Oportunidades do lixo

Data: 08/10/2010

Oportunidades do lixo




Por Edsmar Carvalho Resende*




A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi aprovada pelo governo no início de agosto. Apesar de alguns pontos ainda carecerem de regulamentação, sua simples existência já representa um grande avanço. Isso porque a norma converge anseios de uma grande parcela da sociedade, que lutou por mais de 20 anos pela criação da política. Nesse sentido, ela representa um momento de virada e ruptura para o Brasil.

Mas vai muito além disso. Se analisada com uma visão macro, também permite o desenvolvimento de uma série de ações em favor não só da saúde e do meio ambiente, mas também do desenvolvimento econômico das sociedades envolvidas. O fato é que a integração dos diversos institutos e públicos alvos proporcionada pela norma pode revolucionar o setor de resíduos no país e mudar completamente a forma como a população enfrenta o desafio do lixo. Esse quadro decorre do fio condutor da PNRS, que é o princípio da “Responsabilidade compartilhada pelo Ciclo de Vida do Produto”, implicando responsabilidades a toda a cadeia produtiva, governo e sociedade. Esse é um momento de ruptura na visão de negócio, partindo da cultura do consumo (comprar, usar, dispor) para a cultura ambientalista (reduzir, reciclar, reusar).

As oportunidades estão relacionadas ao estabelecimento de projetos que prevejam o uso de acordos setoriais entre empresas e poder público, incluindo ações relativas à logística reversa de resíduos perigosos, educação ambiental e ampliação do trabalho de coleta de materiais recicláveis, bem como novos modelos de arranjos produtivos.

No que se refere à logística reversa, por exemplo, a lei determina explicitamente alguns setores econômicos que estão obrigados a instituir programas do tipo (agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, e produtos eletrônicos e seus componentes). Além dos citados na PNRS, outros setores ainda podem ser obrigados a desenvolver tais programas. Um exemplo são as embalagens de tipo PET, que geram um volume excessivo de resíduos e causam impactos sobre a saúde e o meio ambiente. Os procedimentos previstos nessa logística reversa representam grandes oportunidades de novos negócios, envolvendo desde as cadeias de transporte até os responsáveis pela seleção e processamento dos materiais.

Para o financiamento disso, a política prevê a criação de instrumentos econômicos (linhas de fomento especiais e medidas indutoras) e a possibilidade de instituir subsídios ou incentivos fiscais para a estruturação dos sistemas que atendam a lei. Ainda como medida indutora para adesão da população, o poder público municipal pode estabelecer incentivos econômicos aos consumidores que participarem do sistema de coleta seletiva que for instituído. De qualquer maneira, aproveitando a onda de negócios inovadores, também é possível inovar nesse formato. A inspiração pode vir dos modelos de empresas sociais, puras ou híbridas, como as fomentadas por Muhammad Yunus (vencedor do prêmio Nobel da paz de 2006) e sua Grameen Foundation (http://www.grameenfoundation.org/) junto a multinacionais como Danone e Basf. Outro modelo interessante é o dos trabalhos desenvolvidos pelo indiano C.K. Prahalad e o americano Stuart L. Hart, focados nas oportunidades para as populações mais pobres, a denominada base da pirâmide.

Outras formas de financiamento, inovadoras e não tradicionais, podem fomentar atividades do setor. Um exemplo são os “social venture capital”, fonte de investimento pouco conhecida, mas que são realizadas por fundos de investimento, como a brasileira Vox Capital e os pioneiros Acumen Fund e Venturesome Fund. Elas são fundos de investimento de capital de risco que fornecem recursos financeiros para empresas com modelos de negócios que tragam soluções, inovadoras e eficientes, para questões sociais e ambientais com alto poder de impacto social, replicabilidade e ganho de escala. Esses investimentos destinam-se a proporcionar retornos atraentes para os investidores e oferecer soluções baseadas no mercado para desafios sociais e ambientais.

Diante de todas essas oportunidades de negócios e de obtenção de recursos para seu desenvolvimento, a expectativa é que a implantação da política traga não só melhorias na gestão dos resíduos para a população em saúde, qualidade de vida e bem-estar, mas também indiretamente para o poder público, como redução dos gastos de saúde com doenças relacionadas à contaminação do meio-ambiente.

Além disso, a visão sistêmica e ampla da norma e o contexto da sua aplicação favorecerão um círculo virtuoso, com forte criação de valor econômico e social que desafia a ordem atual estabelecida sobre o tema. Tudo isso contribui para o Brasil potencializar a sua significância dentro do cenário mundial como um país definitivamente responsável por práticas de sustentabilidade e com uma postura de consumo diferenciada.

*Edsmar Carvalho Resende é consultor da Keyassociados.



(Envolverde/KeyAssociados)


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