Sustentabilidade: desafio que marca 2010

Data: 25/06/2010

Sustentabilidade: desafio que marca 2010


Se considerarmos o número de encontros que aconteceram nesse início de ano no país, podemos constatar que estamos, definitivamente, num profundo momento de transformação. Isso nos dá certa esperança, apesar das tristes notícias trazidas pelas fortes reações da natureza à nossa incapacidade de relacionamento com ela.

Em abril, o encontro do Gife, desta vez sediado no Rio de Janeiro, foi palco de um “tribunal” em que o investimento social privado foi literalmente colocado no banco dos réus e julgado. E não escapou de acusações bastante graves, embora tenha sido absolvido no final, com reprimendas sérias que serão avaliadas no próximo Congresso, previsto para daqui a dois anos. Os pontos mais criticados: privilegiar o marketing de suas ações e comprometer a transparência para seus stakeholders.

Outro ponto fundamental de destaque é a pouca capacidade que as empresas têm de ouvir. Quando ainda chamamos nossos vizinhos de “comunidade do entorno” fica claro o quanto não respeitamos a autonomia e a capacidade de protagonismo das comunidades onde decidimos investir.

Em maio, encontramos uma Conferência do ETHOS renovada. Parece que resolveram escutar. Pela primeira vez o auditório convencional foi substituído por uma arena. Os palestrantes, que eram quase sempre os mesmos, os mais próximos da instituição e com baixa interação com os participantes, foram substituídos por novos profissionais. Imaginem que, em todos os painéis, havia mulheres como palestrantes e, além disso, as perguntas foram feitas no microfone. Ficou para trás o medo de dar a palavra a uma plateia qualificada, inteligente, que usou as perguntas para abrir as portas da mente.

Além disso, nasceu o Open Space, que permitiu a quem quisesse colocar seu tema e ganhar uma mesa para trocar com outros interessados no tema. Leonardo Boff, depois de uma tocante palestra, caminhava pelos espaços como um messias do novo tempo, seguido por jovens que reconheciam seu papel histórico de vanguarda. Na palestra do Presidente da Petrobras os jornalistas decepcionaram nas perguntas, mas a plateia cumpriu seu papel e Sérgio Gabrielli demonstrou profundo conhecimento dos desafios da empresa.

Mas a grande inspiração do encontro, em minha opinião, ficou por conta da escritora americana Janine Benyus, especialista em ciências naturais e biomimética, e de Oscar Motomura, diretor do Grupo Amana-key. Ela nos mostrou slides de espécies vivas e as tecnologias da natureza que estão ajudando o ser humano. As tecnologias naturais são incríveis, bizarras e de uma inteligência superior impressionante, como a de uma lagartixa que produz cola em seu próprio corpo para não cair da parede. Oscar começou lembrando a Carta da Terra, que é quase uma oração, convidando-nos a respeitar todas as formas de vida do universo. De acordo com ele, muitos de nós, “analfabetos ecológicos”, não “percebemos” os seres vivos, ficamos focados nos seres humanos.

Considerando os debates do Gife sobre o racismo e a vergonhosa situação dos presidiários no Brasil, privados de qualquer tipo de investimento social, eu diria que, às vezes, nem os seres humanos conseguimos enxergar...

Oscar também paralisou a plateia quando comentou sobre os stakeholders: “É básico encontrar o acionista como público número 1 nas missões das empresas, mas ele não seria o último? Ele não seria o fim da linha como premiado por ter atendido a todos os demais stakeholders, como colaboradores, clientes, sociedade? Como vamos mudar as regras que regem o mundo atual e considerar realmente a natureza, a justiça social?” – nos pergunta Oscar. E conclui:

“Ética é a escolha pelo bem comum, para todos os seres vivos. Se ética é escolher o bem comum, decidir não agir não é ético. O silêncio e o medo não são éticos. Não ir contra a maioria, decidir pelo viável e não pelo inviável, não é ético. Decidir por interesses pessoais, entrar no jogo, se conformar pela letra da lei, sem chegar ao “espírito da lei”, não é ético”.

Também no Rio de Janeiro conheci a Conferência do Reputation Institute. O difícil vai ser não estar na próxima, que será em New Orleans. Ali encontramos presidentes de empresas, a maioria fazendo transformações difíceis, que falaram de suas realizações com a sinceridade do desafio que está a nossa frente.

Também presenciamos excelentes palestras de acadêmicos que, ao medir a reputação das empresas, identificaram claramente o mesmo caminho: é preciso verdade, transparência, ousadia. Tirar a sustentabilidade dos slides de power point que definem missões sem “espírito”, arregaçar as mangas e realmente começar a descobrir como fazer: agindo a partir das lideranças, dos colaboradores e saindo para a sociedade de cara limpa. Todos também ressaltaram a importância de ouvir. Mais do que isso, de conseguir escutar. A empresa não é dona de sua reputação de marca, ela pertence aos stakeholders, que hoje são jornalistas, fotógrafos, cineastas...

O que tenho sentido no Brasil é que as empresas começaram a pagar para ouvir. O problema é que escutar os diagnósticos parece impossível. Eu mesma fiz uma palestra sobre como não é difícil ouvir, o difícil é agir com consciência sobre as percepções dos stakeholders. Aqui a palavra chave foi engajamento.

Bem, é impossível contar tudo o que foi transformador, iluminador nesses últimos três meses para quem está em busca de enfrentar nossas dificuldades para agir rápido na construção da nova civilização. Fui uma privilegiada por poder participar dos três encontros. Estou certa da importância estratégica da transformação da liderança e de uma nova hierarquia no planejamento de comunicação para os stakeholders. E estou ainda mais firme no meu propósito de promover diálogos sem medo, aprimorar a minha capacidade de ouvir e criar diagnósticos inspiradores.

(*) Nádia Rebouças (nareboucas@reboucaseassociados.com.br) é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre Sustentabilidade. É diretora da Rebouças e Associados.

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