Energias do amanhã

Data: 16/08/2010

Energias do amanhã


Por Manuel Lume


O Brasil ocupa posição de destaque no cenário energético do mundo, mas pode estar investindo olhando a realidade pelo retrovisor. Carta Capital e Envolverde convidaram executivos e especialistas para lançar o debate à frente.

A energia que vai mover a economia do futuro e proporcionar conforto e qualidade de vida à sociedade não pode vir das fontes tradicionais que movem o mundo desde o século XIX. Novas fontes já estão disponíveis. No entanto, somente uma parcela pequena da população do planeta tem acesso à energia que vem do sol, do vento, do mar, do vulcões, de restos vegetais e até do lixo. Há quem inclua o etanol da cana-de-açúcar e de outros vegetais (celulósicos) na lista, mas essa não é uma opinião unânime. O que é consenso é que, à exceção do etanol, a exploração em grande escala dessas inesgotáveis fontes de energia precisa se tornar políticas prioritárias de governos e empresas privadas. Essa, no entanto, é uma luta que ambientalistas ainda não venceram.

O Brasil assumiu diante da comunidade internacional compromissos bastante avançados em relação às mudanças climáticas. Levou à COP 15, em Copenhague, no fim de 2009, a meta de reduzir emissões de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9% até 2020. Para isso, deverá atuar principalmente em duas frentes: redução do desmatamento de biomas, como a Amazônia e o Cerrado, e ampliar o uso de energias renováveis na geração de eletricidade e no transporte.

No centro da questão energética está a exploração do pré-sal, que coloca o País entre os maiores produtores de petróleo do mundo e pode mudar o eixo dos investimentos no setor nos próximos anos. “Os bilhões de dólares que serão investidos para trazer o petróleo do pré-sal à superfície tornariam viáveis muitas outras tecnologias energéticas, como o desenvolvimento de baterias para carros ou de painéis solares de custo compatível para implantação em milhões de residências em todo o Brasil”, diz o cientista Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

O custo da extração e produção do petróleo do pré-sal está estimado em US$ 880 bilhões, segundo estudo encomendado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) e divulgado recentemente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nobre defende a aplicação desse dinheiro em pesquisas focadas em outras tecnologias, que garantiriam não apenas eficiência na produção, mas a otimização no uso de energia. “Carros com motor a álcool ou gasolina tem muito pouca eficiência energética”, explica. Entre 60% e 80% da energia contida nestes combustíveis serve apenas para gerar calor que é dissipado nos radiadores.

A principal preocupação em relação aos investimentos no pré-sal é em relação à continuidade do desenvolvimento de energias de baixo carbono. Outro participante do debate “O Brasil e as Energias do amanhã”, promovido pela revista Carta Capital e pela Envolverde, Ricardo Young, ex-presidente do Instituto Ethos, e atual candidato ao Senado pelo PV paulista, aponta que um horizonte incerto na gestão de energias renováveis. “O País estava na dianteira nessa questão. Desenvolvemos os biocombustíveis, o etanol, a energia solar mas, com a descoberta de petróleo no pré-sal, o debate mudou de eixo. Agora, o foco é a partilha do dinheiro do pré-sal e os impactos que esta nova realidade terá sobre a economia.”

Foi justamente este cenário de opções em aberto, onde o etanol avança em direção a tornar-se uma commoditie global e o Brasil desponta como um dos maiores produtores de petróleo do mundo que levou a revista Carta Capital e a Envolverde a construir mais uma edição da série Diálogos Capitais, desta vez focado na questão “Energias do amanhã”. Foram reunidos executivos de empresas, pesquisadores e especialistas para ajudar a compreender os desafios de suprir o Brasil com a energia necessária para manter a trajetória de crescimento econômico e, ao mesmo tempo, cumprir os compromissos internacionais assumidos em relação à redução das emissões de gases estufa. Estiveram presentes no auditório da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, no último dia 6 de agi, o coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace, Ricardo Baitelo, a chefe do Departamento de Energia do BNDES, Márcia Leal, o presidente da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Única), Marcos Jank, o gerente geral de Energias Renováveis da Petrobras, Renato de Andrade Costa, o pesquisador Antonio Nobre, do Instituto nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Ricardo Young, ex-presidente do Instituto Ethos, e o professor Ladislau Dowbor, da PUC-SP, que conversaram com um público de quase 300 pessoas.

A posição brasileira no cenário energético global é de relativo conforto, uma vez que dispõe de quase todas as alternativas conhecidas e em quantidade mais do que suficiente para implantação em escala. A matriz brasileira para a geração de eletricidade é cerca de 60% baseada em fontes hídricas. O país recebe mais de 200 wats por metro quadrado de energia solar e o potencial eólico está entre os melhores do mundo. Além disso, a produção de bioenergia, seja o etanol, o biodiesel ou pela queima de resíduos, está entre a mais eficientes.

