Água, saneamento e cidade: o desafio da gestão hídrica no Brasil

Data: 22/03/2011
A urbanização foi um dos principais processos sociais ocorridos no século XX. No Brasil, as transformações no meio rural, assim como as mudanças em termos de estrutura produtiva do País fizeram com que houvesse um deslocamento significativo da população brasileira em direção às áreas urbanas. Entretanto, a grande concentração populacional nas cidades, em especial nas metrópoles, evidenciou a necessidade de se discutir mais detidamente a questão ambiental, exigindo hoje um planejamento eficaz e de abrangência regional, prioritariamente para os recursos hídricos.
A concentração populacional em áreas urbanas tem causado impactos significativos em termos ambientais. A velocidade com que se desenvolveu o processo, associado à falta de investimentos em planejamento e infraestrutura, acabou fazendo com que houvesse, principalmente, nas grandes cidades, um comprometimento dos recursos ambientais básicos – água, ar e solo. Determinada situação compromete a qualidade de vida da população.
As cidades passaram a representar não apenas uma mudança geográfica para a maioria dos brasileiros, mas também a conquista da cidadania, o empoderamento e a produtividade. “É nesse contexto de expansão urbana que as dificuldades para suprir a demanda explosiva e expansiva por infraestrutura urbana básica se evidenciam”, aponta Wilson Passeto, Diretor Administrativo e Financeiro da ONG Água e Cidade.
O processo de urbanização acelerado gerou dois impactos no que se refere aos recursos hídricos: o aumento da demanda em áreas de maior concentração populacional e a contaminação do corpo hídrico por resíduos doméstico e industrial. O crescimento da população concentrada em megacidades, principalmente no litoral do continente, gerou problemas de escassez localizada de água. As deficiências nos sistemas de saneamento básico como a falta de sistemas de coleta, tratamento e drenagem já tornam boa parte das águas impróprias para o uso humano.
Dados sobre água e saneamento
É nesse cenário de carências que a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008, revelou que 44% dos domicílios nacionais não possuíam acesso à de rede esgoto naquele ano. A Pesquisa ainda apontou que em 8 anos o saneamento básico avançou pouco e que 12 milhões de domicílios no País não têm acesso à rede geral de abastecimento de água. Metade dos municípios brasileiros ainda despejam resíduos sólidos em vazadouros a céu aberto.
A PNSB tem como objetivo levantar informações que retratam a real condição do saneamento básico do País, como a oferta e a demanda de infraestrutura sanitária, bem como a qualidade dos serviços prestados pelas entidades públicas ou privadas de saneamento, responsáveis pelo abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais, manejo de resíduos sólidos e limpeza pública de todos os municípios brasileiros.
A Pesquisa considera dados levantados em prefeituras, em órgãos públicos e privados responsáveis por serviços de saneamento e em associações comunitárias de todos os municípios brasileiros, utilizando apenas dados oficias. Com uma tarifa média de R$1,95 por m3, o serviço de abastecimento de água e de saneamento no País é realizado em 70% por concessionárias estaduais, 18% municipais e 12% privadas.
Em 2008, 34,8 milhões de pessoas viviam em cidades onde não havia nenhum tipo de rede coletora de esgoto, sendo que apenas 40% dos domicílios brasileiro tinham acesso à rede geral, relevando um serviço deficiente e com distribuição desigual. A PNSB ainda relavou que 1/3 dos municípios têm área de risco no perímetro urbano e necessitam de drenagem.
Se considerado o levantamento sobre acesso à rede geral de distribuição de água, a pesquisa revelou que o acesso é quase que universal, com 99,4%. A rede de distribuição de água potável chegou a 78,6% dos domicílios em 2008, sendo que 6,2% dos municípios tratavam a água apenas parcialmente antes de realizar a distribuição e 6,6% não faziam qualquer tipo de tratamento. Se considerado o saneamento básico, apenas 55,2% dos municípios tinham acesso à rede coletora. Os dados de tratamento de esgoto são ainda mais preocupantes, já que apenas 28,5% tratavam o esgoto coletado.
