Causa e efeito

Data: 23/08/2010

Causa e efeito



Por Alexandra Lichtenberg, Colunista de Plurale

Se Moscou fosse nos Estados Unidos, estaria localizada logo ao sul de Juneau, no Alasca. Porem, desde 29 de Julho, os moscovitas tem aturado calor acima de 37˚C, temperatura nunca antes registrada no local, tendo atingido o recorde de 39˚C. Antes deste verão, Moscou nunca havia visto um dia com estas temperaturas, agora viu vários.

A onda de calor na Rússia está detonando queimadas que estão fazendo as pessoas deixarem a cidade de Moscou e está também devastando a colheita de trigo do pais. Um quinto do Paquistão está debaixo d’agua, com o secretario geral da ONU afirmando nunca ter visto desastre tão grande como a enchente no pais, que já afetou 20 milhões de pessoas. Ainda outros milhões de pessoas estão inundadas na Ásia. Outra onda de calor está torturando o México e a costa Leste dos Estados Unidos. Um bloco de gelo gigantesco separou-se de um glaciário na Groenlândia, o evento climático mais significativo do lugar em 50 anos. Mesmo que um período de tempo maior seja necessário para estabelecer se um evento especifico é atribuível às mudanças climáticas, a sequência dos eventos atuais corresponde às projeções do IPCC de ocorrência de eventos climáticos extremos mais frequentes e mais intensos devido ao aquecimento global.


A nível local está aceso o alerta entre autoridades de saúde que monitoram municípios afetados pelas enchentes que já mataram 52 pessoas e deixaram 157,5 mil sem casa em Pernambuco e Alagoas. Elas temem uma onda de epidemias, como leptospirose e cólera. Alagoas já vive a maior epidemia de dengue da história do estado, com quase 28 000 casos notificados. Estes eventos somam-se as enchentes que castigaram a região do Rio de Janeiro em abril passado, causando inúmeras mortes e grande prejuízo.


Neste mês de agosto, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registram 13.823 focos de queimadas em todo o país. O fogo atinge áreas de floresta, reservas indígenas, áreas de nascentes, parques estaduais. A maioria dos focos está concentrada nas regiões Norte e Centro-Oeste. Em Mato Grosso, há 4.284 focos de queimadas e pelo menos 14 reservas indígenas estão entre eles. A poluição emitida pelas queimadas no Mato Grosso já é cinco vezes maior que a do estado de São Paulo, que tem o maior parque industrial e a maior frota de veículos do país.


Será que é tão difícil assim entender que tudo isto está ligado por uma cadeia de causa e efeito? A comunidade cientifica internacional tem alertado por décadas que queimar óleo e carvão sem limites iria intensificar as ondas de calor, secas e enchentes. E está ficando cada vez mais claro que todos, inclusive nós, temos tudo a ver com isto. Quanto mais gases de efeito estufa nós emitirmos, pior será para nos mesmos (e para tantos outros ao redor do mundo)!


Vejamos então o que está acontecendo a nível local. O inventario de Emissões de Gases de Efeito Estufa da Cidade do Rio de Janeiro foi apresentado na semana passada (com dados de 2005), e revela que o transporte rodoviário é o principal responsável pela emissão de gases no Rio, com 33% do total. Em seguida vêm as emissões provenientes dos resíduos sólidos, com 25%.


A área de transportes na cidade tem sido planejada ao longo dos anos dando total preferência ao uso do carro particular – o que tem contribuído para aumentar não só a emissão de gases de efeito estufa, como também os congestionamentos, que começam a ser comparados aos da cidade de São Paulo. O transporte público de massa não leva em conta o planejamento da viagem do cidadão da porta de sua casa até seu destino final, resultando na oferta pobre e ineficiente de alternativas de transporte de massa.


Isto fica ainda mais claro cada vez que é proposta uma nova obra como a duplicação da Av. Niemeyer, entre São Conrado e Leblon. Quanto mais espaço abrirmos para o carro particular, mais dependentes ficaremos do uso do mesmo, e em pouco tempo este espaço estará saturado, exigindo mais e mais infra-estrutura para evitar os congestionamentos. Por que não fazer, no mesmo local, um trem de superfície, que ligue a região de São Conrado ao metro de Ipanema? Ou mesmo um sistema de podcars (ver reportagem anterior sobre o assunto)? Ai estaríamos falando em uma solução integrada, onde o cidadão poderá sair de casa em São Conrado e chegar ao centro da cidade utilizando transporte publico rápido e eficiente. Ou mesmo estacionar seu carro em São Conrado e seguir de transporte público o resto do caminho. Isto reduziria o numero de carros na rua, aliviando os congestionamentos e possibilitando a circulação dos ônibus de maneira mais eficiente. E reduziria em muito a emissão de gases de efeito estufa, colaborando de fato para a meta brasileira de redução de emissões anunciada em dezembro ultimo na COP-15.


O que fica muito claro nesta linha de raciocínio é a necessidade de se agir na causa dos problemas, e não nos seus sintomas. Se quisermos resolver os problemas do transito nas cidades apenas pensando no congestionamento e em trechos isolados, estaremos na verdade apenas perpetuando estes mesmos problemas. Se, ao contrario, utilizarmos a visão sistêmica e pensarmos no deslocamento planejado das pessoas de acordo com pesquisas de origem-destino, poderemos oferecer transporte publico de massa integrado entre diversos modais, satisfatório para a população, e de acordo com as atuais diretrizes globais de baixo carbono da sociedade do século XXI.


(*) Alexandra Lichtenberg – alexandra@ecohouse.com.br. É Colunista de Plurale, colaborando com um artigo sobre Sustentabilidade por mês. Arquiteta e urbanista, é consultora em planejamento estratégico para a sustentabilidade.



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