Cactos sem espinhos úteis como forragem

Data: 13/08/2010

Cactos sem espinhos úteis como forragem


Joseph Ole Morijo está desconcertado pelas descobertas científicas de que o cacto pode ser usado como alimento de animais durante a seca. Sobretudo depois de ter perdido suas 152 cabras e ovelhas para essa planta. “É uma planta perigosa. A conheço bem e vi como arruinou meu gado. Deve ser erradicada completamente”, disse este produtor de Laikipia, no norte do Quênia.

Mesmo depois da garantia de que existem cactos sem espinhos, Joseph se mostrou cético. “Só acredito vendo”, afirmou. A particular espécie de cacto da região, a Opuntia megacantha, foi introduzida em Laikipia e em outras áreas secas do Quênia por colonos nos anos 60, principalmente para cercar suas fazendas. Nas partes mais úmidas do país é usada como ornamento.

O suculento fruto esta espécie é tão comestível para humanos como para animais. Tem muitos espinhos angulosos que são facilmente removidos pelas pessoas, mas não pelos animais, que os engole, sofrendo ferimentos internos. “Os espinhos perfuram todo o canal digestivo, desde a boca, passando pela garganta e seguindo para estômago e intestinos”, explicou John Saikom, especialista veterinário em Laikipia. “Devido aos ferimentos, especialmente na boca, os animais têm dificuldades para continuar se alimentando, e na maioria dos casos morrem de fome”, acrescentou.

Porém, um estudo divulgado em maio por especialistas do Instituto de Pesquisa Agrícola do Quênia (Kari) indica que se forem selecionadas as adequadas espécies de cactos, estas poderiam oferecer a tão necessitada nutrição para o gado durante a temporada de seca extrema.

“Existem dois tipos principais de Opuntia, os de frutos espinhosos e os que não têm espinhos. Embora ambos possuam semelhante valor nutricional, o tipo espinhoso representa um risco para os produtores”, disse John Kang’ara, um dos principais pesquisadores. “Isto significa que, se os cactos espinhosos forem usados como forragem, os produtores deverão remover os espinhos ou tirá-los com um machado antes de dar aos animais”, explicou.

O informe do Kari, apresentado na conferência sobre Pastoreio e Adaptação à Mudança Climática na África, realizada na Universidade de Egerton, no Quênia, sugere que os produtores utilizem os tipos de cacto sem espinhos, como o Opuntia fícus-indica, o Opuntia vulgaris e o Opuntia leucotricha. Porém, são pouquíssimas as espécies deste tipo no país. Segundo o estudo, são cada vez mais escassas devido à grande demanda. Os cactos sobrevivem em condições climáticas muito duras, e se reproduzem generosamente em diversos tipos de solos. Uma vez introduzidos em alguma área, se multiplicam de forma natural como uma espécie invasora.

“O cacto mais comum é o que tem espinhos, e que, obviamente, é difícil de domesticar”, disse John Kang’ara. “Assim, é preciso que o governo e os produtores invistam em propagar as espécies sem espinhos”, acrescentou. “Estamos interessados em estudar esta planta como potencial cultivo para forragem durante a seca, depois que o Ministério da Saúde do Quênia perguntou sobre seu valor nutricional”, informou. “Isto se originou com uma observação em um lugar chamado Nyeri, onde as vacas comiam cada vez mais apesar da intensificação da seca de 2008”, acrescentou.

Durante o estudo, foi constatado que os produtores no Quênia central alimentavam o gado leiteiro com cacto sem espinhos e não perderam seus animais. Pelo contrário, estes produziram mais e suportaram melhor o calor. Já os residentes em Laikipia Norte disseram que a maioria de seus animais, alimentados com cacto espinhoso, sofreu ferimentos internos, especialmente na boca, e morreram de fome. Segundo os pesquisadores, cultivar espécies que possam crescer em áreas secas é um dos melhores métodos para se adaptar à mudança climática.

“Utilizar cacto como forragem salvará nossos animais de morrer de fome na seca. As ovelhas, por exemplo, podem sobreviver à base de cactos 500 dias sem suplemento alimentício nem outras forragens, e inclusive sem água”, assegurou John Kang’ara. Especialistas em clima alertam que o aquecimento global tornará ainda mais secas várias regiões da África.

Segundo um informe publicado no Lancet Scientific Peer Reviewed Journal, o Quênia perdeu 40% de seu gado bovino, 27% de suas ovelhas e 17% de suas cabras devido às secas entre 2005 e 2006. O Kari chama a atenção para a realização de esforços combinados entre os três ministérios de Pecuária, de Agricultura e o de Terras Áridas para desenvolver, promover e comercializar o cacto, tanto como forragem como para alimento humano. “Temos de educar as comunidades que abandonaram o cultivo de cacto após a má experiência com as espécies espinhosas”, disse John Kang’ara. Envolverde/IPS

(IPS/Envolverde)


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