Projeto mapeia impactos de mudanças climáticas no RJ e em SP

Data: 20/04/2010

Projeto mapeia impactos de mudanças climáticas no RJ e em SP


Um projeto do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), está identificando nas duas maiores metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, os lugares mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global. Relatório preliminar apresentado no Workshop do Painel Internacional sobre Megacidades, Vulnerabilidade e Mudança Climática Global, realizado nas duas cidades nos dias 26 e 27 de novembro, apontou que o ponto mais crítico no Rio de Janeiro está nas lagoas Rodrigo de Freitas e nas Baías de Guanabara e de Sepetiba, ao passo que em São Paulo está na ocupação do leito dos rios Tietê e Pinheiros.

Os estudos são coordenados na Unicamp pelo professor Daniel Hogan, responsável pela Área de População e Ambiente, e no Inpe pelo professor Carlos Nobre. Tal atividade mantém vínculo com a Rede Clima, criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) em 2007, e tem no total dez sub-redes, entre as quais a denominada “Cidades”. A primeira reunião da rede aconteceu no mês passado no Nepo e teve a participação de cerca de 20 pessoas e de representantes de uma dezena de instituições do país.

O aumento da temperatura, constatado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), já começa a dar mostras de que está afetando o Rio de Janeiro. Segundo especialistas, por si esta elevação não seria tão impactante não fosse a sua associação com os eventos de chuva mais intensos e que podem alcançar em cheio as partes mais baixas da cidade. Trata-se de uma situação caótica e já com diversos eventos decorrentes das mudanças naturais. Com o aquecimento global, as mudanças tendem a se intensificar. “Os governos do Rio de Janeiro e de São Paulo não estão preparados para enfrentá-las em curto prazo”, declara a arquiteta e urbanista Andrea Young, autora principal do relatório e pesquisadora do Nepo.

As primeiras avaliações tomaram por base paineis realizados pelo grupo, congregando as ideias dos especialistas dos dois Estados e do exterior na área de mudanças climáticas. O Estado do Rio de Janeiro já possuía um documento elaborado pelos pesquisadores do Instituto Pereira Passos, da Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura, que serviu como ponto inicial para situar os vários problemas das mudanças climáticas. Nesse Estado, foi efetuado um levantamento das áreas mais vulneráveis entre a cota 40 cm e 2 metros, notando-se que a elevação do nível do mar se agravaria muito se somada aos eventos de chuva mais intensos.

Essa associação, explica Young, começaria a interferir também em áreas que normalmente não seriam alcançadas. Conforme ela, como o Rio de Janeiro sofreu um processo de ocupação muito intenso e irregular, as áreas de morros e de encostas sofreram com o desmatamento, tornando-se mais sujeitas a desmoronamentos. Isso porque a superfície do solo passou a não contar mais com a proteção da vegetação e, à medida em que ocorrem chuvas mais intensas, também desprendem-se as camadas superficiais do solo, deixando-o mais propício a escorregamentos, por não dispor de um sistema de drenagem adequado.

Young relata que a ocupação ocorreu onde se situam os manguezais, as planícies, as lagoas como a Rodrigo de Freitas e as baías de Guanabara e de Sepetiba. Todas essas áreas, diz a pesquisadora, passaram a receber esta contribuição tanto do processo de assoreamento como de contaminação, em razão da presença dos lixões que estão nas favelas e em áreas espalhadas pelos morros. “Com o aumento do nível do mar, nas superfícies, ocorrem pressões sobre a infraestrutura de saneamento que, em muitos locais, possui mais de 100 anos. O lençol freático também submerge e colabora para pressionar o sistema de saneamento, que pode se romper e contaminar ainda mais as áreas. Então, o problema das mudanças climáticas no Rio de Janeiro deve agravar a situação”.

