O que devemos às vítimas da pior tragédia do país

Data: 18/01/2011

O que devemos às vítimas da pior tragédia do país





Carta do Redator-Chefe David Cohen
Foi a pior tragédia causada por chuvas da história do país. No ranking da ONU, constam as enchentes de 1967, com 785 mortes, mas em três lugares – São Paulo, Estado do Rio de Janeiro e o então Estado da Guanabara. Nos deslizamentos da semana passada na região serrana do Rio, o número de mortes já passava de 500 na manhã da sexta-feira. É provável que aumente. Nos dias pós-deslizamento, o caos era tamanho que não havia sequer estimativa do número de desaparecidos. E ainda pode haver muitos corpos a encontrar. Profissionais de resgate que trabalharam no auxílio a vítimas do terremoto do Haiti, no ano passado, consideraram as condições de busca no Rio piores, por causa da lama e das pedras.

O número choca. É como multiplicar por 500 uma dor já incomensurável, da perda de um filho, de uma filha, de uma mãe, de um irmão, do marido. Isso sem falar em traumas menores, mas igualmente dramáticos: a perda da casa, da mobília, dos eletrodomésticos que ainda terão prestações a vencer, do carro, das roupas...

Nessas horas, surgem os instintos básicos da população brasileira. O choque e a imediata valorização da nossa vida, de estar perto das pessoas que amamos; a solidariedade, a vontade de ajudar, que leva centenas de pessoas a ser voluntárias na busca ou no auxílio de vítimas e milhares a doar mantimentos; mas também o lado ruim da humanidade, representado pelos saques a lojas, rapidamente contidos.

Em tragédias assim – e, infelizmente, elas ocorrem com regularidade – é comum a busca de culpados. Algumas autoridades culparam as ocupações irregulares; mas foram também elas próprias acusadas pela falta de investimentos em prevenção, em suas mais variadas formas (não havia sistema de alerta, não houve rigidez na fiscalização de moradias irregulares, não houve obras de contenção em grau suficiente). E há, é claro, o fato inegável de que choveu demais. Não apenas caiu uma quantidade acima da média de água num mês que costuma ser marcado por chuvas, também ela caiu numa área pequena – portanto, com maior força. É até possível que a destruição esteja relacionada ao aquecimento global, agravado pela ação do homem.

Em outros tempos, a simples força das águas seria explicação suficiente para a tragédia, talvez acompanhada das expressões “É o destino” ou “Deus quis”. É um bom sinal que esse conformismo não faça mais parte da nossa cultura. Como disse uma consultora da ONU ao jornal O Estado de S. Paulo, o Brasil não é Bangladesh e não há desculpa para tanta gente morrer em deslizamentos.

Não aceitar que uma chuva provoque tantos danos é o primeiro passo. Os próximos são o investimento em obras (que já existe, mas precisa ser aumentado), sistemas de alerta (que existem em poucos lugares), treinamento da população em áreas de risco (para que as pessoas saibam para onde ir, o que fazer) e, finalmente, vontade política para retirar pessoas, ricas e pobres, de lugares em que elas corram risco (mesmo contra sua vontade, e para isso a Justiça tem de se unir ao esforço).

Não são decisões sem custo. Fazer isso significa investir menos em outras áreas, num país repleto de necessidades. Mas não seremos uma potência de Primeiro Mundo sem esses investimentos em prevenção no Rio de Janeiro, em Santa Catarina, em São Paulo, no Nordeste. Devemos isso às vítimas desta tragédia.

Época - 17/01/2011



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