No entanto, o eixo da questão está muito focado na produção de energias, e não leva em conta a eficiência no uso, seja em mobilidade e transporte, ou no consumo de eletricidade. “Praticamente 10% de toda a energia que abastece residências é consumido por equipamentos em stand by”, explica Ladislau Dowbor, referindo-se à condição de “semi-ligado” dos equipamento para que possam ser acionados por controle remoto. Dowbor é um crítico do modelo de desenvolvimento baseado na oferta sempre crescente de insumos. “Nada pode crescer indefinidamente”, explica. Para ele a racionalização do uso (não confundir com racionamento) pode garantir não apenas a expansão do acesso de toda a sociedade à energia, mas a um custo muito menor do que a construção em série de usinas por todo o país, mesmo que movidas a fontes renováveis. “Gerar energia é caro, podemos usar melhor a energia existente e direcionar os recursos para áreas onde o país ainda tem desafios estruturais a enfrentar”, explica.

Outro ponto também relacionado à melhor gestão e uso de recursos já existentes foi levantado por Ricardo Baitello, do Greenpeace, que alertou para a necessidade de investimentos para tornar mais eficaz a transmissão de energia. “O Brasil tem perdas na transmissão que chegam a 30%, enquanto na Europa a média é 10% e no Japão é apenas 5%”, explica. Para ele, é possível reduzir o impacto da construção de novas hidrelétricas, como Belo Monte e outras que estão sendo projetadas para os rios da Amazônia, com iniciativas simples de eficiência energética. “Em 2001 a sociedade brasileira conseguiu derrubar a demanda de energia em 26% apenas apagando luzes, trocando lâmpadas e evitando o desperdício”, explica Baitelo. “E isso sem reduzir em nada a qualidade devida de ninguém”, ressalta.

De acordo com um estudo encomendado pelo Greenpeace, apenas o desenvolvimento e uso de veículos híbridos (elétricos/combustão) e outras medidas de eficiência podem reduzir o consumo de energia em carros de passageiros em cerca de 80% até 2050. A simples troca de lâmpadas do modo espera (stand by) dos aparelhos eletrônicos cortaria o consumo de energia desses equipamentos quase pela metade. No entanto, esta estratégia vai contra uma das principais regras do mercado, que é vender mais para os mesmos clientes. Ou seja, aumentar a eficiência no uso da energia certamente fará com que as empresas distribuidoras reduzam seu faturamento. Antonio Nobre conta que procurou empresas distribuidoras para propor uma forma mais eficaz de iluminação pública, com maior eficiência na distribuição da luz e menos desperdício. “Não tiveram interesse, pois quem paga a conta é o poder público, em última instância os contribuintes”.

A lógica de mercado de produzir cada vez mais e fazer com que as pessoas consumam cada vez mais é o nó da questão energética. O Brasil precisa de políticas públicas capazes de regular os investimentos no setor e equilibrá-los entre as diversas fontes, para não ficar refém de um modelo de geração e uso de energias que não tem compromisso claro com a construção de um futuro sustentável para o País e para o planeta. “Basear o futuro em modelos de crescimento infinito, em um planeta de recursos finitos é insano”, diz Ladislau Dowbor. “A filosofia de crescer por crescer é o que move a célula cancerosa”, conclui.

Biocombustíveis

Na área de biocombustíveis a novidade dos últimos anos foi a implantação do sistema flex na frota de automóveis, que passaram a ser oferecidos aos consumidores a partir de 2003. Isso resgatou o álcool combustível, ou etanol, como é conhecido internacionalmente, do ostracismo. Menos poluente do que combustíveis fósseis e com um equilíbrio positivo em relação à redução de emissão de gases estufa, o álcool convive com críticas relacionadas à competição com os alimentos pelo uso do solo.

Marcos Sawaya Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar – Unica, que reúne os produtores de açúcar e álcool, acredita que esse é um falso dilema. Segundo Jank, a cana-de-açúcar ocupa apenas 1,5% das terras aráveis do Brasil. Além disso, o país ainda tem 50 milhões de hectares de áreas de pastagem em processo de degradação que poderiam ser convertidas para culturas agrícolas.

Jank criticou aqueles que temem a expansão da cultura de cana para áreas de florestas, incluindo a Amazônia. Ele garantiu que não há competição entre agricultura e meio ambiente. “Me chateia esse debate sobre esse confronto.” Citando dados estatísticos, defendeu as vantagens do álcool em relação ao petróleo. Além de mais limpo, seu preço está cada dia mais competitivo em relação ao da gasolina, seja pelos ganhos de produtividade seja pelo aumento do preço do petróleo. “O petróleo barato acabou e o acidente no Golfo do México mostrou a grandeza do problema”, disse Jank.

Ainda segundo o presidente da Unica, a atual rota tecnológica levará à descoberta de novos produtos derivados do etanol e novos usos, incluindo a produção da bioeletricidade. “Não precisamos de termoelétricas sujas. Temos o equivalente a três usinas de Belo Monte nas usinas brasileiras”, diz ele referindo-se ao potencial de geração termelétrica a partir do bagaço da cana-de-açúcar depois de extraído o álcool. Outra possibilidade de utilização do etanol é no setor químico. Segundo Jank, no Brasil um percentual grande das garrafas PET já são feitas de etanol e logo elas poderão ser totalmente ou em parte biodegradáveis.

