O yin e o yang do clima

Data: 13/10/2010

O yin e o yang do clima



Por Stephen Leahy*


As inundações que afetaram 20 milhões de pessoas no Paquistão e a devastadora onda de calor da Rússia são fenômenos climáticos vinculados. “A ciência atmosférica estabelece que as inundações do Paquistão e a onda de calor da Rússia estiveram diretamente conectadas”, disse ao Terramérica o cientista do National Center for Atmospheric Research (Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica) dos Estados Unidos, Kevin Trenberth.

Um sistema de alta pressão muito prolongado gerou um verão mediterrâneo seco de seis semanas no ocidente da Rússia, o que, por sua vez, fez com que os ventos de monção indianos fossem mais úmidos do que o habitual. Isto causou chuvas sem precedentes no norte do Paquistão e na Índia, explicou Kevin. É muito difícil saber se a mudança climática desatou estes ventos, mas, sem dúvida, os deixou pior. “Sem o aquecimento global, provavelmente estes extremos não teriam ocorrido”, acrescentou.

A seca na Rússia e as fortes chuvas no Paquistão são o que se espera que ocorra em razão da mudança climática, ressaltou o cientista. “As modificações dos fenômenos climáticos extremos são a principal via de manifestação da mudança climática”, afirmou. As tempestades ou inundações que antes aconteciam a cada dois séculos, agora podem ocorrer a cada 30 anos, prosseguiu.

Estes fenômenos do clima representaram 76% de todos os desastres dos últimos 20 anos. Nas próximas duas décadas, os custos humanitários anuais das catástrofes naturais poderão aumentar 1.600%, segundo o informe 2009 “The Humanitarian Costs of Climate Change” (Os Custos Humanitários da Mudança Climática), do Feinstein International Center, da Tufts University, dos Estados Unidos. “Definitivamente, será a capacidade de cada família de se proteger da comoção física e econômica do desastre o que marcará a diferença entre sobreviver ou não. Os governos podem alterar profundamente o meio ambiente no qual atuam as pessoas”, conclui o estudo.

Afetado por ciclones, que nos anos 1970 mataram centenas de milhares de pessoas, Bangladesh reduziu de forma drástica o custo econômico e humano desses fenômenos e das inundações. Para isso, colocou em prática sistemas de alerta, educação, construção de estradas elevadas, que funcionam como rotas de evacuação, e construção sobre pilotes, disse Gordon McBean, diretor do Institute for Catastrophic Loss Reduction (Instituto para a Redução de Perdas Catastróficas), da University of Western Ontario, do Canadá).

A população de Bangladesh também adaptou-se às frequentes inundações, aos solos salinos e à elevação do nível do mar, e começou a criar patos – em lugar de frangos –, peixes e caranguejos, e a cultivar hortas flutuantes. Seja como for que os países em desenvolvimento se preparem para condições climáticas extraordinárias, necessitam de muito mais apoio internacional do que recebem, disse Gordon ao Terramérica. As nações ricas gastam somas incríveis com suas forças armadas, mas apenas uma fração diminuta é destinada a planos de contingência diante de desastres em países em desenvolvimento. E este é o melhor investimento para aumentar a segurança internacional, acrescentou.

No contexto da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática foram comprometidos milhares de milhões de dólares para ajudar os países pobres a adaptarem-se. Senegal e Honduras aprovaram em setembro os dois primeiros projetos, no total de US$ 14 milhões. Em muitos países, os políticos e o público não estão dispostos a gastar grandes somas para desastres que podem não ocorrer no transcurso de suas vidas, afirmou Gordon.

Embora seja muito mais barato se preparar, este pensamento de curto prazo atrasa a aplicação de medidas preventivas. E algumas catástrofes são difíceis de prever, por exemplo, os deslizamentos de terra, destacou Gordon. “Há alguns anos, estava em Caracas e observei como estava instalado um bairro periférico em uma ladeira empinada da montanha. Disse aos meus acompanhantes que isso era a antessala de um desastre. Uma semana depois ocorreu o desastre após algumas chuvas fortes”, contou. A pobreza obriga as pessoas a viverem nessas perigosas encostas, o que cria um desafio muito mais difícil de superar, afirmou.

Recuperar-se de desastres é muito mais difícil do que parece, e pode, inclusive, ser impossível. Cinco anos depois do Furacão Katrina, a cidade norte-americana de Nova Orleans ainda não se recolocou de pé. Os cassinos, zonas turísticas e a parte mais rica da cidade foram rapidamente restauradas, mas as áreas pobres seguem destruídas e habitadas apenas por 24% de sua população original, escreveu John Mutter, da nova-iorquina Universidade de Columbia, na revista especializada Nature.

Os Estados Unidos podem reconstruir cada metro quadrado de Nova Orleans, mas as pessoas não esperam que o governo cuide dos pobres, disse John em uma entrevista ao Terramérica. Portanto, a brecha entre ricos e pobres nesta cidade aumentou. E isto que acontece quando não existe uma resposta adequada posterior aos desastres, afirmou. Na medida em que a mudança climática gera desastres mais freqüentes e intensos, mais urgente é uma adequada reparação, destacou.

Por sua experiência no Haiti, John considera que a melhor maneira de ajudar um país a se recuperar é impulsionar os setores econômicos com mais possibilidades de crescer. Tanto no Haiti como no Paquistão, a prioridade deve ser reconstruir escolas, hospitais e outras obras de infraestrutura. Melhorar a produtividade agrícola e apoiar as indústrias que requerem muita mão-de-obra, e assim criar empregos e estimular o crescimento econômico, concluiu.

* O autor é correspondente da IPS.



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