Entre a própria defesa e a proteção humana

Data: 28/06/2010

Entre a própria defesa e a proteção humana



Por Julio Godoy*



Entre críticas e aplausos de ambientalistas e especialistas, nasce na Alemanha um programa de ampliação de florestas silvestres para cobrir até 5% de seu território. O programa da Agência Federal Alemã para a Conservação da Natureza (BfN) tem como meta multiplicar por dez, até 2020, a área atual de regiões quase sem intervenção humana, que chega a 194 mil hectares, segundo estimativas oficiais.

“As áreas que podem ser consideradas selvas silvestres correspondem aos núcleos dos 14 parques nacionais”, espalhados por diversas partes do país, explicou ao Terramérica a presidente da BfN, Beate Jessel. O argumento central para defender o plano, lançado este mês como contribuição ao Ano Internacional da Diversidade Biológica, é que essa superfície é pequena comparada, por exemplo, com os parques naturais da Grã-Bretanha, que cobrem mais de 8% de seu território.

As florestas começaram a retroceder nos países da Europa a partir da industrialização, há mais de 200 anos, processo este que se acelerou desde meados do Século 20. O desaparecimento destes ecossistemas originais é mais palpável nas margens dos rios, quase todos canalizados, ou nas regiões costeiras, devido à construção de diques e outras medidas de proteção contra marés. Inclusive as florestas relativamente intactas no coração dos parques nacionais mostram diferenças substanciais com relação à selva original do centro da Europa.

Apenas nos países nórdicos e em partes da Europa oriental subsistem áreas naturais extensas, consideradas fundamentais pelos especialistas para proteger a diversidade biológica e amortizar os efeitos da mudança climática, pois permitem recriar o ambiente sem perturbações humanas. “São muito úteis como espaços de comparação e de estudo da dinâmica natural da evolução, e cujos ensinamentos podemos colocar em prática em uma futura política de proteção ambiental”, disse Jessel.

A União Internacional para a Conservação da Natureza define essas selvas silvestres como extensas áreas que conservam seu caráter original, onde reina uma grande diversidade biológica. Jessel disse que a Alemanha deve ter a coragem de “deixar que a natureza reine novamente em extensas áreas de seu território”. Entretanto, ambientalistas duvidam que conceitos como “selva selvagem” e “floresta silvestre” sejam úteis para a proteção da biodiversidade.

“Esta lógica não é completamente falsa, mas esconde que a intervenção humana com intenções de proteção ambiental também contribui de maneira essencial para os mesmos objetivos”, disse ao Terramérica a professora de ecologia Gisela Kangler, da Universidade Técnica de Munique. Nas áreas protegidas, a intervenção do homem impede que espécies particularmente predadoras se transformem em pragas, destruindo, de maneira natural, um equilíbrio ecológico artificial, mas desejável, afirmou.

O fenômeno inverso é comum nas áreas silvestres. Nos anos 80, a proliferação de escaravelhos quase destruiu uma região central do Parque Nacional da Floresta da Baviera, criado em 1967, e obrigou as autoridades locais a intervirem, contra suas intenções iniciais.

Esta alternativa é compartilhada por ambientalistas da BfN. Axel Ssymank, especialista em biótopos e ecologia da paisagem, disse ao Terramérica que muitas regiões não florestais são hoje o novo habitat de espécies expulsas das cidades próximas ou de campinas cultivadas de modo intensivo. “Tais áreas devem ser protegidas e não se pode permitir que a selva silvestre as ocupe”, sob pena de destruir de maneira natural o novo ecossistema, destacou Ssymank. “A floresta alemã estaria hoje constituída em 80% a 90% por faias se nossos antepassados não tivessem diversificado por razões comerciais”, acrescentou.

Para Ssymank, a sociedade “deveria desenvolver intencionalmente a selva silvestre”. A evolução demográfica de algumas regiões alemãs pode ser um elemento a favor desse desenvolvimento, portanto artificial, da natureza, afirmou. No “Informe sobre a Mudança Demográfica no Estado Federal de Brandenburgo”, o privado Instituto de População e Desenvolvimento de Berlim propõe o pagamento de incentivos para que a população local emigre a fim de a natureza assumir por si só o lugar.

Nesse distrito situado ao redor de Berlim, antes uma área industrial da desaparecida República Democrática Alemã, impera a pobreza e o desemprego chega a 11,1% da população economicamente ativa. As escassas perspectivas de desenvolvimento impulsionam uma constante emigração, a ponto de ter apenas 86 habitantes por quilômetro quadrado. Diante de realidades com as de Brandenburgo, “o governo deve guiar a redução da população em beneficio da natureza”, segundo Reiner Klingholz, autor do estudo.

Klingholz disse ao Terramérica que “não é nem mesmo necessário desmantelar as cidades e as regiões industrializadas abandonadas, pois os prédios desertos são, em determinadas situações, ecossistemas mais variados do que uma floresta de pinheiros”. No entanto, autoridades de municípios alemães em decadência ainda insistem em subvencionar o assentamento de indústrias, comércios e habitantes, oferecendo isenções tributárias e urbanizando extensas áreas que, segundo ambientalistas, poderiam ser abandonadas para que a natureza assumisse.

* O autor é correspondente da IPS.




Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.



(Envolverde/Terramérica)


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