Biodiversidade para um mundo mais e melhor alimentado

Data: 24/05/2010

Por Paul Virgo, da IPS

Destacar o vínculo entre diversidade agrícola e segurança alimentar em um contexto de mudança climática foi um dos principais objetivos da Semana da Biodiversidade, que terminou ontem em Roma. Convocada pela organização não governamental Bioversity International, com sede na capital italiana, a Semana antecedeu a celebração, no dia 22, do Dia Internacional da Diversidade Biológica.

A perda de biodiversidade constitui uma enorme ameaça à segurança alimentar e, em definitivo, à sobrevivência da espécie humana, bem como de milhões de plantas, animais e bactérias com as quais compartilhamos o planeta. “A perda de biodiversidade não é apenas uma questão de proteger paisagens e espécies. Também se trata de assuntos agrícolas dos quais dependemos para cultivar nossos alimentos”, disse à IPS Marco Contiero, do Greenpeace. Está previsto que o aumento da frequência de eventos climáticos extremos exigirá uma luta em várias frentes para a segurança alimentar.

Isto significa que, embora a tecnologia dê aos agricultores a solução para uma dessas frentes, por exemplo, com sementes geneticamente modificadas para resistir às secas, este cultivo correrá o risco de se perder quando enfrentar outro problema, como um excesso de chuvas ou um período frio fora de temporada. Para piorar as coisas, a mudança climática pode prejudicar mais as áreas que já sofrem insegurança alimentar, como África subsaariana e Ásia austral.

A biodiversidade pode fornecer a resposta em vários sentidos, dizem alguns especialistas. Primeiro, combinar vários cultivos em uma mesma área dá aos agricultores uma espécie de “chancela”, já que aumenta as chances de pelo menos uma parte da colheita conseguir resistir às pressões. Isto não ocorre com as monoculturas. Deste modo, os agricultores poderiam produzir menos em determinado ano, mas garantiriam maior rendimento no médio prazo, segundo vários estudos.

A diversidade de espécies também reduz a ameaça de pestes e enfermidades, ao diluir a disponibilidade de potenciais organismos receptores, e melhorar a fertilidade dos solos. Portanto, reduz a necessidade de herbicidas, pesticidas e fertilizantes, que são caros e prejudiciais para o meio ambiente. Também é importante para o aspecto nutricional da segurança alimentar.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) diz que no mundo são mais de um bilhão de pessoas que sofrem fome, três quartos das quais são pobres que vivem em áreas rurais de países em desenvolvimento. E a quantidade de maus nutridos por culpa de dietas de má qualidade é muito maior.

“Os agricultores pobres não têm reservas, e a biodiversidade é a principal ferramenta que possuem para lidar com o risco. Assim, é preciso olhar a diversificação agrícola com um enfoque muito diferente, que se baseie no uso da diversidade”, afirmou à IPS o diretor-geral da Bioversity International, Emile Frison.

“Há múltiplos benefícios que podem derivar disto, não apenas do ponto de vista de uma agricultura mais sustentável, mas também pelas vantagens de ter uma agricultura diversificada, que leve a uma dieta diversificada. Isto é essencial para a boa nutrição e a saúde, e está se convertendo em um problema extremamente importante em muitos países em desenvolvimento”, acrescentou.

Algo crucial é que a diversidade de cultivos também permite aos produtores ver quais plantas se adaptam melhor às condições climáticas variáveis, para fazer com que suas práticas evoluam junto aos impactos locais do efeito estufa. É por isto que reverter a perda de biodiversidade não é apenas um imperativo para os dois bilhões de habitantes de países pobres cujo sustento depende dos pequenos estabelecimentos agrícolas.

Embora a biodiversidade enfrente muitas ameaças, entre elas a urbanização, o desmatamento e a contaminação, é possível que os maiores vetores de sua redução sejam a modernização agrícola e a simplificação das dietas. Segundo a FAO, isto levou a uma situação em que uma dezena de espécies fornece 90% das proteínas animais consumidas no mundo, e apenas quatro variedades de cultivos proporcionam metade das calorias de origem vegetal incluídas na dieta humana.

Dessa forma, o fornecimento de alimentos das populações dos países ricos também está cada vez mais vulnerável, já que a agricultura tem menos recursos de adaptação aos desafios ambientais como a mudança climática e a escassez hídrica. “Os estudos mostram que, se continuarmos perdendo biodiversidade no mesmo ritmo de agora, até 2050 enfrentaremos um custo igual a 14 bilhões de euros”, disse Contiero.

A FAO estima que no último século se perdeu cerca de três quartos da diversidade genética dos cultivos agrícolas. Muitos crêem que chegou o momento de uma mudança radical no modo como se produz os alimentos. “Precisamos de um modelo agrícola diferente”, baseado na diversidade, afirmou Frison.

Kanayo Nwanze, presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, disse que “os pobres das áreas rurais e suas comunidades não só dependem da biodiversidade agrícola como também são importantes guardiões da mesma”.

(IPS/Envolverde)



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