Acesso equitativo aos serviços básicos: quem o garantirá_

Data: 08/04/2011

Acesso equitativo aos serviços básicos: quem o garantirá_



Degol Hailu, do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo


A prática corrente no fornecimento de serviços de utilidade pública envolve o seguinte: os governos mantêm a propriedade e pagam pelos investimentos de capital, enquanto privatizam as operações e a gestão das empresas. Será que esta modalidade garante o acesso equitativo aos serviços de água e eletricidade?

Garantir o acesso equitativo requer o financiamento de gastos iniciais em infra-estrutura. As empresas privadas raramente fazem esses investimentos. Mais direto ao ponto, lucros imediatos não estão garantidos. Por exemplo, uma empresa britânica saiu de um contrato de abastecimento de água no Zimbábue, alegando que seus clientes eram demasiado pobres para pagar por seus serviços. Contratos de água e eletricidade são contestados, em alguns casos rescindidos, em muitos países, incluindo a Gâmbia, Quênia, Guiné, Moçambique, Nigéria e África do Sul.

Protestos públicos são comuns em resposta às tarifas exorbitantes. Um fornecedor privado de eletricidade na Zâmbia apresentou mais de 10 pedidos de revisão tarifária. Os consumidores estão manifestando o seu descontentamento em três audiências públicas realizadas pela agencia regulatória de energia, a energy regulation Board. Na sequência da liberalização do setor, na Nigéria, os preços da eletricidade aumentaram mais de 800 por cento. Recentemente, o país sofreu apagões generalizados. Na Guiné, as tarifas da água quase duplicaram depois da liberalização do setor. Na América Latina, o custo da ligação de eletricidade alcançou 20 por cento da renda domiciliar em alguns países.

Os ganhos em eficiência esperados nem sempre são evidentes. Apesar dos aumentos tarifários apenas cerca de um quarto do total das ligações de água estava funcionando em alguns países. Em outros casos, o desperdício de água manteve-se em 40 por cento. Em Camarões e Burquina Fasso, os sistemas da rede de eletricidade cobriam principalmente os centros urbanos. A gestão privada dos serviços de utilidade pública está ligada à falhas de manutenção, cortes no abastecimento de água e apagões da eletricidade. A Declaração de Direitos Sul-Africana garante o abastecimento de água para os domicílios familiares pobres, mas nem todos os países têm essa disposição constitucional.

Os acordos oferecidos aos empreiteiros privados incluem garantias de compra e isenções fiscais de até 30 anos. Outros obtiveram garantia de 100 por cento para a compra de sua produção a preços fixos em divisas estrangeiras. Na verdade, pode ser que haja pouco interesse dos investidores, sendo necessário algum incentivo. No entanto, as concessões resultam em pesadas cargas fiscais, muitas vezes desviando recursos de gastos sociais. O acesso aos serviços básicos na África Subsaariana (ASS) é extremamente baixo. É revelador comparar a privatização da região com o Reino Unido e os Estados Unidos, onde houve um melhor sucesso. No Reino Unido, a privatização da água foi proposta em 1984. A transferência efetiva dos ativos teve lugar ao longo do período 1989-1990. A privatização eletricidade começou em 1989 com o desdobramento do setor em muitas empresas. A privatização da água intensificou-se nos E.E.U.U. no início de 1988.

Quando estes países privatizaram o fornecimento de água, eles tinham atingido 100 por cento de acesso. Havia sido alcançado o consumo de eletricidade de 4.683 kWh per capita no Reino Unido e de 9.862 kWh nos E.E.U.U. Por outro lado, em 2004, apenas 56 por cento da população tinha acesso à água limpa na ASS. Os moradores urbanos tinham cerca de 83 por cento do acesso. O consumo de energia elétrica em 2004 na ASS equivalia a 6 por cento do consumo de eletricidade nos E.E.U.U. em 1980.



Claramente, os debates sobre a privatização na ASS devem ter em conta seus níveis baixos de acesso. O setor público pode fazer um trabalho melhor? O histórico não é muito eloquente. Serviços de utilidade pública que estejam sob administração pública, são por vezes associados a má manutenção, desperdício, contas indevidas e tarifas únicas (independentemente dos níveis de renda domiciliar). Há, contudo, histórias de sucesso. A Botswana’s Water Utilities Corporation (WUC) aumentou a proporção da população servida por água canalizada. A reestruturada Namibian Water Corporation ltd(namWater) presta serviços de forma adequada. Municípios brasileiros têm sido bem sucedidos no fornecimento equitativo serviços de água e saneamento.

A lição é esta: quanto maior o nível de acesso no início da privatização, maior o seu sucesso. Antes de embarcar na privatização de plena escala, metas mínimas em matéria de acesso devem ser atingidas através do fornecimento público reestruturado. E, quando for considerado o fornecimento privado, o mesmo deve ser apoiado por ambientes regulatórios adequados. Estes incluem os quadros legais para fazer valer os contratos e a capacidade de negociá-los, no interesse dos consumidores pobres.

Bibliografia:

Bayliss, K. and Fine, B. (2007). Privatization and alternative Public Sector reforms in Sub-Saharan africa: Delivering on electricity and Water (eds.). london: Palgrave Macmillan.

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