O que emperra as nossas pesquisas?

Data: 01/12/2010

O que emperra as nossas pesquisas?


Essa semana, cientistas de todo o país foram a Brasília apresentar os primeiros resultados de um novo programa lançado ao final de 2008: os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). São 122 ao todo.

Os INCT são financiados pelo governo federal (CNPq e FINEP) em parceria com as agências locais de fomento – FAPESP no caso de São Paulo – que vem apoiando as pesquisas no nosso estado há décadas, com muito sucesso. Na realidade, os INCT foram inspirados no excelente programa CEPID-FAPESP (Centros de pesquisas, inovação e divulgação da FAPESP) que foi iniciado em São Paulo, em 2000. Para a nossa sorte, porque o Centro de Estudos do Genoma Humano foi um dos contemplados.

Nos últimos anos houve um aumento nos investimentos federais em projetos de pesquisas, não podemos negar. Mas as dificuldades burocráticas para importar material de pesquisa continuam sendo um entrave gigantesco no avanço das nossas pesquisas.

O que falam os cientistas?

O doutor Stevens Rehens encaminhou a mim o resultado do levantamento que fez em parceria com o doutor Daniel Veloso Cadille, no LaNCE-UFRJ a respeito do impacto da burocracia sobre a importação de material para pesquisa científica no Brasil. Participaram 165 cientistas de 35 instituições de 13 estados brasileiros, que responderam a um questionário: http://bit.ly/cjsZSV

O levantamento complementa avaliações prévias realizadas em 2004 (publicadas na revista Nature) e 2007 (publicadas no site da revista PLoS):

http://www.nature.com/nature/journal/v428/n6983/full/428601a.html
http://www.nature.com/nature/journal/v428/n6982/full/428453a.html
http://blogs.plos.org/plos/2008/02/guest-blog-kafkaesque-bureaucracies-impede-import-of-scientific-goods-in-brazil/

Quais foram as principais conclusões relatadas pelo doutor Rehen nesse recente relatório?

“Pelo que pudemos observar não houve melhorias no processo de importação, apesar das normativas da Receita Federal (2007) e Anvisa (2008)”, diz ele.

76% dos cientistas continuam a perder material científico retido na alfândega;
90% resolveram mudar os rumos de suas pesquisas em virtude das dificuldades para importar os reagentes necessários;
95% têm que esperar, NO MÍNIMO, 1 mês pela chegada dos reagentes.

Os resultados sugerem ainda que o principal gargalo para o progresso da ciência brasileira está no tempo de espera pela chegada dos reagentes e equipamentos, e não necessariamente (ou exclusivamente) na quantidade de recursos investidos em ciência e tecnologia em nosso pais.

O que pode ser feito?

Embora ainda estejamos longe do primeiro mundo, houve um aumento considerável de recursos na área de ciência e tecnologia nos últimos anos, principalmente pelo governo federal. A grande dificuldade continua sendo a demora e a burocracia para importar reagentes, que são absolutamente indispensáveis para quem faz pesquisas na área biológica.

Até prova em contrário somos todos bandidos

Ao contrário do primeiro mundo onde ninguém pode ser acusado antes de se ter provas, aqui somos todos considerados desonestos ou no mínimo irresponsáveis até prova em contrário. Toda vez que vamos importar material de pesquisa precisamos da aprovação de inúmeras agências reguladoras antes de conseguirmos a licença para importar o material. Ao invés de conseguirmos reagentes para novos experimentos em 24 a 48 horas — como acontece nos países desenvolvidos — são semanas ou até mesmo meses.

Por que não podemos ir diretamente à fonte?

A analogia que faço é de um rato que aprende a ir até a fonte para buscar água. E para avaliar o quanto o rato é capaz de aprender, os pesquisadores vão colocando cada vez novos obstáculos. E o rato aprende que precisa percorrê-los se quiser chegar até a água. Até que ele esquece que existe um caminho direto e fácil. É isto que acontece conosco, cientistas.

Somos considerados responsáveis pela administração de recursos

Se tivermos um bom projeto científico, aprovado por comissões constituídas por cientistas de excelência , as agencias que nos dão verbas para pesquisas têm confiança de depositar quantias consideráveis na nossa conta. Prestamos contas que são rigorosamente fiscalizadas no fim de cada ano, é verdade. Mas por que não confiar que seremos também responsáveis em adquirir os produtos para nossa pesquisa? É uma enorme contradição.

Só precisamos de um voto de confiança

A minha pergunta é muito simples. Por que pesquisadores não podem comprar diretamente, sem intermediários, como fazemos com a aquisição de livros, por exemplo?

Presidente Dilma, vou repetir o que eu disse de viva voz, em 2006 ao Presidente Lula: Dê um voto de confiança aos cientistas! Enquanto tivermos que despender mais tempo para viabilizar uma pesquisa do que para realizá-la, nunca poderemos competir com o primeiro mundo.

Por Mayana Zatz
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/genetica




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