COP de Nagoya: a hora de discutir repartição de benefícios da biodiversidade

Data: 21/09/2010

De 18 a 29 de outubro acontece em Nagoya, no Japão, a 10ª Conferência das Partes da Organização das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. Criada em 1992, no Rio de Janeiro, a Convenção tinha como principal meta reduzir significativamente a perda de biodiversidade até 2010. As Nações Unidas até definiram 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade, mas os resultados ainda deixam muito a desejar. Apesar da meta estabelecida, o relatório mais recente da ONU mostra que o planeta perdeu 30% do estoque de seres vivos existente em 1970. O documento aponta como ameaçadas de extinção 42% das espécies de anfíbios do mundo e 40% das de aves e estima em US$ 2 trilhões a US$ 4,5 trilhões o prejuízo mundial anual com desmatamento.

Além da discussão sobre a preservação da diversidade biológica mundial, outro tema deve ter destaque nas negociações da COP de Nagoya: a repartição dos recursos oriundos da biodiversidade - um tema polêmico e que divide as nações participantes. No sábado (18) aconteceu a última sessão do Grupo de Trabalho de Negociação do Protocolo ABS (Acess and Benefit Sharing), em Montreal, no Canadá.

Prestes a assumir oficialmente a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, no lugar de Maria Cecília Wey de Brito, o novo secretário Bráulio Dias falou com exclusividade ao estadao.com sobre as estratégias brasileiras na COP-10.

Estadao - O MMA fez reuniões na semana passada para definir a posição que o País vai levar à COP-10. O que foi definido?


Bráulio Dias - As discussões no Japão envolvem muitos temas. O que procuramos fazer foi ajudar o Itamaraty a ampliar a consulta à sociedade civil para embasar a proposta brasileira. Primeiro nos reunimos com as ONGs e a academia, para discutir o novo plano estratégico da Convenção para o paríodo 2011 e 2020. Depois tivemos reuniões com os movimentos sociais: representantes dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e de populações tradicionais.


Estadão - E quais temas foram discutidos?


Bráulio Dias - Ah, diversos: agrobiodiversidade, transgênicos, repartição de benefícios, biocombustíveis, a relação entre biodiversidade e clima... Dessas discussões resultou uma série de recomendações da sociedade civil para o governo brasileiro levar à Nagoya.



Estadão - O que você espera das negociações em Nagoya?


Braúlio Dias - Bem, se formos bem sucedidos, conseguiremos consenso pela adoção do protocolo que regulamenta a Convenção. Apesar de criada há tanto tempo, e assinada por 191 países, ela não foi regulamentada ainda.


Estadão - E por que?


Bráulio Dias - Imagino que porque se tratava, na época, de um assunto muito novo com o qual ninguém sabia lidar direito. Também havia - e ainda há - conflitos de interesses entre os diversos atores que ocupam esse palco: governos, academia, indústrias, populações tradicionais... Além do desconhecimento sobre o valor da biodiversidade, e sobre até que ponto ela pode ser propriedade privada e a partir de que ponto ela deixa de ser propriedade coletiva. Não sabíamos que tipo de regras teríamos de adotar para assegurara a proteção da diversidade e dos direitos daqueles que vêm contribuindo para sua conservação há séculos.


Estadão - Você disse que as discussões foram feitas por setores da sociedade civil. O que é mais importante para a academia é também o mais importante para os movimentos sociais?


Bráulio Dias - Não necessariamente. Para os movimentos sociais e os empresários, o importante é o Protocolo ABS, que é a regulamentação da repartição de benefícios oriundos da diversidade biológica. Os empresários querem segurança no marco jurídico para desenvolver seus projetos usando a biodiversidade: querem as regas do jogo bem claras, pois não interessa que estejam sujeitos a acusações de biopirataria. Os movimentos sociais têm todo o interesse nisso também, por motivos óbvios. Agora, para as ONGs e a academia, o que interessa é discutir o Plano Estratégico da Convenção para o período de 2011 a 2020, que, grosso modo, é o que vai determinar o quanto teremos de nos esforçar para ampliar áreas protegidas, para proteger espécies ameaçadas e combater o desmatamento.


Estadão - E de que ordem você imagina que deva ser esse esforço?


Bráulio Dias - Levando-se em conta que nunca se perdeu tanta biodiversidade quanto nos últimos 50 anos, e que junto com isso perdemos também serviços ecossistêmicos e componentes de diversidade biológica essenciais para o cotidiano de populações inteiras, imagino que deva ser imenso.


Estadão - Você acredita que todas as nações estejam interessadas na realização desse esforço?


Bráulio Dias - Bem, aí começam as complicações. As nações desenvolvidas querem colocar metas muito ambiciosas de redução de perda da diversidade: frear todo o movimento de perda de biodiversidade até 2020, que era o plano já delineado quando se criou a convenção, em 1992. Mas o Brasil colocou um condicionante: achamos que não adianta nada adotarmos metas ambiciosas se não tivermos meios de implementação. Acontece que os países desenvolvidos não querem discutir metas financeiras, coisas como cooperação internaconal, transferênia de recursos e afins.


Estadão - E com relação ao Protocolo ABS? Qual é a expectativa?


Braulio Dias - Bem, nossa primeira meta é aprovar o Protocolo ABS. A segunda é incluir nele regras de acesso à repartição de benefícios por conhecimentos tradicionais relativos a produtos genéticos. Queremos que seja acordado um mecanismo de atestado de origem ro recurso ou material genético. Mas há países, como Austrália, Nova Zelândia e Canadá, que não querem. Outra briga boa será a inclusão, no Protocolo ABS, de recursos genéticos associados à agricultura, que muita gente não quer. Nós achamos que deve entrar. E há ainda uma outra questão, relacionada aos organismos ligados a doenças: bactérias, protozoários... Os europeus querem deixá-los de fora do ABS. Nós, não.


Fonte: O Estado de S. Paulo


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