A gestão jurídica nos tempos das mudanças climáticas

Data: 25/08/2010

A gestão jurídica nos tempos das mudanças climáticas


Gustavo Vilas Bôas*

Tal qual os protagonistas do romance O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Marquez, Direito e Clima vivem um relacionamento duradouro, baseado na construção paulatina de suas interseções. Trata-se, porém, de um flerte recente, já que o Direito somente passou a estudar efetivamente o meio ambiente enquanto sujeito de direito a partir de 1972, com a Convenção de Estocolmo. Muitos ainda o consideram temas pouco relacionáveis, mas as evidências têm apontado em outra direção: esse namoro está só no começo e tem muito futuro.

Por isso mesmo, costumo comentar com os alunos de Direito Ambiental que o estudo dessa disciplina requer, além das competências jurídicas naturalmente exigidas, habilidades e conhecimentos em outras ciências. É preciso ampliar os horizontes, ir além dos muros do Direito e estudar temas como gestão, biologia, geografia, antropologia, sociologia e outros tantos relacionados com o universo ambiental.

Esse diálogo – que, invariavelmente, mantenho na primeira aula do curso – hoje encontra respaldo quando se analisa as necessidades dos principais atores em termos de mudanças climáticas. Diversos setores têm ampliado sua demanda por profissionais que possuam conhecimentos jurídicos e práticos sobre a o tema. Governos, ONG’s, empresas privadas e organismos internacionais buscam não apenas juristas. Eles desejam um profissional completo, modelo de gestor.

Certo é que em qualquer área do conhecimento profissionais com noções de gestão costumam obter destaque, ante a manifestação de uma habilidade a mais. Na seara do Direito, essa capacidade poderá ser ainda mais valiosa, tendo em vista que as academias em sua grande maioria ainda não preparam os alunos para desafios gerenciais. A questão é que muitas instituições estão em busca de profissionais com essa expertise e simplesmente não os encontram.

Sob o prisma jurídico, as mudanças climáticas são assunto extremamente recente no Brasil. Apesar de ser mencionada esparsa e furtivamente em normas anteriores ao ano 2000, foi somente dali em diante que o Direito brasileiro passou a estudar o tema de forma mais profunda. Os objetos de estudo mais recentes em solo pátrio são a Lei do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal n.º 12.114/2009) e a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal n.º 12.187/2009) – última lei ordinária publicada pelo governo brasileiro na década passada.

Na seara internacional, os temas mais requisitados aos operadores do Direito tem sido a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) e seu Protocolo de Quioto, bem como assuntos relacionados ao mercado de carbono. Nessa esteira, é de se notar que, além de atualizado, o profissional do Direito terá que dominar, pelo menos, a chamada Ciência da Mudança do Clima. No entanto, do jurista se espera a uma capacidade de atuação mais complexa e eficiente.

Numa empresa privada, por exemplo, na maior parte das vezes, o setor de gestão ambiental (ou sustentabilidade) é quem se relaciona mais intimamente com as questões concernentes às mudanças climáticas, enquanto que o setor jurídico, quando solicitado, oferece um tratamento meramente técnico a esses assuntos. O mais adequado seria que profissionais dos dois setores trocassem impressões e conhecimentos, numa atuação conjunta e orquestrada, podendo até mesmo formar um fórum permanente de discussões. Seria proveitoso para as instituições e para o meio ambiente.

García Marquez bem que poderia escrever um romance contando o amor entre a Ciência do Direito e a Ciência da Mudança do Clima. Nele, os dois timidamente iniciariam um inevitável relacionamento amoroso para, após algumas intempéries e estranhamentos, terminarem juntos, num típico final feliz, cujo epílogo seria protagonizado por seus filhos: profissionais do Direito com habilidades múltiplas e com capacidade de gestão.

* Gustavo Vilas Bôas é Advogado, consultor e mestre em Regulação da Indústria de Energia
contato: gustavovilasboas@gmail.com

(CarbonoBrasil)



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