Pacto federativo e a crise dos royalties

Data: 14/04/2010

Pacto federativo e a crise dos royalties




Por Aspásia Camargo*


A Federação entrou em crise profunda quando um deputado gaúcho de reputação duvidosa conseguiu apunhalar, com um projeto de lei, o coração da economia fluminense. Capixabas e paulistas também foram feridos, e nem o Rio Grande do Sul está integralmente com ele. A situação é paradoxal porque o Estado do Rio produz 85% do petróleo que se converte em impostos federais, pagos para usufruto de toda a população brasileira.

A expropriação dos royalties é, além do mais, inaceitável uma vez que os recursos recebidos são uma pálida compensação pelos transtornos e impactos regionais que a exploração do petróleo ocasiona: vazamentos de óleo poluindo os oceanos (l,2 milhões de litros na P36), impacto destruidor sobre a biodiversidade marinha, além do crescimento popu lacional descontrolado, com acúmulo de pessoas em busca de empregos e de favelas na periferia dos municípios vizinhos. Isso sem contar a necessidade de “modernizar” localidades modestas, desprovidas de infra-estrutura, para receber profissionais e forasteiros prestadores de serviços. Podemos aperfeiçoar o uso dos royalties exigindo que se destinem a investimentos estruturantes que sobrevivam ao fim do petróleo.

Mas não devemos esquecer que os royalties são, hoje, uma compensação pela perda do ICMS que a Constituição de 1988 nos tungou, castigando os estados produtores de energia que têm o ICMS pago no destino e não na origem, como ocorre nas demais atividades. No caso dos royalties, a guerra federativa é irracional, pois a parte do botim a ser distribuída para cada município é insignificante diante da perda irreparável de duas vítimas indefesas. Mas o Rio já devia estar acostumado com golpes traiçoeiros, fruto de um isolamento que veio se a gravando nos últimos cem anos.|No início da República, a capital rebelde foi penalizada por tratar mal os novos presidentes paulistas e pela “pretensão” de querer eleger o seu prefeito, o que atrapalhava nomeações federais para o cobiçado cargo. Pedro Ernesto pagou caro por ser candidato a Presidente da República quando já se tramava o golpe de 1937.

Mais grave ainda foi a transferência da capital para Brasília que fez a cidade, ingênua e narcisista, acreditar que se manteria uma dupla capitalidade: a Novacap e a Belacap e que Brasília não ia vingar! De fato, ocorreu perda gradual de órgãos federais que deixaram vazios de difícil recuperação, pela indefinição de novas vocações e ausência de um projeto para o futuro. Ao contrário do que ocorreu na Alemanha, não houve transferência negociada como a de Bonn para Berlim.. Ao longo de décadas operou-se a desmontagem de uma administração cada vez mais desintegrada, com o agravante de que a com pensação financeira recebida com a criação do Estado da Guanabara (que tinha dupla tributação) foi anulada por uma fusão improvisada e autoritária, sem consulta popular, ocorrência jamais vivida pela federação brasileira.

A debilidade das instituições então criadas, e hoje administradas em condomínio promíscuo por três entes federativos, deu no que deu. Sua elite isolada, e um estado pobre revelam-se incapazes de negociar com os novos donos do poder em Brasília. Depois de tantos enfrentamentos, a parceria de Sergio Cabral foi uma tentativa meritória, mas sem precedentes na federação brasileira. O susto recente, fruto do excesso de confiança é que nos obriga a tentar resolver o conflito federativo nas ruas. Mais uma anomalia em um Estado cuja economia depende da União e que convive com autoridades de quarenta órgãos públicos federais, de nomeação política, que nunca se entendem.

Os royalties são mais um episódio desastroso desta lon ga história de desgovernança, que deveria ser entregue ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal, para que busquem, não uma solução de remendo, mas tirar o Rio da anomia e do isolamento. O caminho é construir um Pacto Federativo que redefina competências, que incentive vocações econômicas inovadoras e que resolva o grave problema da omissão federal na política de Segurança Pública. Pecado imperdoável neste território de ninguém.

*Aspásia Camargo é Vereadora pelo PV no Rio de Janiro. Artigo publicado no Jornal O Globo no 10/04/2010.



(Envolverde/O autor)


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