Sociedades científicas dizem que novo Código Florestal é imediatista

Data: 28/10/2010
A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências) divulgaram nesta quarta-feira uma carta conjunta na qual afirmam que a atual proposta de reforma no Código Florestal foi feita sem embasamento científico e com "excessiva urgência e imediatismo".

O documento será entregue nesta quinta-feira aos candidatos à Presidência, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), e a parlamentares."

O documento adianta algumas conclusões de um relatório técnico encomendado pelos presidentes da SBPC, Marco Antonio Raupp, e da ABC, Jacob Pallis, a uma comissão de 17 especialistas. O relatório deve ser concluído no fim deste ano.

As análises dos pesquisadores até agora "não deixam dúvidas de que há estoque suficiente de terras agrícolas apropriadas" para expandir a produção de alimentos, fibras e biocombustíveis no Brasil pelo menos até 2020, "destacando-se o fato de que ainda há grande espaço para significativos aumentos sustentáveis da produtividade alicerçados em ciência e tecnologia", diz a carta.

Os cientistas querem sustar a aprovação pelo plenário da Câmara dos Deputados do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), já aprovado numa comissão especial da Câmara dos Deputados.

O texto traz, na visão de ambientalistas, vários retrocessos na proteção às florestas, entre eles uma flexibilização considerada excessiva nas áreas de preservação permanente. Também anistia desmatamentos feitos até 2008.

Rebelo e o setor produtivo argumentam que o Código Florestal, editado originalmente em 1965, ficou desatualizado, e sua versão atual peca por não reconhecer ocupações já consolidadas pela agropecuária em todo o país.

Ao exigir a reposição da cobertura florestal nativa nessas áreas --como várzeas onde se planta arroz e morros onde se planta café e uva, por exemplo --, o decreto presidencial de 2008 que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais põe 90% dos agricultores brasileiros na ilegalidade, diz o deputado paulista.

Os cientistas concordam que o Código Florestal precisa ser revisto e atualizado. Mas, afirmam, essa revisão deve ser "embasada em parâmetros científicos que levem em conta a grande diversidade de paisagens, ecossistemas, usos da terra e realidades socioeconômicas existentes no país".


Íntegra da Carta do SBPC
Carta da SBPC e ABC sobre as mudanças no Código Florestal
27/10/2010



Em 6 de julho de 2010, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) se manifestaram conjuntamente com respeito a modificações no marco legal sobre a proteção e uso da vegetação brasileira em discussão pelo Congresso Nacional (veja matérias publicadas em julho e setembro).


Ao mesmo tempo, essas instituições representativas da comunidade científica brasileira instituíram um Grupo de Trabalho composto por cientistas e representantes dos setores ambiental e agrícola brasileiros com a missão de analisar em profundidade a questão ampla do Código Florestal vigente e do substitutivo ao PL 1.876/1999, aprovado pela Comissão Especial de Revisão do Código Florestal.


O Grupo de Trabalho se reuniu por três vezes, desde julho último, e planeja concluir suas atividades até final de dezembro de 2010, com apresentação de relatório técnico detalhado. Julga-se apropriado tornar público, a título exemplificativo, alguns pontos importantes das análises realizadas pelo mencionado Grupo de Trabalho, como segue.


A comunidade científica brasileira deseja contribuir, significativamente, com informações confiáveis que embasem a modernização do Código Florestal brasileiro.


Análises aprofundadas da disponibilidade de terras para a expansão da produção de alimentos, fibras e bioenergia, para atendimento ao mercado interno e externo, pelo menos até o horizonte de 2020, não deixam dúvidas de que há estoque suficiente de terras agrícolas apropriadas para suportar uma expansão da produção, destacando-se o fato de que há ainda grande espaço para significativos aumentos sustentáveis da produtividade alicerçados em ciência e tecnologia.


A constatação anterior permite que se analise a necessidade de modificações do Código Florestal sob outra ótica, não premida por excessiva urgência e imediatismo, para que não se perca oportunidade histórica de incorporar os aperfeiçoamentos realmente necessários a tão importante diploma legal e feitos à luz do melhor conhecimento científico.


Os aperfeiçoamentos do Código Florestal, visando modernizá-lo e adequá-lo à realidade brasileira e às necessidades requeridas para promover o desenvolvimento sustentável, clamam por uma profunda revisão conceitual embasada em parâmetros científicos que levem em conta a grande diversidade de paisagens, ecossistemas, usos da terra e realidades socioeconômicas existentes no país, incluindo-se, também, a ocupação dos espaços urbanos.

Essa revisão deve considerar o grande avanço tecnológico na capacidade de observação da superfície continental a partir do espaço e indicar as lacunas de conhecimento científico ainda existentes.


Em essência, reiterando o que já manifestamos em 6 de julho passado: entendemos que qualquer aperfeiçoamento no quadro normativo em questão deve ser conduzido à luz da ciência, com a definição de parâmetros que atendam à multifuncionalidade das paisagens brasileiras, compatibilizando produção e conservação como sustentáculos de um novo modelo socioeconômico e ambiental de desenvolvimento que priorize a sustentabilidade.


Marco Antônio Raupp
Presidente da SBPC


Jacob Palis
Presidente da ABC


Participantes do Grupo de Trabalho Código Florestal


Aziz Ab'Saber (USP)
Carlos Alfredo Joly (Unicamp e Biota)
Carlos Afonso Nobre (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE)
Celso Vainer Manzatto (Embrapa Meio Ambiente)
Gustavo Ribas Curcio (Embrapa Florestas)
Helton Damin da Silva (Embrapa Florestas)
Helena Bonciani Nader (SBPC e Unifesp)
João de Deus Medeiros (Ministério do Meio Ambiente - MMA)
José Antônio Aleixo da Silva (SBPC e DCFL/UFRPE, Coordenador do GT)
Ladislau Skorupa (EMBRAPA Meio Ambiente)
Peter Herman May (UFRRJ e Amigos da Terra- Amazônia Brasileira)
Maria Cecília Wey de Brito (Ex-Secretária de Biodiversidade e Florestas, MMA)
Mateus Batistella (Embrapa Monitoramento por Satélite)
Ricardo Ribeiro Rodrigues (Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal - Esalq/USP)
Rute Maria Gonçalves Andrade (SBPC e Instituto Butantan)
Sergio Ahrens (Embrapa Florestas)
Tatiana Deane de Abreu Sá (Diretora da Embrapa)


Folha de S. Paulo


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