Brasil vai exportar vigilância de florestas
As estatísticas do desmatamento na Amazônia são motivo de vergonha para o Brasil. Mas também de orgulho, do ponto de vista tecnológico. O País é o único do mundo que realiza o monitoramento de modo sistemático de suas florestas, via satélite. Uma experiência de mais de 20 anos que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), agora, quer exportar para outros países tropicais.
Graças a parcerias com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jaica), a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Fundação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Inpe vai capacitar cerca de 350 técnicos em sensoriamento remoto nos próximos três anos. Oriundos de países da África e da América do Sul, eles serão treinados para trabalhar com o TerraAmazon, sistema gratuito de monitoramento de florestas desenvolvido pelo instituto, igual ao usado na Amazônia brasileira.
O objetivo é que cada país seja autossuficiente para monitorar suas florestas, diz Claudio Almeida, chefe do recém-inaugurado Centro Regional da Amazônia (CRA) do Inpe, em Belém, no Pará, onde serão ministrados os cursos. As agências internacionais entram com o dinheiro e nós, com a tecnologia e o conhecimento, explica.
O primeiro curso, com duração de duas semanas, começará no fim deste mês, com 12 técnicos vindos da Guatemala, Peru, Equador e Colômbia. As aulas serão dadas em espanhol, inglês e francês, dependendo do país de origem dos participantes. O software é o mesmo para todos o TerraAmazon , mas o sistema não é 100% automatizado. Os métodos de processamento e interpretação das imagens variam de acordo com o tipo de cobertura vegetal e com os padrões de ocupação do terreno.
As pessoas acham que é só jogar a imagem do satélite no computador e o software calcula tudo sozinho, mas é muito mais complexo do que isso, explica Almeida. O software, sozinho, segundo ele, funciona como um corretor de textos que avisa se uma palavra está errada, mas não consegue dar sentido às frases. O resultado depende muito da experiência do técnico, que precisa ser capaz de interpretar o que aparece nas imagens. É um conhecimento que não dá para embutir na máquina.
O Inpe, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, tem monitorado o desmatamento da Amazônia brasileira desde 1988. As taxas anuais de desmate são calculadas pelo programa Prodes, baseado em imagens do satélite Landsat-5, de alta resolução.
Desde 2004, o instituto opera também um outro programa, chamado Deter, com base em imagens do Modis, um dos sensores do satélite Terra. Essas imagens têm menor resolução, mas o satélite passa sobre um mesmo local com mais frequência do que o Landsat a cada 2 dias, em vez de 16. Nesse caso, o objetivo não é produzir cálculos precisos de área derrubada, mas identificar em tempo real áreas onde há desmatamento em curso.
Enquanto o Prodes produz só um relatório por ano, de alta precisão, o Deter produz boletins quinzenais que são enviados ao Ibama para orientar as ações de fiscalização no campo. Na prática, o Prodes registra o que já aconteceu, enquanto o Deter registra o que está acontecendo a tempo de se fazer alguma coisa a respeito.
Motosserra na mão
O que nos orienta agora são os olhos no céu, diz o coordenador geral de Monitoramento Ambiental do Ibama, George Porto Ferreira. Quando só havia o Prodes, a gente agia sobre um dado pretérito. Não impedíamos a floresta de cair, só chegávamos para assinar o atestado de óbito.
Desde que o Deter começou a funcionar, segundo ele, os flagrantes tornaram-se frequentes. Chegamos lá e pegamos o cara com a motosserra na mão.
O número de multas aplicadas pelo Ibama na Amazônia em 2009 (6.152) foi até um pouco menor do que o de 2004 (6.292), mas o valor acumulado de autuações cresceu quatro vezes, de R$ 616 milhões para R$ 2,5 bilhões. Segundo Ferreira, isso ocorreu porque o Deter permitiu aos fiscais focar os flagrantes sobre grandes desmatamentos, sem perder tempo com denúncias falsas e fiscalizações aleatórias.
Outro sistema voltado para ações preventivas, o Degrad, lançado em 2008, utiliza as mesmas imagens do Prodes, só que processadas de uma forma diferente, para identificar áreas onde a floresta está sendo degradada. Por exemplo, pela derrubada de madeiras nobres e abertura de estradas clandestinas processos que costumam preceder a derrubada total da floresta.
Somados, os números desses três sistemas não apenas registram como influenciam a evolução do desmatamento. A sociedade não tem como pressionar o governo nem o governo tem como reagir a essa pressão se não houver dados regulares e transparentes sobre o que está acontecendo na floresta.
É uma ferramenta de cidadania. Podemos intimidar o governo usando seus próprios números, diz o coordenador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do WWF-Brasil, Mauro Armelin.
Estado de S. Paulo
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