A gestão jurídica nos tempos das mudanças climáticas
Gustavo Vilas Bôas*
Tal qual os protagonistas do romance O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Marquez, Direito e Clima vivem um relacionamento duradouro, baseado na construção paulatina de suas interseções. Trata-se, porém, de um flerte recente, já que o Direito somente passou a estudar efetivamente o meio ambiente enquanto sujeito de direito a partir de 1972, com a Convenção de Estocolmo. Muitos ainda o consideram temas pouco relacionáveis, mas as evidências têm apontado em outra direção: esse namoro está só no começo e tem muito futuro.
Por isso mesmo, costumo comentar com os alunos de Direito Ambiental que o estudo dessa disciplina requer, além das competências jurídicas naturalmente exigidas, habilidades e conhecimentos em outras ciências. É preciso ampliar os horizontes, ir além dos muros do Direito e estudar temas como gestão, biologia, geografia, antropologia, sociologia e outros tantos relacionados com o universo ambiental.
Esse diálogo que, invariavelmente, mantenho na primeira aula do curso hoje encontra respaldo quando se analisa as necessidades dos principais atores em termos de mudanças climáticas. Diversos setores têm ampliado sua demanda por profissionais que possuam conhecimentos jurídicos e práticos sobre a o tema. Governos, ONGs, empresas privadas e organismos internacionais buscam não apenas juristas. Eles desejam um profissional completo, modelo de gestor.
Certo é que em qualquer área do conhecimento profissionais com noções de gestão costumam obter destaque, ante a manifestação de uma habilidade a mais. Na seara do Direito, essa capacidade poderá ser ainda mais valiosa, tendo em vista que as academias em sua grande maioria ainda não preparam os alunos para desafios gerenciais. A questão é que muitas instituições estão em busca de profissionais com essa expertise e simplesmente não os encontram.
Sob o prisma jurídico, as mudanças climáticas são assunto extremamente recente no Brasil. Apesar de ser mencionada esparsa e furtivamente em normas anteriores ao ano 2000, foi somente dali em diante que o Direito brasileiro passou a estudar o tema de forma mais profunda. Os objetos de estudo mais recentes em solo pátrio são a Lei do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal n.º 12.114/2009) e a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal n.º 12.187/2009) última lei ordinária publicada pelo governo brasileiro na década passada.
Na seara internacional, os temas mais requisitados aos operadores do Direito tem sido a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) e seu Protocolo de Quioto, bem como assuntos relacionados ao mercado de carbono. Nessa esteira, é de se notar que, além de atualizado, o profissional do Direito terá que dominar, pelo menos, a chamada Ciência da Mudança do Clima. No entanto, do jurista se espera a uma capacidade de atuação mais complexa e eficiente.
Numa empresa privada, por exemplo, na maior parte das vezes, o setor de gestão ambiental (ou sustentabilidade) é quem se relaciona mais intimamente com as questões concernentes às mudanças climáticas, enquanto que o setor jurídico, quando solicitado, oferece um tratamento meramente técnico a esses assuntos. O mais adequado seria que profissionais dos dois setores trocassem impressões e conhecimentos, numa atuação conjunta e orquestrada, podendo até mesmo formar um fórum permanente de discussões. Seria proveitoso para as instituições e para o meio ambiente.
García Marquez bem que poderia escrever um romance contando o amor entre a Ciência do Direito e a Ciência da Mudança do Clima. Nele, os dois timidamente iniciariam um inevitável relacionamento amoroso para, após algumas intempéries e estranhamentos, terminarem juntos, num típico final feliz, cujo epílogo seria protagonizado por seus filhos: profissionais do Direito com habilidades múltiplas e com capacidade de gestão.
* Gustavo Vilas Bôas é Advogado, consultor e mestre em Regulação da Indústria de Energia
contato: gustavovilasboas@gmail.com
(CarbonoBrasil)
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