As geleiras já têm proteção
Organizações ambientalistas da Argentina comemoram a sanção de uma lei que restringe a atividade mineradora e hidrocarbonífera nas zonas de geleiras, para assim proteger essas imensas reservas de água doce. Por 35 votos a favor e 33 contra, o Senado aprovou, na madrugada de ontem, a iniciativa que preserva os glaciares e as áreas periglaciares.
Os legisladores da base governista asseguraram que desta vez não haverá veto presidencial como ocorreu com uma lei semelhante aprovada em 2008. Na época, a presidente Cristina Fernández considerou que a lei era excessiva nos limites que fixava para a atividade industrial. Para os ambientalistas, o novo texto aprovado é melhor do que o anterior. A lei de 2008 restringia somente a atividade mineradora nas geleiras, e a atual alcança também os hidrocarbonos e toda a indústria que utiliza substâncias tóxicas, disse à IPS Hernán Giardini, do Greenpeace Argentina.
Junto com o Chile, a Argentina abriga as maiores geleiras da América do Sul, ameaçadas pela mudança climática e por atividades industriais, particularmente pela exploração mineradora que se multiplicou nos últimos 20 anos. Somente na província de San Juan, a produção mineira cresceu 950% desde 2003 e as exportações aumentaram 4.400% desde então, segundo dados do governo local.
Atualmente, San Juan é a principal produtora de ouro e prata do país, e entre os principais projetos mineradores que acolhe está o de Pascua Lama, que será a primeira exploração mineira binacional do mundo, compartilhada com o Chile. Por isso, o governo da província se opôs à sanção desta Lei de Preservação de Geleiras e do Meio Ambiente Periglaciar. Não queriam lei alguma de preservação de geleiras e, quando viram que alguma seria votada, apoiaram a menos restritiva, e, por fim, perderam, disse Hernán.
Outras províncias do noroeste argentino foram contra, como La Rioja, Jujuy e Catamarca, que também recebem grandes investimentos. Trata-se de uma região árida e de difícil acesso a água, junto à Cordilheira dos Antes, onde se localizam metais. O Ministério de Minas da Argentina indica que foram registrados 900 novos projetos mineradores no país desde 2003, e o investimento nesta atividade cresceu desde então 1.100%, graças a leis para o setor que atraíram investimentos.
Dos 20 maiores projetos que são realizados, cinco estão em San Juan. Um está em andamento desde 2006, Veladero, e o outro é o projetado Pascua Lama, ambos controlados pela companhia canadense Barrick Gold. A nova lei ambiental diz que as geleiras são bens de caráter público e proíbe a destruição ou traslado destas grandes massas de gelo. Também fixa severas sanções para quem infringir estes limites.
Contudo, a grande novidade, segundo os legisladores que aprovaram o projeto, é que designa ao Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais a tarefa de realizar um inventário nacional de geleiras. Uma vez terminado o estudo, os especialistas do órgão terão condições de aprovar os projetos de investimento em áreas sob custódia, e também poderão vetar o alcance de explorações que já operam em áreas de glaciares ou periglaciares.
A não governamental Fundação Ambiente e Recursos Naturais (Farn) também comemorou a aprovação da lei e destacou que, para sua aprovação, foi fundamental a participação da sociedade por meio de diferentes propostas de organizações da sociedade civil. Conseguiu-se estabelecer a preservação das geleiras e bacias de alta montanha, que são recursos naturais com valor estratégico essencial como grandes reservas de água, disse à IPS María Eugenia Di Paola, diretora da Farn.
Para o Greenpeace, a aprovação da lei é um grande passo do Congresso apesar da insistente e desproporcional pressão exercida pelo setor minerador contra uma lei que protege as geleiras. Segundo Hernán, as empresas gastaram milhões em publicidade diária por todo o país, exortando os parlamentares a não apoiarem a iniciativa, finalmente aprovada, bem como em assessoria que até o último momento fez pressão sobre os legisladores de províncias mineradoras.
A lei também coloca na mira do Instituto Argentino de Nivologia investimentos em grandes obras de infraestrutura em áreas de geleira. Por exemplo, o túnel de Água Negra, outro projeto de San Juan e do Chile, avaliado em US$ 800 milhões, que busca habilitar uma passagem na Cordilheira dos Andes para facilitar a saída para o Oceano Pacífico de exportações procedentes do Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, que está em processo de adesão plena.
(IPS/Envolverde)
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