Ecologia íntima

Data: 17/08/2010
Temos a tendência de nos livrar do lixo com facilidade e rapidez. Será que se olharmos criteriosamente para ele há chance de repensar nosso modelo consumista? Ao separar, limpar e armazenar o que é reciclável e fazer compostagem do lixo orgânico, podemos mudar nossos hábitos, passar a consumir menos e nos sentir responsável pelo lixo que produzimos? Acredito que sim. Porque nos damos conta especialmente do volume de embalagens desnecessárias que juntamos – e a partir dessa noção passamos a recusar essas embalagens nas nossas compras. Além de evitar produtos que geram um lixo que não é reciclável, nem é “compostável”. Caso de quase todos os biscoitos industrializados, cujas embalagens misturam papel e alumínio.

No Brasil, poucas empresas de reciclagem têm tecnologia para separar os dois materiais – e esse processo é oneroso. Evitar o consumo desses biscoitos é simples, mas como uma mulher vai comprar menos absorventes do que precisa? Esse é um produto que gera impacto ambiental tanto no processo de produção quanto no seu descarte. Dos três bilhões de mulheres que habitam o planeta, as que moram em cidades e tem entre 11 e 50 anos de idade (ou seja, a priori menstruam) usam e descartam 1,8 bilhões de absorventes por dia. Isto significa que, por ano, no mundo, se jogam fora aproximadamente 432 bilhões. São 13.699 absorventes a cada segundo. E essa cifra é conservadora, pois não leva em conta a população rural que, em muitos, casos também as utiliza.

Despejado em lixões ou aterros sanitários, esse resíduo polui o solo, a água e o ar – e ainda libera carbono, contribuindo para o aquecimento global. Feito de derivados de petróleo de lenta decomposição, certas partes do absorvente podem levar 100 anos pra se decompor. E essas partículas “recheadas” de produtos químicos podem chegar aos mares, onde ajudam a compor a macabra fauna marinha de plásticos que matam milhares de seres vivos todos os dias. Como ficar ecologicamente em paz se eu descarto, a cada mês, 25, 30 absorventes? Por ano, chega-se a 300. Em dez anos, são três mil. Ou seja, em 30 anos de vida fértil eu jogaria ao menos nove mil absorventes no lixo.

Imaginava, no entanto, que esse era um mal necessário dos tempos modernos e que para os absorventes não haveria substituto. Ledo engano. Pela web qualquer mulher pode comprar um acessório eficaz, saudável e ecologicamente correto: o copo menstrual. Trata-se de um copinho de silicone, que fica encaixado na entrada da vagina e, depois de cheio, é retirado com facilidade. O conteúdo, riquíssimo em material orgânico, ainda pode servir de adubo para as plantas. Para as mulheres habituadas a usar absorventes internos, a adaptação tende a ser tranqüila. Com a vantagem de o copinho não conter as químicas do “ob”.

Quem prefere absorvente de uso externo é candidata aos bioabsorventes confeccionados com puro algodão. Hoje, a produção é basicamente artesanal, feita por grupos de mulheres em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Consciência ecológica, cuidados com a própria saúde e busca do resgate do feminino são os denominadores comuns dessas empreendedoras. “São produtos de um novo paradigma de consumo e da criação de um mercado mais consciente e sustentável, no sentido mais amplo possível”, avalia Nara Gallina, produtora do Modser, em Brasília.

Mil vezes mais confortável que o descartável, o bioabsorvente tem um layout semelhante ao descartável, mas não irrita a pele, não deixa um odor desagradável, nem contamina a lixeira do banheiro. Há kits nos tamanhos P, M e G, e todos são reutilizáveis. Usou, deixou de molho, lavou com sabão neutro e pronto: está novo. A água, tingida de vermelho ainda serve como adubo.

Perfeito, não? Na verdade, quase. Se você passa o dia inteiro na rua fica chato carregar os bioabs usados. E ao chegar exausta em casa não vai querer lavar roupa... Para quem tem uma rotina assim, o ideal são os copos menstruais. O fato é que tanto o pano como o copo provocam pouco impacto ambiental durante o processo de produção. Gasta-se algodão, água e energia para fazer os bioabsorventes. Depois, água e sabão em cada lavagem. No caso do coletor, um pouco de água já resolve, mas o mesmo é feito de silicone, um derivado de petróleo. O coletor chega a durar dez anos; o bioabsorvente, uns três anos.

Para concluir, diria que no placar geral o copo traz mais vantagens. Mas, pessoalmente fico com os dois. Gostei de revezar ao longo do período menstrual, o kit completo (P, M e G) dos paninhos e o copo. Na rua e durante o dia, com fluxo intenso, o copo é mais jogo. No início e final do período menstrual, os bioaborventes pequenos resolvem. Para dormir, o tamanho G me pareceu mais seguro. "Quando nos oferecem uma opção que, além de mais ética, é mais confortável, prática e segura, não há muita margem para negar sua utilização", completa Isabel Wittmann, que coordena uma visitadíssima comunidade na web sobre os copos menstruais, a Coletores & Cia, www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=64856357

Um mais um é mais que dois
A simples ação individual de ser adepto dos 3Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) está longe de resolver a enorme encrenca da produção do lixo no Brasil. Mas é ela quem nos dá respaldo moral para exigir grandes mudanças – basta lembrar a máxima “agir localmente, pensar globalmente”. É o que explica o sociólogo Pedro de Assis Ribeiro de Oliveira, professor da PUC de Belo Horizonte: “O problema é que o grande lixo não é apenas o somatório dos lixos individuais e familiares, mas também o industrial. A importância da separação para a reciclagem e compostagem é menos de ordem quantitativa do que qualitativa: pouco significa como diminuição do lixo total, mas significa muito como prática consciente. Em outras palavras: se eu cuido do meu lixo, tenho moral para exigir uma política pública de cuidado com o Planeta; se não faço minha parte, como posso exigir que os governos assumam sua responsabilidade política?”.

Para saber mais
http://lunasbioabsorventes.blogspot.com/2009/04/como-usar-lunasbioabsorventes.html
http://www.coisasdemulher.com.br/abio.htm
http://www.vegvida.com.br/
modserbrasilia@gmail.com
http://ellenvicious.multiply.com/journal/item/25/Como_Fazer_um_aBiosorvente
Entre as marcas de copos menstruais feitos de silicone, tem o DivaCup (http://www.divacup.com/), The Moon Keeper (http://www.keeper.com/), Fleurcup (http://fleurcup.com), Femmecup (http://www.femmecup.com), MoonCup
Venda do copo no Brasil: http://www.guiavegano.com.br/vegan/

*Esta matéria é destaque na Edição 18 de Plurale em revista. Para ler online acesse http://www.plurale.com.br/revista-digital.php



(Envolverde/Plurale)


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