As semelhanças e diferenças na redação de um artigo científico e de uma patente

Data: 26/05/2010
Mundialmente, a necessidade de publicar artigos é reconhecida como inerente a universidades e centros de pesquisa, para a liberação do conhecimento.

É inquestionável, portanto, que escrever artigos "já está no sangue" do pesquisador. A prática de publicar artigos levou o cientista nacional a vencer as mais rígidas normas internacionais. Por outro lado, escrever patentes ainda é um problema para ele, que considera o assunto complicado e trabalhoso, levando alguns a "esquecer" esse procedimento tão sério e importante para o pesquisador, universidade e Brasil.

O primeiro artigo nunca é esquecido. Para a publicação do artigo, são muitas as normas - espaçamentos, tamanhos da fonte, referências, etc. - a serem obedecidas que, para a colocação em prática, só depois da leitura de muitos artigos. Depois de tudo isso, o artigo é submetido ao revisor que, normalmente, faz algumas exigências e questionamentos que devem ser cumpridos e satisfeitos. Após a publicação do artigo, o pesquisador já está pronto para redigir os próximos. Depois do primeiro, os outros são quase automáticos, ao longo da carreira acadêmica.

O mesmo acontece com a redação da primeira patente, é como se fosse o primeiro artigo.

Tudo é difícil, complicado e burocrático no início, mas, depois, também passa a ser automático para o pesquisador preocupado em proteger anos de pesquisa.

