A História da Ciência

Data: 07/06/2010

A História da Ciência




Roberto Saturnino Braga é Colunista de Plurale (*)


O Clube de Engenharia ofereceu este mês, a sócios e não-sócios, um breve curso sobre a História da Ciência, ministrado por três professores doutores no assunto, Agamenon Oliveira, Gastão de Carvalho Souza e José Carlos de Oliveira . Numa casa de engenheiros, naturalmente a ênfase tinha de cair sobre a história da física, mas uma boa explanação foi dedicada à biologia, especialmente à teoria de Darwin, pelo Dr. Gastão. E como é fascinante ver desvendado o encadeamento e as ligações entre as descobertas fundamentais na progressão do conhecimento científico: a linha de sucessão dos trabalhos de Copérnico, Galileu, Kepler e Newton; como a das descobertas de Faraday, Maxwell e Einstein; e ainda a influência das opiniões de Malthus na revelação da seleção das espécies de Darwin.


Sim, fatores de diferentes origens e naturezas se entrelaçam no florescimento da razão e do conhecimento em cada momento histórico. E como é decisivo o momento histórico. Assim, a prática da democracia, com a ampla liberdade de opinião em praça pública, e o contato de um povo de navegantes com as várias civilizações do oriente produziram o “milagre grego” do pensamento, no qual despontou o primeiro cientista da Humanidade que foi Aristóteles. A desestruturação da vida política e social na Europa, com a derrocada do Império Romano, e a força avassaladora da revelação religiosa sobre a razão humana conduziram a mil anos de eclipse do pensamento científico durante a Idade Média. E a reestruturação dos aglomerados metropolitanos e a criação das primeiras Universidades possibilitaram o advento de Renascimento com todas as suas fulgurações literárias, artísticas e científicas.


A observação sistemática é a partida: o que fez Aristóteles pela primeira vez. Mas a matematização dos fenômenos, feita a partir de Galileu, desenvolvida através da medição das observações, é o fator que dá o impulso definitivo no conhecimento científico. Até o ponto em que essa acuidade de observação, ampliada pelos instrumentos cada vez mais aperfeiçoados, e especialmente essa matematização, cada vez mais complexa e abstrata, acabaram por superar inteiramente a própria capacidade da mente humana de “ver”, de intuir e compreender a realidade em que estamos inseridos. A ciência tornou-se inalcançável pelo senso comum, como era no tempo de Newton. Nenhum de nós, humanos, é capaz de entender e figurar o que é o espaço-tempo, definido somente através da matemática de Einstein. Como não entende as relações entre matéria e energia, nem as indeterminações da teoria quântica.
Augusto Comte merece uma atenção maior do que a que lhe é dada nos cursos de filosofia.

Não só pela engenhosa e admirável sistematização das ciências que fez, colocando a matemática como primeira e fundamental, como pela intuição de prever a extraordinária importância que teria a “Física Social”, a última das suas ciências, em cujo conceito ele compreendia a sociologia e a política. É que o peso da presença do positivismo, da visão positivista, na política de hoje é realmente enorme, muito maior, a meu ver, do que a maioria dos observadores políticos reconhece. A idéia, tão difundida no mundo, não só no Brasil onde o positivismo alcançou o poder por tanto tempo, a idéia tão cara aos engenheiros e aos militares principalmente, de que os problemas políticos podem e devem ser resolvidos pela ciência, pelo conhecimento, pela razão é, no fundo, eminentemente positivista e, como tal, não-democrática. Dirigentes necessariamente teriam que ser sempre cultos, conhecedores, para bem governar, e governados teriam que ser educados para, então, ser praticada democracia.


Esse pensamento político se sustenta, claro, no enorme prestígio da ciência e da tecnologia, que operaram verdadeiros milagres, lançados muito além do que a imaginação prodigiosa de Julio Verne podia conceber em passado tão recente. Assim, nada mais natural que esperar que as questões políticas também possam ser solucionadas pela ciência, pela razão da ciência, nem que seja através da força, a força do Bem, daqueles que possuem a ciência, usando a incomensurável capacidade bélica que ela produziu.


O fato é que o homem, desde o início das eras, vem desafiando Deus com o potencial da ciência e da técnica. Adão desobedeceu e comeu o fruto da árvore do conhecimento, o único que lhe era proibido. Prometeu se deu muito mal roubando o fogo, mas Odisseu nem tanto, levou dez anos lutando mas venceu a ira de Posseidon e conseguiu voltar para casa, depois de derrotar os troianos com a astúcia da sua ciência.


O acicate deste desafio é um vetor muito forte dentro da alma humana, capaz de passar por cima dos traumas que a própria ciência lhe vai causando. A ciência de Copérnico e Galileu tirou o homem do centro do universo; a ciência de Darwin tirou do homem o privilégio de ser especialmente criado à imagem de Deus; a ciência de Freud tirou do homem o comando absoluto e consciente de si mesmo; a ciência de Hegel e de Marx tirou-lhe este mesmo comando da capacidade de fazer história; e, entretanto o homem continua buscando, sempre mais, quer sempre mais e mais ciência, orgulhoso do saber que lhe possibilita afrontar Deus, cada vez mais perto dele, da origem do espaço e do tempo, da matéria e da energia, da geração de tudo a partir do nada.


Ao leigo por vezes podem parecer quase ridículas as teorias sobre o primeiro milionésimo de segundo após o “big bang”, ou supérfluos os gastos estratosféricos para construir gigantescos aceleradores de partículas afim de fotografar o “bóson de Higgs”, ou para detalhar propriedades dos seis tipos de “quarks” e de “leptons”.


Mas é realmente fascinante. E realmente perigoso. O homem criou a bomba atômica e agora está criando a célula da vida. Que perigo. Mas é o homem.


(*) Roberto Saturnino Braga é Colunista de Plurale, colaborando com um artigo por mês. Ex-senador, com experiência pública de toda a vida, coordenador da ONG Instituto Solidariedade Brasil, autor de vários livros, o mais recente "No curso das Ideias -- Política, Editora Publisher Brasil", de 2009.




< voltar