Os refugiados da água: problemas globais, soluções locais?

Data: 18/06/2010

Os refugiados da água: problemas globais, soluções locais?


Guilherme Stolle Paixão e Casarões.

Existe uma categoria de indivíduos, os refugiados, que muito interessa aos estudiosos de política internacional. No início, o interesse vinha do contexto que levou ao surgimento de grandes grupos humanos que buscam refúgio em outro país. Afinal, onde há guerras, onde há ditaduras ou perseguição política, há também uma grande chance de surgirem refugiados em números expressivos.

A recorrência do fenômeno fez com que se mudasse o foco do problema, e agora a preocupação relaciona-se não somente com o contexto, mas com o impacto que os refugiados podem causar sobre as sociedades que os recebem. Por isso mesmo, uma das preocupações mais fundamentais da Organização das Nações Unidas, ainda no calor da Guerra Fria, foi criar uma agência especializada para lidar com os refugiados – o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, ACNUR.

Enquanto as mazelas do mundo se resumiam às guerras, conflitos e perseguições a liberdades individuais, os refugiados eram encarados como um fenômeno único. O contexto internacional mais complexo em que vivemos hoje, contudo, demanda o uso de certos adjetivos como forma de tornar a análise mais clara e permitir soluções mais específicas. Se fogem não de guerras, mas das condições cada vez mais precárias de clima, solo, ou mesmo de catástrofes naturais, fala-se em refugiados ambientais ou climáticos. Caso o deslocamento maciço de pessoas para outras áreas se dê em função da falta de água potável, presente ou potencial, ou de catástrofes relacionadas com questões hídricas, o nome correto a se usar é refugiados da água.

Embora o problema não seja novo, este subgrupo dos refugiados ambientais foi criado há pouco tempo, face aos problemas hídricos que crescem exponencialmente. É fundamental pensarmos que tipo de impactos a escassez ou a má gestão dos recursos hídricos tem causado sobre as comunidades humanas.

Deve-se ressaltar que os problemas gerados pela falta de água não são somente locais. A produção de grãos global, por exemplo, sai comprometida deste processo. Isso pode gerar, num futuro próximo, racionamento de comida em algumas regiões, aumento do preço das commodities, disputa predatória pelo mercado de grãos e até mesmo a intensificação do desmatamento – em países como o Brasil, onde a fronteira da soja esbarra nos limites da mata virgem.

E o problema não está somente na escassez, mas também na abundância: somadas ao aquecimento global, as questões hídricas assumem uma dimensão ainda mais preocupante. O aumento dos níveis dos mares pode inviabilizar a vida humana em várias regiões costeiras. Ilhas do pacífico encontram-se em processo de desaparecimento, fazendo com que populações inteiras tenham que migrar para países vizinhos. As catástrofes ambientais observadas nos últimos anos com uma freqüência espantosa, de furacões a tsunamis, atingem indiscriminadamente ricos e pobres, dos Estados Unidos à Indonésia, passando por Chile e Sri Lanka. Mais refugiados entram nessa conta e, com o perdão do trocadilho, menos países (principalmente os que habitualmente servem de refúgio) dispõem-se a pagar a conta – que, mesmo sem estimativa concreta e agregada, sempre ronda a casa das dezenas de bilhões de dólares anuais.

Por fim, uma auto-reflexão. Passamos, nos últimos meses, por repetidas tragédias causadas pelas tais tempestades tropicais. Para gerações passadas, uma chuva forte não significava, necessariamente, calamidade pública. Hoje, essa relação é imediata. Do Sudeste para baixo, o verão foi recebido embaixo d’água. Cidades em alerta, enchentes, alagamentos de toda sorte, deslizamentos de terra viraram notícia diária, sem que muito pudesse ser feito a respeito. Os que acreditam que nosso país está imune aos efeitos dos maus-tratos à natureza devem pensar novamente. Em pouco tempo, ampliadas as proporções, não poderão os desabrigados pelas chuvas torrenciais se transformar em refugiados da água? Resta saber se esta é a forma como queremos ver o Brasil nas manchetes dos jornais, ou se, ao contrário, faremos algo a respeito com um certo senso de urgência.


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