Ciência, saúde coletiva, meio ambiente e sociedade

Data: 10/08/2010

Carlos José Saldanha Machado e Rafaela Rodrigues Ramos*

Atualmente, não é possível pensar o mundo em que vivemos sem considerar a existência de redes globais que atuam como elementos centrais na dinâmica cotidiana das sociedades. Estas, através de seus fixos e fluxos, interferem em todas as dimensões da vida humana, desde o entretenimento até as condições de saúde.

Assim, o próprio conceito de saúde deve ser compreendido para além do paradigma biológico da doença, porque entender o conceito de saúde apenas como ausência de doenças é ignorar suas dimensões éticas, sociais e culturais. A negação destes fatores, principalmente no que tange a relação saúde e ambiente, impede, em casos não raros, que determinados conflitos que emergem desta relação, sejam plenamente compreendidos e que propostas viáveis e eficazes de mediação sejam formuladas.

É preciso, portanto, refletir para além da presença ou ausência de enfermidades ou boa disposição física e psíquica e resignificar a relação homem-ambiente, retornando à concepção do homem como um dos elementos da própria natureza, e não como uma entidade superior que deva dominá-la para fins mercantis e de ganhos financeiros.

Já deveríamos ter deixado de ver a natureza como um ambiente hostil a ser “domesticado”, como fonte de matéria-prima e recursos, porque a interface entre ambiente e saúde, principalmente ao longo dos dois últimos séculos, está relacionada à degradação dos sistemas de suporte a vida, pela expansão e complexificação das atividades antrópicas, com destaque para as industriais.

Devido à sofisticação das sociedades no desenvolvimento industrial-urbano, e na exploração de seus recursos, verificou-se que o ambiente em perigo necessita de uma avaliação mais precisa dos impactos, buscando evitar prejuízos não somente para a própria sociedade, mas também para o ambiente. Todavia, a compreensão e superação dos problemas socioambientais contemporâneos, bem com das desigualdades socioespaciais, colocam-se como desafios coletivos às sociedades, de maneira geral, e às ciências e às esferas públicas competentes, em particular.

No campo da produção do arcabouço teórico-científico acerca desta temática, vivemos uma realidade onde os instrumentos tradicionais, existentes na chamada ciência normal, são insuficientes e ineficientes para oferecerem um explicativo a esse quadro, seja em escala local, regional ou global.

Do mesmo modo, nenhuma ciência hoje é capaz de responder sozinha, somente a partir de seus próprios conceitos, as questões que emergem da inter-relação entre as sociedades e o meio físico. De modo que, para buscar soluções adequadas e produtivas é necessário transitar e interagir nas diferentes disciplinas científicas e instituições, sem preconceitos e com linguagem comum. Portanto, essa situação expõe a necessidade da constante reformulação do panorama científico, pautado na multi e na transdisciplinaridade e na adoção de uma postura holística e sistêmica.

Dessa forma, é de suma importância ampliarmos o diálogo entre as ciências e a sociedade. Em uma visão integrada e contextualizada, a compreensão e a intervenção sobre os processos que geram vulnerabilidade são fundamentais na proposição de estratégias de prevenção de riscos, de promoção da saúde.

O campo tácito da saúde coletiva deveria centrar-se na promoção da saúde ambiental, que contemplaria tanto a saúde humana como a dos ecossistemas, de maneira uníssona, visto que, em uma realidade globalizada e complexa, tornou-se impossível pensar essas duas dimensões em separado.

Diante desta lógica, ações de promoção da saúde, ao invés de pautarem-se no binômio saúde-doença, deveriam ser geridas pela noção de processos que levem ao desenvolvimento de ciclos virtuosos de vida, nos diferentes níveis de existência e organização social – familiar, comunitária, individual. Dessa forma, há necessidade de se rever as práticas de promoção da saúde ligadas, unicamente, as ações no campo técnico.

* Carlos José Saldanha Machado é pesquisador em Saúde Pública da Fundação de Pesquisa do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT)/Laboratório de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (LabCiTIeS) da Fiocruz. Rafaela Rodrigues Ramos é assistente de pesquisa do LabCiTIeS.

(EcoDebat/Jornal da Ciência/SBPC)



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