Segundo o IBGE, o saneamento básico é distribuído de maneira desigual entre as regiões, sendo mais deficiente no Nordeste e no Norte. Apenas três estados e o Distrito Federal têm mais de metade dos domicílios atendidos por rede geral de esgoto. Em oito Estados, a proporção é de menos de 10%. A rede de coleta de esgoto sanitário, em 2008, atendia a menos da metade dos domicílios brasileiros, todo o restante dos domicílios recorriam a fossas sépticas, fossas secas, valas a céu aberto ou lançam diretamente em cursos d’água.
Entre os estados com maior rede de coleta de esgoto, destacam-se São Paulo, com 82,1% de cobertura, Pernambuco (74,2%) e Minas Gerais (68,9%). As demais 24 unidades da federação tinham, em 2008, menos da metade de seus domicílios atendidos por redes coletoras. Rondônia, com uma cobertura de 1,6%, Pará (1,7%) e Amapá (3,5%) são os estados com os piores índices.
No que se refere às perdas, empresas como a Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa) e Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema) têm o chamado Índice de Perdas de Faturamento (que considera tudo o que foi disponibilizado para distribuição e não foi faturado) acima de 70%, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2008. O valor médio das perdas de faturamento para todo o conjunto de prestadores de serviços foi de 37,4%. O valor correspondente às perdas pode ter chegado a R$ 7,6 Bi, em 2008.
Para o secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Leodegar Tiscoski, o ideal seria que as perdas não ultrapassagem a 20%. A média nacional está próxima dos 40% de tudo o que é distribuído.
Seguindo o caminho de combate às perdas, a Sabesp, de São Paulo, tem como meta atingir 13% de perdas em 2019. Para isso, desde 2006 tem investido em programas de redução de perdas que já apresentam melhora nos indicadores. A concessionária conseguiu diminuir nos últimos 5 anos em seis pontos porcentuais – de 32% para 26% - as suas perdas. Na Capital Federal, o índice de perdas de faturamento é de 27,5%.
“O alto índice de perdas na distribuição da água potável e principalmente sua dispersão entre as empresas de saneamento do Brasil são uma evidência de que as políticas públicas para os recursos hídricos são inconsistentes no que diz respeito ao setor de serviços públicos urbanos: água e esgoto sanitário”, explica Passeto.
Drenagem
A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, do IBGE, mostra que 27,4% dos 5.565 mil municípios declararam, em 2008, possuir “estrangulamento” em seu sistema de drenagem e ter sofrido inundações e alagamento nos últimos cinco anos. Segundo especialistas, os sistemas de drenagem dos municípios não acompanharam o crescimento das cidades e em alguns casos foram mal planejados.
A drenagem e o manejo de águas naturais urbanas são serviços e infraestrutura necessários para que as pessoas possam constituir suas moradias nos terrenos urbanos planejados para ocupação, dotados se serviços públicos básicos. A falta de planejamento mínimo compromete o uso e ocupação do solo. “Caso não se faça este planejamento mínimo vamos continuar a utilizar encostas e pirambeiras para construir ou nas margens de rios. A própria administração pública municipal utiliza rios para construir avenidas, quando não asfalta lixões ou embeleza morros instáveis como sendo bairros”, assinala Passeto.
Segundo a pesquisa do IBGE, o fator de maior risco de inundações no perímetro urbano é a inexistência de infraestrutura de drenagem em algumas áreas. Esse problema foi declarado por 62,6% dos 1.933 municípios que disseram ter áreas de risco de inundações. Já as áreas de baixios sujeitas a inundações figuram como a segunda principal área de risco, como destacado por 56,8% das localidades.
Obstrução de bueiros (45,1%), ocupação desordenada do solo (43,1%), obras inadequadas (31,7%), dimensionamento inadequado do projeto de drenagem (30,7%) e lançamento de resíduos sólidos (30,7%) foram outros motivos apresentados pelos municípios como fatores que podem ajudar nas inundações.