O debate sobre o crescimento da oferta de etanol esbarra nas necessidades do mercado. Segundo Antonio Nobre não há área suficiente para a expansão da oferta nos volumes que seriam necessários para abastecer o mercado mundial. “E também não há eficiência energética no uso: “O etanol não é a solução. Tem aproveitamento mínimo da energia solar. Temos uma fonte enorme de energia direta, sem passar pela fotossíntese”.

De qualquer forma, houve consenso no seminário de que Brasil é, de fato, um país com matriz energética diversificada e o menos dependente do petróleo. Na geração de eletricidade, o país já é capaz de produzir energia da biomassa (incluindo o bagaço e a palha da cana), nuclear, do gás, do carvão e, embora com participação de apenas 0,3%, começa a dar mais atenção à eólica. O biodiesel é outra fonte que está em processo de desenvolvimento.

De olho nesta diversidade de energias, a Petrobras se esforça para não ser vista apenas como uma empresa “petroleira”. O gerente-geral de Energias Renováveis da Petrobras, Renato de Andrade Costa, explica que a empresa se tornou um protagonista no mercado de energias, e tem tem feito diversas parcerias com empresas privadas para desenvolver fontes de energia renováveis. A Petrobras, disse ele, já é a oitava maior geradora de energia do país.

Segundo Costa, a empresa é a principal investidora no projeto do biodiesel e já iniciou um projeto piloto para desenvolver a tecnologia de produção de energia com o gás metano liberado pelo lixo. Uma boa notícia vem das pesquisas da empresa na área de energia eólica, onde a Petrobras trabalha no mapeamento dos ventos no país e já tem 104 megawatts (MW) instalados numa usina no Rio Grande do Norte. Recentemente, entrou em um segundo projeto, também no Rio Grande do Norte, com aerogeradores mais eficientes, de 108 metros de altura.

A diversificação da estatal abrange também Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Sua potência instalada chega a 6 mil MW. Também está construindo a primeira usina termoelétrica do país que queima etanol. “Ainda temos duas turbinas que usam álcool e gás em Minas Gerais”, diz Renato Costa.

O investimentos em projetos de geração eólica ou solar esbarram, ainda, na falta de estímulos tarifários e tributários. Os grandes projetos hidrelétricos e de petróleo recebem mais incentivos do que os projetos de energias renováveis. Um estudo realizado pela consultoria Boomberg News Energy Finance, especialista em energias limpas e mercado de carbono, conclui que os subsídios governamentais às fontes de energias fósseis são dez vezes superiores aos incentivos à energia de fontes renováveis. Em termos globais, em 2009, os governos investiram um valor entre US$ 43 bilhões e US$ 46 bilhões em projetos de energias renováveis (eólica, solar, biomassa) e de biocombustíveis, contra US$ 557 bilhões gostos em incentivos às energias fósseis, segundo levantamento da Agência Internacional de Energia.

Segundo a representante do BNDES no seminário, Márcia Leal, de 2003 a 2010 foram financiados 38 projetos de hidrelétricas, 37 de biomassa e 17 de térmicas a gás. Nenhum projeto de energia solar. As hidrelétricas tomaram R$ 13 bilhões do banco, valor que inclui projetos de 99 PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), as usinas eólicas ficaram com R$ 2 bilhões e todas as outras fontes conseguiram menos de R$ 1,5 bilhão.

Márcia leal alerta, no entanto, que há uma tendência de aumento dos financiamentos de projetos de biomassa e eólicos, enquanto “a energia solar não interessa por ser economicamente inviável”. Ela explica que o banco trabalha sob demanda, não é o BNDES que vai atrás de projetos”, disse.

Belo Monte

Entre todos os equívocos de planejamento do governo na área energética, o destaque ficou com a usina de Belo Monte, que deve ser construída nas cabeceiras do rio Xingu, no Pará. Para Antonio Nobre Bello Monte está sendo construída para abastecer o complexo de produção de alumínio no Pará e no Maranhão. “Os países do Norte não permitem mais fábricas com consumo tão elevado de eletricidade em seu território, por isso as empresas, quase todas multinacionais, produzem no Brasil”, explica. O Japão já fechou todas as suas fábricas. “Essa indústria consome 17% da nossa energia elétrica”, explica o cientista.

Ladislau Dowbor, estudioso dos impactos econômicos do atual modelo energético, lembrou dos problemas políticos e do mal produzido pelo negacionismo; “Uma vez, disseram que o cigarro não fazia mal.” Dowbor aponta a forma de escolha de representantes como um dos desafios a serem enfrentados. “Os políticos são financiados pelas corporações que têm interesses em manter o atual ciclo econômico. As grandes corporações compram os mandatos dos parlamentares.” Ele aponta que o Congresso “tem a bancada ruralista, tem bancada dos bancos, das montadoras, só não tem a bancada dos cidadãos”, brinca tocando fundo uma ferida do modelo de representação política do País.

*Edição Dal Marcondes, da Envolverde.



(Agência Envolverde )



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