Moradores decepcionados com projeto hídrico

Data: 23/04/2010

Moradores decepcionados com projeto hídrico



O Projeto Hídrico das Terras Altas do Lesoto entrará em sua segunda fase neste ano. A iniciativa foi reconhecida como um exemplo de administração da água na África, mas gerou mal-estar nas comunidades locais. Trata-se do maior projeto de seu tipo no continente africano. Desvia água dos rios Malimatso, Mtsoku e Senqunyane para o coração industrial da África do Sul, na província de Gauteng. Peter Makuta, chefe-executivo interino da estatal Autoridade para o Desenvolvimento das Terras Altas do Lesoto, explicou que uma segunda fase será necessária para atender a prevista escassez de água na África do Sul.

“Sempre esteve nos planos. Agora é hora de realizá-lo, instalando estruturas no terreno para coletar mais água”, disse Makuta. Ele também afirmou que a segunda fase permitirá ao Lesoto garantir fornecimento hidrelétrico. “Embora sejamos capazes de produzir grande parte da energia que precisamos, não é suficiente. Tivemos de comprar eletricidade da África do Sul, e às vezes de Moçambique”, explicou.

No papel, o projeto foi um sucesso. Ganhou vários prêmios, inclusive o de eficiência ambiental do Banco Mundial. Mas Mampiti Matete, da Universidade do Lesoto, disse que há um crescente descontentamento nas comunidades locais. “Minha opinião é que foi o primeiro projeto deste tipo e a gente não entendeu nem sua magnitude nem o impacto que teria neles”, disse Matete. “Só agora, após receberem sua indenização os moradores se dão conta de que não é adequada ou não compensa as perdas”, acrescentou.

Os próprios documentos do projeto indicam que 321 famílias foram reassentadas para dar lugar às obras. Foi oferecido um ressarcimento financeiro anual em troca da terra, ou a chamada “compensação verde”, pela qual recebiam água e saneamento para que pudessem reiniciar sua atividade agrícola ou pecuária em novas fazendas. Matete disse que as consultas às comunidades devem ser muito melhores nesta segunda etapa “O processo de consulta na próxima fase terá de ser intensificado para dar mais poder à população local, que assim poderá saber o que está sendo negociado”, ressaltou.

As águas do projeto são hoje em parte administradas pela Comissão do Rio Orange-Senqu (integrada por Botsuana, Lesoto, Namíbia e África do Sul), uma das instituições que participaram de um painel esta semana em Gaborone. O encontro de dois dias teve o objetivo de fortalecer os laços entre as diversas organizações que trabalham com a água na região. A diretora do Instituto para o Desenvolvimento da Água e do Saneamento do Zimbábue, Nomathemba Neseni, disse que muitos projetos são discutidos sem uma adequada avaliação do impacto social.

“Falamos de benefícios em quais níveis? Em nível regional, nacional ou familiar?”, perguntou. Por exemplo, afirmou que as questões de gênero são muitas vezes ignoradas. No caso da irrigação para a agricultura, pouquíssimas mulheres na África meridional têm acesso a terras, e, portanto, os projetos que não considerarem este fato podem ter resultados desiguais dentro das mesmas comunidades, já que os benefícios não são compartilhados por todos, disse.

“Se a redução da pobreza é um objetivo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, devemos ser capazes de encará-la em nível das famílias”, destacou Neseni. A consulta adequada às comunidades garante que os projetos estejam baseados em conhecimentos, experiências e evidências compartilhadas. As decisões são influenciadas pelas opiniões dos afetados, e alternativas podem ser consideradas, disseram os participantes do painel. Isto parece ser precisamente o que faltou nas Terras Altas do Lesoto. IPS/Envolverde





(IPS/Envolverde)


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