Uma agenda de inovação no setor energético

Data: 12/08/2010
Com território rico em fontes renováveis, país busca compartilhar conhecimentos e buscar cooperação técnica entre universidades para fomentar a pesquisa acadêmica e projetos em energias renováveis. Com uma Oferta Interna de Energia – OIE, em 2009, de 243,7 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep), o Brasil é o 10º maior consumidor de energia do mundo e o maior da América do Sul, sendo o segundo maior produtor mundial de combustível etanol.
Segundo o Balanço Energético Nacional (BEN), divulgado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), as fontes renováveis representaram 47,2% de toda a energia produzida no Brasil em 2009. Entretanto, para que o atual cenário existente no país, e para aquilo que está planejado para os próximos anos seja implementado, a diversificação de fontes de geração de energia não deve se restringir somente ao desenvolvimento de novas tecnologias. Exige também adaptações em tecnologias existentes e estudos para possibilitar a inserção dessas fontes no sistema de produção de energia nacional.
Nessa entrevista, o Secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia e também Professor Titular de Física da Universidade Federal de Santa Maria, Ronaldo Mota*, fala da importância da inovação no cenário energético nacional e da necessidade de gerenciar novos modelos de negócios no setor.
Efraim Neto - A inovação é um importante instrumento de fomento para o desenvolvimento nacional. Qual é o atual cenário da inovação no país no que se refere ao desenvolvimento energético e fontes renováveis?
Ronaldo Mota - Inovação é reconhecidamente hoje um dos fatores decisivos para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Indicadores de crescimento atuais demonstram que inovação contribui com mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, segundo os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007-2010 consideram a inovação um dos fatores centrais para o fortalecimento sustentável da posição do Brasil no cenário internacional.
O conceito de inovação, em geral, é correlacionado com pesquisa e desenvolvimento (P&D), porém distinto e mais amplo. Inovação implica não somente tecnologia, máquinas e equipamentos, mas vai além, contemplando também mudanças incrementais, novas funcionalidades, bem como melhorias na gestão ou novos modelos de negócios, associados à conquista ou criação de novos mercados.
Portanto, o conceito de inovação é bastante antigo e remonta a época de um dos quatro maiores economistas da humanidade, Schumpeter. Para ele, inovação significa fazer as coisas diferentes na esfera da vida econômica e ela pode ocorrer de diversas formas: (i) introdução de um novo bem não familiar aos consumidores ou então de nova qualidade de um certo bem; (ii) introdução de um novo método de produção - método ainda não experimentado dentro de certo ramo produtivo, mas que não precisa obrigatoriamente derivar de qualquer descoberta científica; (iii) abertura de um novo mercado, ou seja, um mercado em que o produto de determinada indústria nunca tivera acesso antes, independente deste mercado ter ou não existido anteriormente; (iv) descoberta de uma nova fonte de matéria prima ou de produtos semi-acabados, também, independente desta fonte ter existido ou não anteriormente; (v) reorganização de uma indústria qualquer, como a criação ou a ruptura de uma posição de um monopólio.
A inovação, portanto, ocorre no seio das empresas e pode ser avaliada pelo esforço desenvolvido em termos de recursos financeiros e humanos e pelas patentes obtidas. Ocorre que nesses quesitos, ao contrário dos países mais desenvolvidos, as empresas brasileiras investem pouco em P&D, e obtém poucas patentes, com raras exceções.
Portanto um dos maiores desafios para os próximos anos é o de criar condições para que as empresas daqui possam intensificar as suas atividades e investimentos em P&D e passem a ganhar competitividade global.
O Plano Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação 2007-2010, do MCT, consubstancia esse pensamento à medida que prioriza a relação ICT/empresa.
Em relação à energia, o plano é estabelecer prioridades, metas, recursos e parcerias em áreas atinentes a energia e combustíveis e energias da matriz energética brasileira, ou seja, as energias renováveis, energia elétrica, petróleo e gás, carvão mineral, biocombustíveis, energia nuclear entre outras áreas de modo à luz do Plano Nacional de Energia 2030, que projeta a matriz energética para o ano de 2030.
O assunto da inovação está tão forte, que no Ministério do Desenvolvimento Indústria Comércio Exterior, que tem como um dos focos a questão empresarial, foi criada uma Secretaria de Inovação. Logicamente, no MCT também existe uma Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação.

