O mundo caminha sobre um recurso delicado

Data: 14/12/2010

O mundo caminha sobre um recurso delicado




A. D. McKenzie, da IPS

Mais de um bilhão de pessoas sofrerão escassez de água no futuro próximo devido a contaminação, superpopulação e consequências da mudança climática que afetam as fontes deste recurso vital e aumentam a importância dos aquíferos. “A competição pelos recursos compartilhados aumentará e será uma fonte de conflito”, disse Alice Aureli, especialista de programa da Divisão de Ciências Hídricas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Governos e comunidades devem aumentar seu compromisso com a gestão sustentável da água subterrânea porque é “importante para o desenvolvimento humano e para um ambiente natural”, disse Alice, que presidiu uma conferência de três dias sobre o tema na sede da Unesco, em Paris. Mais de 400 cientistas, advogados e políticos de todo o mundo participaram do encontro “Aquíferos Transfronteiriços: Desafios e Novas Diretrizes”.

O trabalho dos especialistas antecede futuras negociações para a redação de uma norma internacional sobre os aquíferos, que são formações geológicas que armazenam e fornecem água a poços e mananciais. A previsão é que, na sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas de 2011, os governos adotem uma convenção sobre aquíferos transfronteiriços que fixe pautas sobre cooperação e gestão, entre outras coisas.

Os recursos hídricos subterrâneos representam quase 96% da água doce do planeta, segundo os especialistas em hidrologia. Nas regiões áridas e semiáridas, com na Arábia Saudita e em Malta, costumam ser uma das poucas fontes disponíveis, segundo a Unesco. O Programa Hidrológico Internacional desta agência da ONU divulgou, em 2008, o primeiro mapa detalhado de aquíferos transnacionais. Foram identificados mais de 270, dos quais 73 na América, 38 na África, 65 na Europa oriental, 90 na Europa ocidental e 12 na Ásia.

“O grande problema é que é água e todo o mundo precisa dela”, disse Cletus Springer, diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Muitas de nossas indústrias dependem da água, como o turismo, o setor de bebidas e a agricultura. Há muitos países que sofrem escassez”, afirmou Cletus à IPS, referindo-se à América Latina e ao Caribe. Vários países caribenhos têm secas desde 2009 e carecem de água suficiente para cozinhar, saneamento e agricultura.

Os poços secos também afetam o turismo porque obriga, por exemplo, ao fornecimento de água aos hotéis com caminhões-tanque. Ao utilizar os recursos subterrâneos, as reservas se esgotam em algumas áreas e os aquíferos ficam propensos à invasão de água salgada. Um dos principais problemas que afetam os aquíferos nos pequenos países insulares é a salinidade, propiciada pelo aumento do nível do mar, explicou Cletus, originário de Santa Lucía. “A acidificação e a salinidade são dois dos principais problemas derivados da mudança climática”, afirmou. Alguns aquíferos são naturalmente salobros, o que obriga a tratar a água antes de ser consumida.

Na África, onde conseguir água pode chegar a ser uma verdadeira luta cotidiana, a gestão dos aquíferos compartilhados é um assunto urgente, insistiu Charles Ngangoué, presidente do Conselho de Ministros Africanos Encarregados da Água. “A água circula de um país a outro sem passaporte ou visto. São muitos desafios para resolver, mas poucos meios e recursos”, afirmou. Um dos desafios na África é “informar a população sobre o que há embaixo”, para que os cidadãos estejam conscientes do “recurso oculto”, disse à IPS o representante da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento de Djibuti, Maina Karaba. “Caminhamos sobre ele, mas poucos sabem de sua existência”, acrescentou.

Os dejetos de medicamentos sem uso, telefones celulares, peças de produtos eletrônicos que chegam à África do resto do mundo, entre outros materiais, contribuem para a contaminação da água subterrânea, segundo vários delegados. Outro problema é a distribuição, especialmente no chifre da África. “Às vezes, há muita água, às vezes, não”, disse Maina, acrescentando que os aquíferos serão essenciais para melhorar o fornecimento na região. Muitas comunidades rurais já dependem deles.

Na América do Sul, as autoridades se preocupam com o Estado do Aquífero Guarani, que inclui áreas de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. É um dos maiores aquíferos do mundo. A colaboração entre os países que o compartilham levou a uma melhor compreensão de seu funcionamento, destacou a Unesco. É uma experiência que pode servir de exemplo para o futuro.

(IPS/Envolverde)



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