Enchentes, deslizamentos e mortes: a omissão do Estado

Data: 15/04/2010

Enchentes, deslizamentos e mortes: a omissão do Estado


Os estados de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro foram bastante afetados pelas chuvas excessivas. Na Região Sudeste, as duas principais capitais do Brasil, portas de entrada para bilhões em negócios internacionais que são realizados todos os anos, viveram situações de caos por causa de enchentes. Nos últimos meses, os municípios fluminenses de Angra dos Reis e Niterói foram palco de centenas de mortes por causa de deslizamentos de terra em morros com ocupações legais ou ilegais. O mapa de mortes cuja culpa foi relacionada à chuva excessiva já soma, até então, mais de 400 falecimentos.

Índices pluviométricos superiores a médias históricas são ocorrências conjunturais que não podem esconder os problemas estruturais seculares no planejamento e na gestão das zonas urbanas brasileiras. Se há causas históricas no permanente movimento de ocupação de morros em muitas cidades, as conseqüências já poderiam ter sido reduzidas há muito tempo se as instituições de Estado tivessem atuado para resolver o problema.

Nos morros, a ocupação irregular tem o mesmo gene daquelas que ocorrem em áreas de mananciais, preservação permanente e outras áreas com proibições distintas. Há sempre os mesmos ingredientes. De um lado, muitas vezes há a ação criminosa de quem invade e ainda aufere lucro na venda de casas, barracos e terrenos. De outro, há inocência ou desespero que quem compra ou invade para morar próximo de grandes centros de consumo e emprego. Por trás, no entanto, está o que realmente há de estrutural no problema da precária ocupação territorial e urbana: a omissão e uma espécie de conflito de consciência dos agentes de Estado.

Se gestores públicos responsáveis por planejar e corrigir o problema não o fazem na dimensão necessária, procuradores e promotores falham na maioria das vezes ao olharem as ocupações irregulares com certa complacência, benevolência, resignação e sentimento de culpa. Muitos avaliam que proibir ou remover invasões é algo que prejudica as famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. Esse modelo de atuação, no entanto, está longe de significar justiça social.

A complacência do Estado brasileiro com o hábito da invasão e da ocupação irregular é arraigada. Invadir, no Brasil, transformou-se, nas últimas décadas, não somente em uma forma desesperada de subsistência, mas também em um negócio de baixo risco de fracasso não somente por causa da omissão dos agentes de Estado, mas também devido aos princípios e conceitos que regem a atuação deles.

Fato dado, a solução para o problema, mesmo que atualmente beire o impossível e a utopia, tamanha é a complexidade e a abrangência da situação, é urgente e necessária. A curva de estragos e mortes é crescente, conseqüência da omissão com ocupações irregulares em morros, mananciais, margens de rios, reservas de proteção ambiental, terrenos particulares e faixas de servidão - áreas de segurança exigidas por lei - para a implantação e operação de empreendimentos de infraestrutura.

Muitas ocupações irregulares, inclusive, impedem a ampliação de aeroportos e estradas, causam poluição em reservatórios de água que abastecem metrópoles inteiras, impedem trens de circularem em condições normais e resultam em desligamentos de linhas de transmissão de energia elétrica. Em situações extremas, essas invasões exigem investimentos maciços em desapropriações e deslocamentos para a execução de obras prioritárias.

Já que tergiversou no momento de prevenir e proibir o problema, parece evidente que é preciso planejar uma grande ofensiva. O IBGE poderia promover um amplo censo sobre os adensamentos irregulares do Brasil. Paralelamente, uma política pública abrangente, aliada aos planos habitacionais, deveria ser criada, com metas anuais. Deve haver o envolvimento das três esferas de governança pública e de todas as instituições de Estado, principalmente porque a maior parte dos municípios não conta com estrutura técnica para conduzir investimentos e ações dessa complexidade. É preciso indignação e não imaginar que esses acontecimentos são parte do acaso, fortuitos e inevitáveis. Não, eles não são.
Autor: Paulo Godoy é presidente da Abdib



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