambientais prestados, normalmente, por uma floresta na área de cabeceira de um corpo hídrico. Os serviços ambientais estão relacionados à preservação da biodiversidade, absorção ou estoque de carbono e formação ou manutenção do sistema produtor de água. De maneira simplificada, o PSA visa compensar de alguma forma o produtor rural que mantenha sua floresta ou que promova o plantio de mudas nativas em sua área, gerando como benefício os serviços ambientais a uma determinada população, seja pelo fornecimento de água de melhor qualidade ou maior quantidade, pela conservação da biodiversidade e o estoque do carbono. O cálculo do valor devido aos proprietários rurais é feito considerando o custo de oportunidade, ou seja, é feita a identificação de atividades que poderiam ser desenvolvidas pelos proprietários rurais, tais como atividade pecuária, agricultura, entre outros.
Existem diversos programas de PSA em andamento no Brasil, com diferentes “compradores” dos serviços ambientais, que podem ser um ente público, privado ou, uma vez que se trata de projetos florestais, fazer parte de um mercado de carbono. O primeiro projeto de PSA baseado em água foi implantado em Extrema (MG), após a aprovação da lei municipal e desenvolvida em parceria com a TNC (The Nature Conservancy), Instituto Estadual deFlorestas (IEF – MG) e Agência Nacional das Águas (ANA). O projeto está dentro da iniciativa que vem sendo desenvolvida pela ANA, por meio do programa “Produtor de Água”, que envolve a identificação da bacia hidrográfica e de potenciais agentes financiadores, monitoramento do projeto e pagamento. Há projetos nas bacias do Piracicaba (SP), Benevente (ES), Camboriú (SC), Piripau (DF), Guandu (RJ), além da Bacia de Posses que compreende o projeto de Extrema.
A vantagem para os compradores destes serviços é o abatimento dos custos com o tratamento de água, que possui melhor qualidade, por conter menos material proveniente de erosão e sedimentos, e quantidade, uma vez que a oferta de água é regularizada devido à alimentação do lençol freático pelas florestas. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou em fevereiro de 2011 o projeto de lei 271/2010, que prevê a utilização dos recursos do Fundo Estadual para a Prevenção e Controle da Poluição (Fecop) para o pagamento dos serviços ambientais, alterando a lei 11.160/2002 (dispõe sobre a criação do Fecop). A aprovação deste projeto de lei é conseqüência da Política Estadual de Mudanças Climáticas, instituída pela Lei 13.798/2009, que prevê o pagamento de PSA a produtores rurais e também prevê a aprovação do Programa de Remanescentes Florestais. A intenção do projeto é estimular a formação de corredores biológicos dos remanescentes florestais por meio do PSA a produtores rurais.
Incentivos financeiros, como é o caso do pagamento por recursos hídricos e a água virtual, são exemplos do amadurecimento de iniciativas em busca da proteção e manutenção adequada dos recursos hídricos. Mais do que isso, os conceitos exemplificados demonstram a importância do reconhecimento da responsabilidade compartilhada pelos recursos naturais, seja entre nações, entre governos e sociedade civil, e entre as empresas. O desafio ambiental cresce sob diferentes perspectivas, e o maior desafio de especialistas no assunto é definir com criatividade quais as novas ferramentas que poderão trazer soluções integradas abrangendo respostas para temas como a gestão da água, mudanças climáticas, biodiversidade e desenvolvimento econômico e social.

(*) Especialistas em Sustentabilidade da PwC

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