Para o engenheiro civil Breno Matta, esse “estrangulamento” representa a falta de planejamento urbano consistente. “Sistemas de drenagem com o manejo correto e planejado das águas naturais urbanas (recursos hídricos) representa planejamento do solo urbano. O principal gargalo ou “estrangulamento” do setor da construção sustentável ou tradicional é justamente este: a falta de terrenos urbanos para a construção de moradias”, aponta.
Educação
Uma sociedade que deseja ser sustentável não pode concordar com o aumento do impacto ambiental hídrico e aumento do uso da energia para perpetuar desperdícios, desigualdades e falta de gestão da água. A educação para o uso racional da água em escolas e no dia a dia pode vir a ajudar a população a entender e atuar nas pequenas cidades e nas regiões metropolitanas. A população, importante ator no papel na gestão dos recursos hídricos, com o poder do conhecimento e das melhores práticas de uso racional da água pode ajudar na definição das prioridades para o uso da água.
Diante da importância do uso racional da água são necessários ações com a comunidade, principalmente ações educacionais. A maior demanda por água tem surgido em decorrência do crescimento acelerado do consumo e da aglomeração em centros urbanos, mas é igualmente influenciada pelo desperdício e uso inadequado, o que ajudar a esgotar ou degradar este recurso estratégico para a vida humana.
“Uma população consciente e sensibilizada para com o uso racional da água cumpre os seus deveres como cidadãos, cuidando da água, e exigindo que as obras para ampliação da oferta sejam executadas apenas após se esgotar todas as formas de desperdícios e do mau uso da água. Este é o caminho seguro da sustentabilidade”, disse Wilson Passeto, Diretor Administrativo e Financeiro da ONG Água e Cidade.
O programa Água na Escola, desenvolvido pela ONG Água e Cidade, consiste num evento pioneiro na área educacional, pois prevê a complementação do tema “Água” no currículo escolar, conforme orienta a Política Nacional dos Recursos Hídricos do Brasil e da maioria dos países do Continente. “A educação formal, desperta para os cuidados com a água potável, que é essencial à vida, mobilizando as pessoas de forma natural”, sinaliza o Diretor.
Assim como explica as atividades da ONG Água e Cidade, os professores e as crianças envolvidas no programa são capazes de entender o cuidado que se deve ter com a água e a higiene, através de uma metodologia comprovadamente eficaz, mas sem perder a criatividade e as especificidades locais. Ao trabalhar com professores, alunos, crianças, jovens e os adultos de hoje e do amanhã, desperta voluntários da água.
As águas urbanas devem ser compreendias como água potável, esgoto sanitário e águas naturais urbanas, inclusive a ocupação do solo. Para os especialistas, as águas urbanas devem ser cuidadas com integração e regulação, e o foco de sua gestão deve ser na jusante, ou seja, no atendimento aos interesses do usuário como indivíduo e como sociedade.
O envolvimento dos professores e alunos com o objetivo de provocar e despertas os administradores das escolas e os pais dos alunos é fundamental para a melhoria da gestão da água nas edificações e nas organizações: escola, sua cozinha, a cantina, o ginásio de esportes, edifícios públicos em geral, local de trabalho, suas moradias e condomínios.
Oportunidades
O Brasil vive um momento único e muito importante tanto para a sua estrutura econômica quanto social. Transformar o desenvolvimento de suas cidades em “força motriz” da economia brasileira e do desenvolvimento humano pode ser uma grande cartada de planejamento para esse cenário de oportunidades. Mas para isso, muitas ações ainda precisam ser executadas.
Nos próximos anos, o Brasil realizará dois grandes eventos esportivos: a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Esses eventos terão grande impacto na imagem do Brasil, na promoção da sua cultural, bem como na vida dos brasileiros e na infraestrutura do país. Na prática, é um importante momento para discutir o desenvolvimento sustentável e educacional, que vai se desdobrar em ações para melhorar a infraestrutura, a capacitação dos brasileiros, o mercado de trabalho, entre outras.
