Re-educação para sustentabilidade. Uma coisa aborrecida ou oportuna?

Data: 15/07/2010

Re-educação para sustentabilidade. Uma coisa aborrecida ou oportuna?



Por Vânia Velloso (*)

Estou para começar aqui um texto para a revista por convite de Sônia - há tanto tempo-, e me pego divagando no trajeto metro-ônibus : Ipanema para Cosme Velho. Observo a mim mesma e as pessoas em seus fluxos cotidianos. E pondero. Quantas dali, realmente, têm algum momento de reflexão intenso e oportuno sobre a sua (re)educação para a sustentabilidade da vida, da casa onde moram ou do bairro? Momentos de pensar sobre o que podem individualmente fazer para mudar jeitos e costumes para aprimorar nosso lugar interno, nossas casas, ruas e cidades e, obviamente, o mundo. Mudar o mundo é tão vago e distante que estes anônimos-passageiros - educados ou não formalmente e na vida - que ali sentam ao meu lado, não conseguem tempo para desejar esta mudança. Para que mudar?


Eu que me sinto comprometida com os processos de educar para mudança, me percebo em períodos cansada de tentar mudar e se realmente mudei e permaneci modificada para melhor - com olhar e modos legais e atitude adequada para o ambiente. A vida mudou tão rápido em termos tecnológicos e nos afastamos tanto da natureza em si, que não sei se teremos tempo para avaliar como poderíamos mudar sem prejudicar tanto o ambiente. Como a natureza é algo abstrato ou distante no cotidiano das cidades, basta conversar sobre questões ambientais que parece suficiente como uma ocupação real.


Vivemos esta contradição, já que esta mudança tecnológica implicou em maior consumo. E consumo de coisas bem interessantes que facilitam o dia a dia. Não existe a possibilidade fácil de abrir mão daquilo que você se habituou a ter pra realizar melhor seu dia. Como fazer para mudar? E para que mudar - vem novamente a questão?


Se eu tenho que correr tanto atrás de trabalho, ficar em filas de banco, de supermercado, de postos de saúde, de matrículas de filhos em escolas públicas, ou se sou alguém um pouco mais privilegiado.... Posso deixar estas questões chatas e pensar no filme que assistirei, ou no almoço em algum restaurante, que me leve para longe destas possíveis angústias. Melhor, não é mesmo? Para que ficar relembrando os problemas ambientais para um eventual planeta difícil em um futuro tão distante daquele prazer?


Eu tento me segurar para consumir menos, resistir a comprar uma roupa nova, para reciclar todo tipo de comida que sobra na geladeira e inventar bons novos pratos. Conseguir lavar com pouca água os pratos de uma refeição, usar o mínimo de sabão e água em banhos e demais tarefas. É tudo super cansativo: mudar um jeito que se tem e ter que economizar quando a água está ali abundante, a energia está ali em um toque. Não percebo que existe desperdício.

Vou cozinhar com a TV ou computador ligados lá na sala, e levo um tempo para ir lá desligar!
Não desperdiçar pensamentos, tempo e práticas em situações que não acrescentem ou com pessoas que são resistentes (ainda) significa para mim - também - uma boa atitude para sustentabilidade... Eu tenho investido em quem deseja pelo menos escutar para avaliar se vale à pena mudar ou pensar sobre para que mudar. Tempo e dinheiro custam caro e são escassos. Logo, o trabalho educacional para sustentabilidade - nos tempos de hoje -, deve ser direcionado onde este tempo e recurso possam ser potencializados. Minha atuação é: não investir em empresas e organizações que só desejem eventos ambientais de marketing e contratam programas de educação ambiental para cumprir agenda! Eu sei que é difícil recusar trabalho, mas como educador é preciso tentar trazer para a discussão com o contratante uma meta de aprendizado que melhore a empresa, que ele perceba como algo mais acrescenta na produtividade e no clima interno de felicidade no trabalho.


Outro ponto interessante é que as pessoas no cotidiano estão bem mal educadas. A polidez foi destruída mais rápido do que o destrato com o ambiente. As pessoas não têm qualquer tolerância para o tempo do outro. A educação básica na fala, na escuta, no cumprimento quando entra ou quando saí de algum lugar está em processo de extermínio. Mesmo pessoas bem formadas. O destrato entre pessoas dentro das empresas é a maior reclamação que percebo nos encontros realizados.


Não existe possibilidade de um empregado engajar-se em um programa educacional em um clima interno de intolerância.