EN - No Brasil, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI 2007-2010) consideram a inovação um dos fatores centrais para o fortalecimento sustentável da posição do Brasil no cenário internacional. O que já foi feito até o momento?
RM - Um dos grandes méritos deste governo foi a formulação de políticas públicas setoriais e a integração entre elas. Apesar de um pouco atrasado, felizmente o Brasil despertou para inovação e, dessa forma, necessariamente a intersecção entre a política industrial e a política de C&T é a inovação.
Cabe citar que o momento em relação à inovação é de transição, pois as empresas e o setor acadêmico estão em fase de sensibilização para essa nova etapa da cadeia do conhecimento, bem como um arcabouço legal recém criado está em fase de digestão pelas instituições nacionais. Outro ponto importante é que os recursos para pesquisa estão sendo disponibilizados em grande volume. Mas tudo isso seria inócuo sem que houvesse uma revitalização do Sistema de C&T. Ou seja, a inovação está mudando a cara o Brasil.
Outro ponto importante é que Ciência e Tecnologia passaram a ser assuntos transversais, tanto na Esplanada dos Ministérios quanto na Sociedade.
EN - A Secretaria vem trabalhando junto com a ANEEL na compatibilização das políticas de aplicação dos recursos previstos no fundo setorial de energia. Qual o papel desse fundo? O que já foi desenvolvido?
RM - Na verdade, o MCT está em uma fase não só de compatibilização, mas também de estabelecimento de parcerias e sincronismo de ações com diversas instituições, como por exemplo, o BNDES, Fundações de Amparo à Pesquisa, Aneel, Eletrobrás, Governos Estaduais etc. Isso objetiva melhores resultados e a otimização dos recursos devido à redução da duplicidade de investimentos, ações e esforços. Isso se aplica a todas as áreas, inclusive na de energia.
Outro ponto importante foi a compatibilização das agendas de energia dos diversos Ministérios, que acabou por gerar grande sinergia entre as suas ações. Em alguns Ministérios inclusive foram criadas áreas específicas para tratar do tema Energia – como, por exemplo, a Secretaria de Produção e Agroenergia, no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, e o Departamento de Energia, no Ministério das Relações Exteriores.
EN - Qual o papel das indústrias no desenvolvimento de novas tecnologias para a área de energia? Qual o cenário para as energias renováveis?
RM - Conforme citado, sem a empresa não existe inovação – o lócus da inovação é a empresa. Logicamente a empresa não consegue inovar se não estiver em um ambiente onde estejam disponíveis instituições de ensino e pesquisa em qualidade e quantidade suficientes. No Brasil temos diversas empresas que já projetam, produzem e vendem equipamentos, partes e peças para o setor de energia. Mas para serem competitivas é necessária a introdução contínua de inovações de modo a que se diferenciem ou se equiparem a outros os fornecedores mundiais. Como o Brasil é sempre lembrado no cenário mundial quando o assunto é energia, isso abre uma boa oportunidade para as empresas que inovam. Isso ocorre em especial para algumas áreas da energia e dos combustíveis renováveis.
EN - Por que é necessário integrar cada vez mais a política de CT&I à política industrial no setor energético? Qual o papel da inovação?
RM - Um dos grandes problemas do passado era a falta de integração de políticas, bem como a hierarquia das políticas, estando sempre no topo a política econômica. Outro problema que as políticas são de Governo e não de Estado. Este governo está enveredando esforços no sentido de tornar algumas políticas como de Estado e isso foi o debate central e resultado da 4ª Conferência de CT&I, ocorrida em maio de 2010.
Outro ponto importante é que a existência de assuntos ligados à energia em vários eventos gerou uma grande sinergia entre as políticas setoriais dos mesmos, na medida em que energia e mudanças climáticas ocupam o centro dos debates em fóruns internacionais.
Sem inovação a indústria não evolui, apenas luta para sobreviver. A inovação é fundamental para criar e manter competitividade para qualquer indústria em qualquer setor da economia. Os pontos fundamentais para que a cadeia da inovação funcione são os recursos financeiros, arcabouço legal e mobilização da indústria e do setor acadêmico. Os recursos de C&T são provenientes dos Fundos Setoriais, os quais deram vigor ao Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, mas também das parcerias como outras fontes de financiamento, inclusive de empresas. O arcabouço legal foi aprimorado por meio da Lei de Inovação e da Lei do Bem. Já a mobilização está sendo feita por programas, como por exemplo, o Proinova, que dissemina conhecimento sobre inovação para as empresas.
EN - A SETEC tem, em conjunto com a FINEP, desenvolvido atividades de financiamento para a área de energia. Quais segmentos vêm sendo contemplados com esses investimentos?
RM - Na verdade, a Finep e o CNPq são as agências de fomento do MCT na área de C&I. Enquanto o CNPq apóia a ciência e a tecnologia e a formação de recursos humanos, a Finep apóia a tecnologia e a inovação com interação ICT – empresa. Para tanto, o MCT trabalha em estrita parceria com Ministérios setoriais entre os quais citamos MME, MAPA, MDA e MDIC. Os segmentos contemplados estão descritos no Plano do MCT.
EN - Muito se fala sobre a importância do País desenvolver ações em novas matrizes energéticas. Qual a importância dos investimentos e do desenvolvimento de novas tecnologias para que isso se torne possível?
RM - O MCT trabalhando em parceria com o MME fomenta o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação baseada no Plano Nacional de Energia 2030. Este plano fornece os ingredientes básicos para orientar o MCT nos investimentos, metas e estratégias para o setor de CT&I.
EN - Comentários finais.
RM - Finalmente destacamos que apesar do nosso Ministério ser da Ciência e da Tecnologia, ele também é da Inovação, ou seja, o nome atual se assim fosse ser renomeado seria Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação.
EN - O que cada brasileiro pode fazer para contribuir?
RM - Há muitos elementos associados a uma talvez resposta, mas uma preocupação de natureza central e geral é propiciarmos um incremento na educação científica e tecnológica da população em geral, bem como motivarmos cada vez mais as pessoas ao empreendedorismo e à prática da inovação, entendida esta enquanto criatividade com disciplina e firmeza de propósitos.
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* Ronaldo Mota é Secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia e também Professor Titular de Física da Universidade Federal de Santa Maria e Pesquisador do CNPq. Bacharel em Física pela Universidade de São Paulo, Mestre na Universidade Federal da Bahia, Doutor pela Universidade Federal de Pernambuco e Pós-Doutor em Física pela University of British Columbia-Canadá e University of Utah-EUA. Em Física, sua área principal de atuação é Modelagem e Simulação em Materiais Nanoestruturados. Em Educação, suas áreas de interesse são Tecnologias Educacionais Inovadoras, Educação Superior em geral e Gestão da Inovação. Foi Secretário Nacional de Educação Superior e Secretário Nacional de Educação a Distância do Ministério da Educação, Ministro Interino do Ministério da Educação e condecorado pelo presidente da República como Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.



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