É nesse panorama que a questão hídrica se destaca podendo ajudar na transformação que as cidades e sua população necessitam. Para que essas mudanças sejam absolvidas pela sociedade é preciso que o saneamento seja percebido como redutor de custos com saúde pública e como uma ferramenta para melhoria da qualidade ao atendimento de saúde da população. A vontade e a ação política não podem perceber a expansão urbana e os programas habitacionais pela falta de investimentos em ampliação da rede de água e esgoto.
Os grandes eventos esportivos cedem ao País a oportunidade de inovar no processo de organização das cidades. Esses eventos podem contar com as diretrizes baseadas em inovações já praticadas, como o processo de integrar e regular as águas e os serviços públicos urbanos nas mini cidades em experimentação no Ministério das Cidades. O modelo desenvolvimento pelo MCidades é uma parceria e cooperação público- privada e com movimentos sociais e tem como objetivo possibilitar a inovação de Barrios sustentáveis.
“As áreas urbanas devem ser dotadas de infraestrutura e serviços públicos, integrados e colocados a serviço da sociedade. Os serviços públicos necessitam de qualidade e produtividade, como resultado da eficácia de um estado presente e responsável. Temos que conquistar a confiança das pessoas na democracia e na transparência”, explica Passeto.
Desafios:
Água é um tema essencialmente local. Para enfrentar o desafio de sua gestão, com impacto direto nas pessoas, são necessárias ações gerenciamento da demanda e obras para ampliar a oferta de água e saneamento. O uso racional da água se refere ao tema da água potável e também do esgoto sanitário; reduzir o desperdício de água significa reduzir o esgoto sanitário a ser tratado. Superar essas questões exige tanto vontade política quando tecnologia e educação.
Embora o continente americano tenha abundância de água, a sua distribuição especial, sazonal e a oferta para os ambientes urbanos, industriais e agricultura são muito desiguais e limitadas. Diante do crescimento populacional concentrado em megacidades, principalmente no litoral, a escassez de água tem se tornando mais comum nessas localidades.
A ineficiência das políticas de gestão de recursos hídricos e de saneamento básico tem como consequência a contaminação das águas e podem acarretar em problemas graves de saúde pública. A água é um tema que interessa diretamente as pessoas. Para desenvolver comunicação, educação para o uso da água, harmonia e conquistar a confiança das pessoas temos que torná-las “Mestres em Empatia”.
“É preciso alocar recursos para o planejamento e gestão, bem como investir na integração das diversas políticas públicas para a área”, aponta Franklin de Paula Jr, Gerente de Projeto da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU) do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
A falta de consciência, assim como o desperdício, somado a tendência de urbanização do continente trazem ao bem finito que é a água a cultura da falta de cuidado, do uso abusivo e algumas vezes, do uso egoísta e irresponsável do recurso. É nessa questão que a conscientização do seu uso e de sua gestão é um desafio, como explica Franklin.
Outro grande desafio é superar as elevadas perdas nos sistemas públicos de abastecimento. Para que isso seja possível é preciso investir em tecnologia e conscientização dos usuários, suprir as deficiências no gerenciamento e na falta de aferição da água tratada, além da falta de sistemas de coleta e tratamento de esgoto.
“É nesse sentido que a água não pode ser percebida como um insumo e valor econômico, mas como meio, em um processo de habilitação ou educação da sociedade para cuidar da água, viver em construções sustentáveis, em cidades sustentáveis, que se reinventam e se renovam”, disse Passeto.
Por ser um tema essencial e local, a água nos ensina e nos leva ao que é comum, o desafio é estabelecer as bases da construção sustentável com um novo olhar para o desenvolvimento, onde não prevalece a visão simplista da sociedade de consumo, uniforme, universal, global, como se apregoa, aponta o Gerente.
É nesse sentido, que estudos e práticas em favor de uso racional da água já em realização, mostram que o caminho mais indicado é a atuar nas duas dimensões: na gestão da demanda, e assim diminuir os custos para aumentar a oferta de água.
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ONG Água e Cidade - http://www.aguaecidade.org.br/



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