As pessoas ficam desconfortáveis com este assunto. Acham mesmo uma chatice! Nós, da área de sustentabilidade temos um discurso cansativo - que lembra como estamos parados, que existe problema de abastecimento de água, de salubridade, de fome, de poluição, de aquecimento global. Ufa!!!


Vejo que ainda são poucas, pessoas que tem uma atitude individual de mudança em prol da sustentabilidade, ou mesmo um ato de generosidade com o outro.


Acredito que um ato eficaz de generosidade (seja intelectual, na presença, no mundo social, financeira, na abertura da sua rede de influência) é o primeiro movimento-cidadão para que, a partir daí, possamos fazer algo no local onde habitamos e trabalhamos. Quando se está disponível para o outro, temos que fazer um esforço de escuta para saber o que ele deseja. E aí, abre-se o trinômio pensamento-ação- novo pensamento que pode incluir aspectos iniciais interessantes e inéditos de atitudes para sustentabilidade!


Resolvi isto quando verifiquei que uma ação voluntária oferece um novo olhar sobre o trabalho e sobre o aprendizado para a vida. Se não podemos ser generosos e polidos; com as pessoas que nos cercam, com os que trabalham conosco, gente diferente todo dia em estágios de vida ou de condições socioeconômicas variadas ou com alto ou baixo acesso aos bens e serviços..., como poderemos ter tempo mental e tempo para práxis na e para sustentabilidade? Esta generosidade que eu escrevo aqui não é aquela de permanecer ofertando cesta básica, roupas em orfanatos etc., isto tem limitada validade em épocas de crise, de fome ou de emergências socioambientais, em função de algum evento trágico ou de abandono total de comunidades em áreas remotas e críticas, mas não aprimora nada o outro para se conectar ao seu espaço de pertencimento.


Assim é como observo os processos de educação para sustentabilidade que alguns profissionais têm como desafio. Um desafio em apresentar ao mercado o algo mais inovador que mexa nesta zona de conforto de cada um - que abra mesmo a caixa de Pandora-, e que possamos colocar males, demônios, conflitos, riscos e interesses sobre a mesa do aprendizado e nas discussões de oportunidades de mercado dentro de organizações da sociedade civil e nas empresas. Tenho sido convidada para participar de cursos, tanto como professora-aprendiz, ou como aluna- em dúvida. Em ambos os casos, não perdi a habilidade para indignar-me com aquelas palestras ou aulas de empresas com conteúdos corporativos e professores que trazem o óbvio morno, sem a menor consideração com o tempo e capacidade reflexiva das pessoas ali presentes. Pessoas, que mesmo tímidas ou reservadas - nestes espaços de evidência - podem ter esclarecimentos e percepções que mudam raciocínio e melhoram práticas.


A educação para sustentabilidade - nestes cursos ou palestras de aperfeiçoamento -, deve privilegiar a qualidade da conversa com conteúdos inusitados que poderão trazer maior aflição. Este incômodo no processo de aprendizado é fundamental e super oportuno na educação inovadora para sustentabilidade. Aquele que deseja apreender, ou que precisa se modificar para influenciar o outro, deve ser surpreendido no espaço de troca de saberes.

Estes conteúdos, mesmo que se tenha um programa específico sobre um tema socioambiental; abastecimento e falta de água, geração e uso de resíduos etc, devem ser estimulados no inicio da conversa com o algo mais que Merleau Ponty (1) bem definiu como originário do pintor Cézanne (2). O algo mais da criação em contato com a natureza e com o espaço e pessoas que você pode estar e compartilhar. O algo mais em sustentabilidade é trazer à luz um olhar curioso no ambiente habitado e modificado, através da abertura para a entrada do conhecimento e conseqüente abertura para novas práticas neste ambiente. Esta abertura tem que passar pela conexão com a arte, a literatura, o cinema, a memória das civilizações, a história das culturas, as teorias e linhas do pensamento na filosofia. São recursos interessantes para fazer o aluno - participante ser um algo mais dentro do curso. São os outros ambientes, além da natureza, que denominamos ambientes do saber e da experiência que passamos a experimentar e trazem o algo mais citado. Quando estes conhecidos e esquecidos ambientes são integrados e fazem sentido para quem escuta e dialoga nos cursos, abre-se um início de resposta do para que perguntado anteriormente.

Abre-se o algo mais de compreensão desafetada de rejeições sobre o nosso papel individual e coletivo nisto tudo! Pode ser um bom começo para refletir sobre nosso jeito de ser no mundo para uma sustentabilidade gradual e possível dentro de cada um!


