Mudar o clima ou mudar a Terra?

Data: 25/10/2010

Mudar o clima ou mudar a Terra?




Por Stephen Leahy*


Delegados presentes à cúpula mundial sobre biodiversidade, que acontece nesta cidade japonesa, reclamam uma moratória para as pesquisas de engenharia climática, como colocar espelhos no espaço para refletir a luz solar e refrescar a atmosfera. Por engenharia climática, ou geoengenharia, entende-se qualquer esforço humano em grande escala para adaptar intencionalmente os sistemas planetários à mudança climática.

Representantes de países da África e Ásia expuseram sua preocupação pelos impactos da geoengenharia nos ecossistemas e se manifestaram a favor de uma proibição destes experimentos, reclamada por organizações não governamentais na 10ª Conferência das Partes do Convênio sobre Diversidade Biológica (CDB), que começou dia 18 e terminará no dia 29 em Nagoya.

Alguns dos experimentos propostos são instalar gigantescas tubulações verticais no oceano para bombear água mais fria para a superfície, lançar enormes quantidades de sulfatos na estratosfera para bloquear a luz do Sol ou despejar sal marinho nas nuvens para aumentar sua capacidade de refletir os raios solares. Em termos gerais, são dois terrenos de pesquisas em geoengenharia. O primeiro propõe controlar a radiação solar, e o segundo se baseia na absorção do dióxido de carbono da atmosfera, para reduzir a concentração deste gás causador do efeito estufa.

Em matéria de radiação solar, algumas ideias se baseiam em liberar sulfatos na atmosfera, ou colocar milhares de enormes espelhos no espaço para refletir a luz do Sol. Quanto ao carbono, fala-se de fertilização oceânica, que é o lançamento de ferro ou nitrogênio na água do mar para estimular o crescimento de fitoplâncton para absorver mais gás carbônico, que seria armazenado nas profundezas dos oceanos.

“Alguns dos que propõem estas tecnologias pensam que é mais fácil manipular o Sol do que fazer as pessoas viajarem de ônibus”, disse Pat Mooney, diretor-executivo do ETC Group, uma organização não governamental com sede no Canadá. “Os políticos dos países ricos veem a geoengenharia como um plano B, que evitaria terem de tomar decisões difíceis para reduzir as emissões que causam a mudança climática”, afirmou. “É uma estratégia política que pretende deixar os países industriais livres de suas dívidas climáticas”, acrescentou Pat ao Terramérica.

Contudo, a geoengenharia já não pertence ao reino do despropósito e se converte rapidamente em objeto de sérios debates científicos e interesses comerciais. Em 2007, o Terramérica divulgou a notícia de que a empresa norte-americana Planktos tentava lançar cem toneladas de partículas de ferro no Oceano Pacífico, perto das equatorianas Ilhas Galápagos – consideradas um santuário para o estudo da evolução das espécies – sem consentimento de Quito. A Planktos esperava, caso conseguisse provar que essa técnica permitia absorver dióxido de carbono, vender créditos de carbono. O projeto foi freado e a empresa encerrou seus testes na região.

No ano seguinte, a CDB chegou a um acordo para suspender todos os testes de fertilização oceânica. No começo de 2010, o órgão científico do CDB propôs proibir todas as atividades de geoengenharia relacionadas com o clima. Porém, diante do fracasso das negociações internacionais para reduzir os gases-estufa, se renovaram os interesses científicos e políticos nestas experiências. A Royal Society da Grã-Bretanha, que reúne alguns dos mais destacados cientistas do mundo, defende as pesquisas em geoengenharia.

“Somos contra uma moratória porque não queremos restringir essas pesquisas”, disse John Shepherd, especialista em clima do Centro Nacional de Oceanografia da britânica Universidade de Southampton e membro da Royal Society. “A mudança climática pode chegar a um ponto desesperador que exija medidas desesperadas, e, portanto, deveríamos ter prontas algumas boas pesquisas sobre o que pode ajudar”, afirmou o autor do informe 2009 da Royal Society sobre geoengenharia.

O estudo concluiu que estas técnicas podem ser necessárias para esfriar o planeta se fracassarem os esforços para reduzir as emissões de carbono. É preciso pesquisar para determinar os riscos e a efetividade de todo projeto de geoengenharia, explicou John ao Terramérica. Realizar agora qualquer destas experiências “seria incrivelmente prematuro”, acrescentou, destacando que este é o ponto de vista da instituição. Em novembro, a Royal Society realizará em Londres o simpósio “Geoengenharia: assumir o controle do clima de nosso planeta”.

Lançar sulfatos na atmosfera é atraente para os políticos porque seu custo é muito inferior ao de reduzir a pegada de carbono, escreveu Clive Hamilton, do Centro para a Filosofia Aplicada e a Ética Pública da Universidade Nacional Australiana. Embora nenhum país promova a geoengenharia, reconheceu, estes planos “deixam de lado a necessidade de elevar os impostos sobre a gasolina, permitem um crescimento ainda mais amplo e não representam uma ameaça ao estilo de vida dos consumidores”, afirmou o autor do livro “Requiem for a Species” (Réquiem para uma Espécie).

O ETC Group documentou os avanços de várias ideias para controlar o clima em seu informe “Geopiracy: the Case against Geoengineering” (Geopirataria: os Argumentos contra a Geoengenharia), apresentado no dia 19, em Nagoya. Nele se pergunta “quem tem direito de fixar o termostato planetário”. “Os países em desenvolvimento entendem que para controlar o termostato mundial não podem confiar nos países ricos que não reduziram suas emissões”, disse Pat. É impossível avaliar os impactos potenciais destes experimentos, alertou.

É necessária uma moratória para as pesquisas de engenharia climática a céu aberto para dar tempo para um debate internacional sobre seus impactos na biodiversidade, na sociedade e na economia, acrescentou Pat. Os delegados presentes em Nagoya discutem a redação de uma suspensão. Um representante do Brasil disse ao Terramérica que este se tornou um tema importante, enquanto países como o Canadá se opõem firmemente a toda proibição. “A geoengenharia não é uma solução para a mudança climática”, concluiu a ativista Silvia Ribeiro, do ETC Group. “Só poderia ser considerada em situação de emergência, e, portanto, nunca pode ser rentável nem parte de nenhum mercado de carbono”, disse ao Terramérica.

* O autor é correspondente da IPS.




< voltar