Quais, então, as diferenças e semelhanças entre a redação do artigo científico e a da patente? Inicialmente, a publicação de um artigo concretiza o direito autoral e, consequentemente, o crescimento profissional do pesquisador. Quanto mais artigos, mais conhecido ele será, mais facilmente conseguirá financiamentos para seus projetos. Por outro lado, o simples depósito do pedido de patente garante a expectativa do direito de propriedade industrial, garantindo o recebimento de royalties provenientes da comercialização da patente, ou mesmo do simples pedido depositado. Enquanto o artigo confirma a competência científica do pesquisador, a patente comprova sua responsabilidade na proteção do conhecimento obtido através do investimento direcionado a sua pesquisa. O artigo é subdividido em introdução, materiais e métodos, resultados e discussão, conclusão, agradecimentos e referências. Na introdução, é feita uma breve explanação sobre a pesquisa bem como a descrição do estado da arte de conhecimento do autor, citando sempre os artigos relacionados. O relatório do pedido de patente é semelhante. Ele começa com a introdução, que é composta do campo da invenção (onde se menciona as áreas tecnológicas em que a patente poderá ser utilizada), o estado da técnica (estado da arte + patentes) - onde são descritos os problemas técnicos existentes, de conhecimento do depositante, que se pretende solucionar -, fazendo sempre menção às patentes que o reflitam e finalmente, um resumo da solução proposta para o(s) problema(s) apontado(s). No artigo, existe a parte onde são descritos os materiais e os métodos empregados na obtenção dos resultados, por exemplo: tipos de reagentes, etapas e variáveis processuais, equipamentos para a realização e/ou caracterização do material, etc. No relatório descritivo da patente, também existe uma parte semelhante, onde se descreve detalhadamente a invenção, através das etapas processuais, equipamentos empregados, tabelas comparativas entre o que está sendo protegido e o que já é conhecido. A parte relativa aos resultados e discussão do artigo científico se equipara à descrição detalhada no relatório descritivo da patente, onde: (i) a invenção é descrita pormenorizadamente de modo a permitir sua reprodução por um técnico no assunto; (ii) é ressaltada a diferença entre a matéria pleiteada e o que já é conhecido do estado da técnica; (iii) são apresentados e discutidos os resultados alcançados; (iv) são apresentados os exemplos da melhor forma de realização bem como, os exemplos comparativos entre os resultados alcançados e aqueles atingidos pelo estado da técnica, enfatizando, assim, a atividade inventiva introduzida no que já é conhecido. Tanto a redação do artigo quanto a do relatório descritivo da patente, terminam com uma conclusão. Diferentemente de alguns artigos, na patente, os desenhos e gráficos devem ser apresentados como anexo, após o quadro reivindicatório e antes do resumo. Entretanto, existem algumas diferenças na redação do artigo e da patente: (i) na patente, diferentemente do artigo, não existe a parte relativa aos agradecimentos e referências bibliográficas. Nela, as referências são citadas ao longo do texto e não, ao final, como se fosse um anexo; (ii) na patente existe uma parte denominada "quadro reivindicatório", local onde os direitos do depositante estão delimitados e protegidos, segundo o artigo 41 da Lei 9.279/96. Em uma demanda, os direitos do depositante estarão restritos ao que está definido no quadro reivindicatório e não, no relatório descritivo; (iii) o foco do artigo é a pesquisa científica enquanto que o da patente, uma descrição essencialmente técnica, passível de industrialização; (iv) no artigo, por exemplo, a temperatura, o pH, etc., descritos na metodologia devem ser definidos - temperatura 200 oC, pH igual a 3, etc. - enquanto que, na patente, essas informações devem vir sob a forma de faixas (100 °C a 500 °C, pH de 1 a 6, etc.) para resguardar os direitos do depositante. Sem dúvida, uma outra diferença entre a patente e o artigo é o tempo para sua concessão. Enquanto o artigo é publicado em meses, a patente leva cerca de cinco ou seis anos para ser concedida, dependendo da área tecnológica. O que muita gente não sabe, entretanto, é que essa demora não é exclusiva do Brasil. A concessão de uma patente nos Estados Unidos, por exemplo, leva em média cinco anos. As exceções ficam por conta do Japão e da Coreia do Sul, com uma média de dois anos e meio para liberar a patente. Assim, está claro que a maneira de escrever um pedido de patente é bastante semelhante à de um artigo. Se o artigo precisa seguir uma formatação específica, a patente, também e, ambas - espaçamentos, tamanhos de letra, margens, etc. - são simples. O mais difícil de aceitar é despender anos de pesquisa, tirando "leite de pedra" e ver terceiros que não fizeram qualquer esforço, se apropriando do árduo trabalho, simplesmente porque se considera a redação de uma patente complicada e burocrática. Então, como redigir um pedido de patente? Muito simples. Para a redação de artigos internacionalmente respeitados foi necessário, além do conhecimento técnico, a leitura de vários artigos semelhantes para aprender a formatação exigida. Para começar a redigir o pedido de patente, além do conhecimento técnico, é imprescindível a leitura de outras patentes para se familiarizar com sua redação (o que e até onde descrever), protegendo a pesquisa e garantindo os direitos industriais. É importante ressaltar que a leitura de patentes não permite apenas aprender a redigir um pedido de patente, mas, considerando que ela é uma das maiores e mais importantes fontes de pesquisa - devido a exigência de descrever tecnicamente a melhor forma de realizar a invenção - permite conhecer e ser reconhecido pelos concorrentes/parceiros nacionais e internacionais, conhecer tecnologias alternativas além de, quando for o caso, realizar a engenharia reversa. O pesquisador nacional está acostumado a vencer as mais rigorosas normas internacionais para a publicação de artigos, uma vez que, reconhecidamente a pesquisa nacional tem potencial tecnológico para tanto. Consequentemente, ele também possui condições de redigir pedidos de patentes também de alcance internacional, bastando para tanto, apenas "enfrentar o bicho de sete cabeças" e começar a redigir pedidos de patente da pesquisa que possui potencial tecnológico e industrial. Tudo é uma questão de cultura. A cultura de redigir artigos já está perfeitamente consolidada. Agora, é preciso fazer o mesmo com a redação da patente.
Sonia Regina Federman é examinadora de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
Fonte: Inovação tecnológica_UFSCAR


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