A recuperação passa pela força interior

Data: 17/09/2010

A recuperação passa pela força interior


As perspectivas de recuperação econômica para a África são animadoras, ao contrário do mundo industrializado, que tem mais dificuldades para superar os efeitos da crise financeira global nascida nos Estados Unidos, afirma a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Os especialistas da agência também especulam sobre o fim do modelo de crescimento econômico de exportação, em especial nesse continente.

O crescimento baseado nas vendas externas, principalmente fomentando investimentos em indústrias baratas intensivas, não tem futuro, pois os grandes países do Norte já não consomem no mesmo ritmo de antes da crise de 2008. As nações em desenvolvimento, especialmente as africanas, devem fomentar o consumo interno e promover o aumento de salários em consonância com o crescimento da produtividade, recomenda a Unctad, em seu informe deste ano, "Emprego, globalização e desenvolvimento".

A crise mundial significou o fim do modelo capitalista neoliberal de abertura da economia, que imperou nos anos 1990 impulsionado pelos organismos multilaterais de crédito e conhecido como Consenso de Washington, sustenta a Unctad. Para que esse modelo funcione, "deve haver alguém que importe e alguém que exporte", declarou o secretário-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi, na apresentação do relatório, no dia 14, em Genebra.

Agora que retrocedeu o consumo baseado no endividamento nos Estados Unidos, o país não poderá ser o motor do crescimento econômico mundial. Também parece pouco provável que a China, os países da União Europeia e o Japão o substituam no futuro próximo. “O consumo interno da China representa apenas um oitavo do norte-americano”, disse Supachai. “Mesmo que a China procure aumentar seu comércio interno, não poderá compensar a menor demanda dos Estados Unidos”, destacou.

“Aconselhamos as nações em desenvolvimento a se afastarem do crescimento baseado nas exportações, que implica comprimir os salários, porque diminuirá a demanda interna e a geração de empregos”, acrescentou. “É preciso pensar na renda da população, em relação à maior produtividade, como motor da demanda”, explicou.

“Tudo depende da estratégia econômica de cada Estado”, respondeu o diretor da divisão Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Unctad, Heiner Flassbeck, ao ser consultado sobre como aumentar os salários quando as empresas multinacionais deixam um país e reinvestem em outros com legislações trabalhistas menos rígidas. “Se acreditar que um mercado com flexibilidade trabalhista é o melhor do mundo, não se esforçará para criar instituições que estabilizem a demanda interna. É o paradigma que impera nos últimos 20 a 30 anos, e por isto não existem estas instituições”, explicou.

É necessário mudar o modelo, disse Heiner. E a Unctad, junto com instituições como o Fundo Monetário Internacional, deve convencer os governos sobre a importância dos acordos tripartites para discutir estratégias nacionais. “É um enfoque totalmente diferente para muitos países, especialmente os do mundo em desenvolvimento”, destacou. Os acordos tripartites incluem o governo, empresários e sindicatos.

Enquanto isso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou sobre a fragilidade da recuperação econômica, pois foram criados muitos postos de trabalho no setor informal. As políticas destinadas a aumentar os salários devem objetivar os setores formal e informal, diz a Unctad, e é necessário haver um vínculo entre ambos.

A estratégia aplica-se especialmente à África, onde “mais de 20 anos de políticas macroeconômicas ortodoxas (neoliberais) não tiveram muito êxito em criar condições necessárias para um rápido crescimento sustentável”, acrescenta o informe da Unctad. Até o final dos anos 1990, “a estrutura produtiva foi uma reminiscência do período colonial, baseada quase totalmente na agricultura e na mineração”, diz o documento.

Na África, os postos de trabalho cresceram em termos absolutos, mas a produtividade é pouca e faltam empregos decentes, alerta a Unctad. A agricultura ainda absorve mais de 60% da força de trabalho. O emprego aumentou nos serviços urbanos, mas principalmente no setor informal e no comércio de pequena escala. O trabalho assalariado formal representa apenas 13% do total e 60% dos empregados continuam abaixo da linha de pobreza.

“Vemos que surge um tipo diferente de política de investimento, uma mescla de medidas liberais e maiores regulamentações, especialmente nos países em desenvolvimento”, disse Supachai, referindo-se ao Informe Mundial de Investimentos 2010, da Unctad. Os governos entendem que deixar que os investimentos se autorregulem leva à realocação das indústrias, por isso começaram a dirigi-las a regiões geográficas, sociais e econômicas específicas. A China, por exemplo, leva sua política de investimentos na indústria baseada na força de trabalho barata para as de alta tecnologia.

“À Unctad preocupa a fragilidade e desigualdade da recuperação”, afirmou Supachai. “Existe um risco real para as nações que retiram muito cedo seu apoio à recuperação. A pressão sobre algumas delas, em especial as industrializadas, de equilibrar seus orçamentos muito cedo pode fazer retroceder as medidas de estímulo e gerar um crescimento frágil”, acrescentou.

Entretanto, a Unctad é otimista a respeito da África. “Não foi registrada nenhuma queda drástica da produção em 2009 e em muitos países foi registrada uma recuperação”, afirmou Heiner. “Pensamos que o crescimento do produto interno bruto pode continuar em 4,5%, na média, este ano”, ressaltou a organização. Envolverde/IPS



(IPS/Envolverde)


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