São Paulo

Em São Paulo, o processo de ocupação foi diferente do que o registrado no Rio de Janeiro, compara Young, por não ser uma cidade litorânea. Guardadas as devidas proporções, outros problemas relevantes também acometem a Capital. O maior deles talvez seja a ocupação dos leitos dos rios Tietê e Pinheiros. A arquiteta recorda que o Tietê tornou-se comprometido porque a expansão urbana foi tão vasta e intensa que se espalhou por toda esta bacia. Um ponto a ser considerado, expõe, foi que as áreas de várzea e de margem não foram de todo protegidas e nem mantidas ao longo de sua expansão. Também o sistema viário acabou convergindo para o centro da cidade, a partir do qual começou a se expandir, observando-se um núcleo central com as marginais em torno e, a partir disso, iniciando a expansão para outros municípios. Outra coisa: vigora até hoje o mesmo padrão de ocupação dos últimos 100 anos.

Lamentavelmente, pontua a arquiteta, as medidas tomadas pelo governo do Estado não conseguem suprir essas carências. São elas a canalização dos rios e a implantação de piscinões, para prover a ausência das várzeas, que fariam a reservação da água em momentos de cheia. No seu entender, elas não funcionam como poderiam, se não tivesse ocorrido este processo de ocupação, quando tudo foi impermeabilizado. Mesmo a canalização, ao invés de atuar como fator positivo, em alguns momentos chega a atrapalhar.

A pesquisadora enfatiza que o rio Tietê - que tem meandros naturais e que é propício a várzeas e margens, além de ter o poder de diminuir a velocidade das águas, na hora de uma cheia, e as inundações a jusante - fez um processo contrário: a vazão começou a ficar maior devido à impermeabilização e à canalização. “A água cai, não penetra no solo e vai para este rio canalizado. Ele enche muito rapidamente e não consegue dar conta do escoamento porque não tem mais a profundidade anterior em função do assoreamento que vai ocorrendo.”

Dessa forma, dimensiona Young, há o problema de impermeabilização do solo que foi desmatado e da sua ocupação pela área urbana. Logo, onde existe solo exposto, este também sofre run-off, isto é, um carreamento, e vai todo par a bacia. Paralelamente, estas bacias foram ocupadas por sistemas viários absolutamente sobrecarregados. “É uma poluição absurda pela emissão po parte dos veículos, transformando a bacia em uma bacia de poluição, e o que era para ser um local de controle do regime natural do sistema hídrico passa a entrar em colapso. Como consequência, a inundação pode estar presente em vários pontos, como no rio Tamanduateí, na bacia do Aricanduva e em várias microbacias da região”.

Escala e modelagem

A especialista diz que as principais previsões para o planeta partem do IPCC e aludem-se a um período de 100 anos. Ele fornece quatro cenários: A1, A2, B1, B2, que constituem referências com relação às emissões futuras de gases de efeito estufa, os quais levam em consideração forçantes controladoras como demografia, desenvolvimento socioeconômico, mudança tecnológica, bem como suas interações. O IPCC realiza análises sistemáticas sobre o conhecimento científico das mudanças climáticas globais, seus impactos potenciais e as opções de mitigação e de adaptação.

Young diz que caberá ao Brasil fazer uma aproximação mais otimista desses cenários. No entanto, reconhece que existem alguns problemas de escalas para fazer uma aproximação mais realista. Os cenários estão numa escala que, quando trazida para o nível local, praticamente se refere à mancha urbana que toma o município do Rio de Janeiro como um todo, não dando para perceber possíveis variações - há mudanças na microescala em razão do próprio uso e ocupação do solo. “É algo bem complexo e exige detalhamento das áreas que poderão estar sofrendo mais ou menos com isso, por conta da vulnerabilidade local e social”, afirma a arquiteta.

Os modelos mostram ainda muita dificuldade de reportar algo sobre regiões específicas. Particularmente, o meteorologista José Marengo, professor do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTec do Inpe), tem se debruçado em estudar downscaling para conhecer como os impactos serão sentidos diferentemente por regiões. Este é um dos grandes desafios do momento para os estudiosos do clima. “Os modelos devem caminhar para serem mais realistas em regiões como o Litoral Norte de São Paulo ou como a região metropolitana de São Paulo e do Rio de Janeiro”, afirma Hogan.