Os novos mestres-corporativos (técnicos e especialistas) não usam estes recursos - que fogem do escopo da linguagem das empresas e normalmente parecem distantes dos processos específicos de produção. Mas podem usar. Basta arriscar em uma nova linguagem e metodologia de aproximação entre ensinamento e aprendizagem.


A produção do conhecimento para a sustentabilidade não deveria ficar somente nos processos ou sistemas de gestão que viabilizam os produtos das empresas. É necessário e oportuno conversar e trocar um novo saber com os técnicos das empresas e de organizações civis com a inclusão dos processos artísticos, literários, culturais e filosóficos integrados aos valores de mercado e aos processos inerentes e comuns nas empresas A tão escrita e apregoada governança corporativa e gestão dos empregados para maior produtividade tem que usar novas formas de linguagem para chegar junto ao público.


Deve-se aprofundar mais seriamente esta conversa que começou nos últimos 5 anos nas empresas sobre reputação empresarial, imagem no mercado e papel social da empresa, o lucro máximo ou lucro ótimo dentro do viés da sustentabilidade. E isto tem sido feito de maneira tímida ou superficial. Quando olhamos a fundo as práticas empresariais para sustentabilidade ou os cursos em educação socioambiental, verificamos que avançaram ainda bem pouco na direção firme de mudança de atitudes de seus líderes e seguidores. A liderança influencia os empregados e fornecedores. E nossa liderança empresarial não tem tempo para as novas linguagens, não tem tempo mental e físico para a arte, para o cinema, para leitura que não seja técnica. Para usar os recursos da arte, da literatura e da cultura é preciso desejar, olhar e entender o sentido destes recursos disponíveis - mas com uma absorção nada papável como processos de produção industrial, de produção de coisas. É possível e eficaz conectar o mundo da arte com os processos de produção. Pois a arte não existe sem a vontade, “criação” técnica e meta do artista. É absolutamente idêntico ao processo de produção nas empresas.


Para finalizar, segue uma sugestão inicial de como um líder ou gestor deve contratar um programa de educação para sustentabilidade, mesmo que tenha sido exigido como condicionante de licença ambiental. Já que é obrigatório realizar, faça direito e aplique bem os recursos financeiros e humanos disponíveis. A pensar e realizar:


1. Discuta com sua equipe o para que deste programa educacional para sustentabilidade e em quanto tempo sua empresa ou organização deseja chegar a um resultado de mudança;


2. Como liderança, defenda programas no mínimo com 3 ou 5 anos de prazos no contrato com os prestadores de serviço. Não existe um programa educacional para sustentabilidade bem feito dentro de empresas, organizações ou nas comunidades com contratos de um ano;


3. Inclua no escopo dos serviços a serem contratados o treinamento da sua equipe com o item numero um do escopo do programa. Treine antes. Nivele os conceitos, linguagem e objetivos da sua equipe - sem perder a criatividade de cada membro – como fator imprescindível – de forma que contratado e público de interesse percebam coerência no que a empresa ou organização deseja.


4. Comece os programas com a perspectiva de uma conversa que traga uma iluminação nas mentes de sua equipe. Encante a sua equipe com conceitos e experiências diferenciadas e com resultados aferidos. Desta forma, esta equipe vai conduzir o trabalho com mais foco e cuidado na relação junto aos prestadores de serviço de programas educacionais para sustentabilidade;


5. Fique atento aos cronogramas, épocas do ano, números de eventos que competem entre si em determinado período para não programar algo que não possa ser executado dentro da empresa e nas comunidades. A contratação dos serviços tem que ser realizada em função do calendário das escolas, comunidades e da empresa;


6. Acrescente o algo mais no escopo que traga para sua empresa uma discussão e uma experiência educacional continuada para a sustentabilidade.


7. Faça do programa de 3 ou 5 anos um processo permanente de educação e mudança de atitudes para os outros líderes, para empregados, fornecedores e os públicos externos de interesse.


8. Concentre mais energia e recursos financeiros no programa interno, principalmente com as lideranças e depois os demais empregados, pois isto é parte fundamental do sistema de gestão ambiental e obrigação natural da empresa, e tente alguma contrapartida ou parceria junto aos órgãos públicos, ONGs e público envolvido ao assumir os programas externos A contrapartida pode ser um apoio político real ao programa ou recursos de suporte como: transporte, locais para os encontros e cursos, liberação das equipes que precisam ser treinadas e reeducadas para sustentabilidade etc.


(*) Vania Velloso (vaniavelloso@terra.com.br) é arquieta, especialização em filosofia e gestão ambiental, artista e cozinheira.



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