Proteger o Danúbio é construir estradas

Data: 19/05/2010

Proteger o Danúbio é construir estradas



A estratégia que a União Europeia (UE) prepara este ano para desenvolver a bacia do Rio Danúbio é uma prova de fogo para a viabilidade de um “crescimento verde” no leste da Europa, carente de infraestrutra. A Comissão Europeia, órgão executivo da UE, redige a iniciativa com os governos dos países cujas populações estão relacionadas com o Rio, para promover um desenvolvimento sustentável da bacia. O Danúbio é o segundo maior rio da Europa. Nasce na Alemanha e morre no Mar Negro, em um delta compartilhado por Romênia e Ucrânia.

Os países envolvidos na estratégia da UE são Alemanha, Áustria, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Montenegro, Moldávia, República Checa, Romênia, Sérvia e Ucrânia. O primeiro-ministro búlgaro, Boïco Borisov, em uma conferência sobre a estratégia da UE, realizada no dia 10 deste mês em Ruse, deixou claro que para ele a iniciativa significa construir estradas. A estratégia se baseia em três objetivos interligados: desenvolvimento socioeconômico; melhoria do transporte; apoio às possibilidades energéticas e proteção ao meio ambiente.

Estima-se que é uma das primeiras provas reais do conceito de “crescimento verde”, promovido pela UE como elemento central de sua estratégia de desenvolvimento, Europa 2020. O bloco não criará novos instrumentos financeiros para os países da região do Danúbio, e vai ajudar os novos membros no uso dos fundos de desenvolvimento disponíveis. Está previsto que o dinheiro seja utilizado para melhorar a navegação do rio, coordenar redes elétricas regionais, prevenir inundações e criar áreas protegidas. Também ajudará a criar novas fontes de trabalho bem como preservar o emprego no setor pesqueiro e na agricultura de pequena escala, em perigo devido à crescente contaminação do Danúbio e suas áreas ribeirinhas.

“Há 100 bilhões de euros (US$ 122 bilhões) disponíveis para melhorar a bacia do Danúbio e é preciso começar a trabalhar”, disse na mesma ocasião, o comissário europeu para Políticas Regionais, Johannes Hahn. Apenas 6% dos fundos que a UE destina à assistência técnica dos novos membros foram outorgados aos beneficiários, disse Hahn. A iniciativa do bloco pode ser uma ajuda necessária para as comunidades locais e para as organizações não governamentais interessadas em preservar a biosfera, a agricultura orgânica e de pequena escala e o turismo ecológico e cultural.

Falta meio ano para que a Comissão Europeia acabe a redação da estratégia e os governos da Europa oriental parecem dar um apoio superficial aos objetivos ambientais e à participação das organizações não governamentais. Contudo, o primeiro-ministro búlgaro deixou bem claras as prioridades de seu governo. “A Bulgária tem apenas entre oito e nove milhões de habitantes, e muitas pessoas morrem em acidentes de trânsito porque as estradas têm entre 10 e 15 anos”, disse Borisov, anfitrião da conferência de Ruse.

“Temos de aproveitar a solidariedade europeia para o que não podemos fazer por nossa conta”, prosseguiu o primeiro-ministro. “A Grécia recebeu 110 bilhões de euros (US$ 135 bilhões), nós pedimos apenas um bilhão de euros (US$ 1,2 bilhão) para salvar vidas. A Bulgária já sofreu muito. Creio que merecemos poder usar esses fundos de forma adequada”, acrescentou. As declarações de Borisov coincidem perfeitamente com as prioridades apresentadas pela Bulgária à Comissão Europeia. Sua proposta contém três vezes mais projetos de infraestrutura para o transporte do que para a área ambiental.

Entre as necessidades identificadas por esse país, está a construção de uma perimetral ao redor da capital Sofia e de cinco estradas. Por outro lado, as propostas ambientais são vagas, como formar uma “associação para tomar medidas conjuntas com a Romênia contra a mudança climática” ou “implementar soluções para proteger as espécies vegetais e animais em perigo”. A ênfase em melhorar a infraestrutura de transportes não é exclusiva da Bulgária, sendo típica dos novos membros da União Europeia, disse Irene Lucius, do programa Cárpatos-Danúbio, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

“Os três objetivos da estratégia não estão integrados”, insistiu Lucius. “Os principais assuntos são o transporte e a navegação do Danúbio, por pressão de interesses comerciais e do governo. Corre-se o risco de perder a oportunidade que a UE oferece para incentivar o desenvolvimento sustentável”, acrescentou. “A navegação do Danúbio é importante, mas temos de ter cuidado sobre como se promove e o papel que terá na comparação com as vias férreas”, insistiu Lucius.

“A navegação fluvial pode ser considerada uma alternativa viável ao transporte rodoviário apenas se forem consideradas as emissões de dióxido de carbono e as consequências locais, sobre o ecossistema do rio”, alertou uma coalizão de organizações não governamentais, entre as quais a WWF. “Os projetos de navegação, que exigem a regulamentação do uso do leito e da margem do rio, afetam os múltiplos serviços que os rios oferecem à sociedade, como água potável, controle das inundações, filtro natural contra a contaminação e apoio à pesca sustentável”, argumenta a coalizão, em uma carta publicada no final de 2009.

O Danúbio dá de beber a dez milhões de pessoas. Estima-se que a contaminação e a má gestão dos rios destruíram cerca de 80% dos pântanos e das terras alagáveis da região do Danúbio no último século, com graves consequências negativas sobre a pesca, o controle de inundações e a purificação da água. As organizações não governamentais poderiam contribuir para solucionar esses problemas, mas não podem fazê-lo porque em países como Bulgária e Romênia têm pouquíssimo peso político, ao contrário do que ocorre na Europa ocidental e até nas nações do Báltico, afirmou Lucius. IPS/Envolverde



(IPS/Envolverde)


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