O que de mais seguro os modelos atuais conseguem fazer, revela ele, é falar em nível de escala global. O primeiro esforço de Marengo para regionalizar os cenários dos grandes modelos indicou que a Amazônia poderá ter diminuída 40% da sua cobertura florestal, que tende a ser substituída pelo bioma savana. No Nordeste, a redução de chuvas poderá causar perdas na agricultura e reduzir a capacidade de pastoreio de bovinos de corte. A região será impactada com a desertificação de grandes áreas. O Sul e o Sudeste, graça às suas maiores resiliências, serão os menos impactados. A Amazônia e o Nordeste seriam, portanto, as regiões brasileiras mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Cenários

De acordo com os relatórios de Marengo, o aumento da chuva tem se intensificado nos últimos dez anos. Mas foi ao longo do processo de industrialização que a temperatura nas cidades brasileiras aumentou, sobretudo nos últimos 50 anos. Existe uma previsão pessimista no relatório IPCC de aumento de três graus mundialmente nos próximos 100 anos, ao passo que o último Relatório de Copenhague foi menos otimista ainda, ao informar que o aumento já está se processando. “Se a elevação da temperatura exceder dois graus, poderá então implicar perdas de culturas agrícolas e de vegetação; em termos de biodiversidade, algumas espécies poderão ser extintas; e o degelo nas montanhas, no Ártico e nos polos, com certeza poderá afetar os oceanos”, descreve Hogan.

Não falando mais a respeito de eventos físicos, ele menciona as repercussões para o ser humano. “As mudanças serão em termos de intensidade, não de quantidade de chuvas. As tempestades serão mais frequentes e as precipitações virão com intensidade nos períodos interchuva (secos) e haverá mudanças no padrão de umidade”, informa. Segundo o professor, certos grupos populacionais como os de bebês e de idosos sofrerão mais ainda com os picos de seca.

Algumas medidas do sistema de saúde, acredita ele, deverão ser pensadas para atender e preparar as demandas. Outras medidas em termos das chuvas e precipitações intensas deverão atuar no sentido de reforçar a Defesa Civil que, em sua opinião, já tem melhorado sensivelmente. “Este órgão precisa envolver as populações. Elas devem ser mais aparelhadas para esses eventos. Tudo o que falamos sobre o futuro exige já no presente alguns cuidados, pois por certo o futuro será pior”, relata Hogan. “Se este tema for enfrentad somente por quem está estudando-o, não será suficiente. Todo mundo tem que entender que isso vai repercutir em todas as dinâmicas da vida em sociedade e na forma como são construídas as nossas cidades”, contextualiza o geógrafo Eduardo Marandola Jr., pós-doutorando em Demografia do Nepo.

Não obstante algumas extrapolações servirem de modelo para outras megacidades, Rio de Janeiro e São Paulo apenas fornecem uma radiografia do que pode acontecer. No restante do país, a situação será com certeza muito pior. No Rio de Janeiro, o Instituto Pereira Passos fez um estudo detalhado sobre o assunto e o governo local já está tomando conta disso. Em São Paulo, houve a publicação de uma lei que é a Política Estadual de Mudança Climática do Estado de São Paulo, determinando algumas medidas e levantamento de informações para lidar com a problemática. “Não se pode dizer que a liderança política destas duas grandes cidades não está fazendo nada. Contudo, se for mantido este mesmo padrão de ocupação, essa forma de se apropriar dos recursos e do ambiente, caminharemos para o fim”, sentencia Hogan.

A última reunião de Copenhague, lembra ele, enfocou mais a questão da mitigação. Neste particular, evidentemente é preciso frear este processo. Não se pode tirar do ar o CO2 que está liberado, entretanto é possível criar mecanismos para frear estas liberações futuras, diminuindo-as. “Isso é muito importante e é o principal objetivo de Copenhague. Porém o que temos discutido até agora é mais a emissão do CO2 já liberado e as mudanças climáticas que já vão acontecer, qual é a vulnerabilidade a isso e quais são as adaptações que precisam ser feitas, independentemente de mitigar”, esclarece Marandola Jr.

(CarbonoBrasil)




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