Consumo é o cerne da questão ambiental, afirma diretor da Unctad

Data: 12/04/2010

Consumo é o cerne da questão ambiental, afirma diretor da Unctad




Por Mariana Chammas, especial para o Instituto Akatu




Para Lucas Assunção, brasileiro diretor da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, discussão multilateral sobre impactos dos padrões de consumo na questão ambiental é urgente, mas não será tarefa fácil.

Três meses após a COP15 (15ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), em Copenhague, o mundo vive a sensação de frustração por não ver crescer de forma maciça as ações concretas capazes de frear as mudanças climáticas e promover uma nova economia global que seja mais sustentável. Lucas Assunção, economista brasileiro que dirige a Divisão de Comércio, Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), esteve presente no evento que gerou muitas expectativas em dezembro último.

Em seu escritório em Genebra, Assunção concedeu uma entrevista exclusiva ao Instituto Akatu. Ele falou sobre as ações da Unctad em relação às mudanças climáticas, sua participação na COP15 e, ao abordar o papel do consumo no combate às mudanças climáticas enfatizou que o mundo “precisa discutir seus padrões de consumo e uma mudança sobre isso no âmbito multilateral”.

Instituto Akatu: O que a Unctad tem feito com relação às mudanças climáticas?
Lucas Assunção: Para uma agência como a Unctad, mudanças climáticas signficam o desafio de pensar uma nova forma de promover o desenvolvimento, pensar em um desenvolvimento que seja menos intensivo em carbono, que gere renda e emprego e que, ao mesmo tempo introduza a externalidade das mudanças climáticas nesse novo modelo de desenvolvimento. Como esse pano de fundo, nós temos trabalhado na interface entre comércio e mudanças climáticas, na maior participação de maneira equitativa de países em desenvolvimento no MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e temos trabalhado na identificação de oportunidades de Ações Nacionais Adequadas de Mitigação (Namas, sigla em inglês).

Instituto Akatu: O senhor pode detalhar um pouco mais como são as ações da Unctad em cada uma dessas três frentes?
Lucas Assunção: Na frente Comércio e Mudanças Climáticas, a Unctad tenta evitar que a luta, o esforço de combate às mudanças climáticas se torne uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC), como disputa comercial. Isso pode acontecer porque diferentes países têm igualmente diferentes políticas de combate às mudanças climáticas, e isso passa pelos seus instrumentos econômicos. Dependendo de como e qual o instrumento utilizado em determinada região ou país, isso tem um efeito direto na competitividade de empresas. Não se faz política de mudanças climáticas por meio de políticas comerciais porque fere as regras da OMC e traz de volta o conflito inerente da agenda de comércio e meio ambiente. Com relação aos MDL, nos países em desenvolvimento há uma maior consciência sobre mecanismos de desenvolvimento sem uso excessivo de carbono. Nem todos os países têm se beneficiado dos MDLs, porque são mecanismos muito recentes, mas que já geraram algo em torno de US$ 5 bilhões nos últimos cinco anos. Se todos os projetos que estão no pipeline atual do MDL gerassem renda, esse total passaria a US$ 13 bilhões. Hoje, quase dez países (entre eles China, índia, Brasil, África do Sul, México e Indonésia) concentram mais de 85% de todos os projetos de MDL. A Unctad tem ajudado a gerar capacidade para que um maior número de países possa cada vez mais se beneficiar desses investimentos. A terceira área de ações são os Namas. Eles fazem parte do Plano de Ação de Bali e são uma maneira de não impor metas de redução aos países em desenvolvimento, mas sim, explorar possibilidades de financiamento de programas de desenvolvimento com benefício para as mudanças climáticas também. Nesse sentido, a Unctad tenta ajudar os países em desenvolvimento a articular seus interesses e atrair investimentos.

Instituto Akatu: Como foi a participação da Unctad na COP15 ?
Lucas Assunção: Nós fizemos um evento para discutir propostas do Grupo Africano, composto por cerca de 50 países, mas com capacidade de negociação bastante reduzida, haja visto a complexidade das negociações. Fizemos um trabalho de análise crítica do documento que foi levado até a COP15 e abrimos isso para um debate com pesquisadores e negociadores, com enfoque nos interesses desses países. O continente africano é extremamente sensível ao tema, pois, por um lado ele necessitará de muita capacidade de adaptação às mudanças climáticas, e por outro ele detém grande capacidade de mitigação porque suas linhas de base são bastante baixas. Dessa forma, qualquer plano de desenvolvimento poderia ter um potencial de mitigação bastante grande.

Instituto Akatu: Como o senhor acha que deveriam ser as próximas ações para que haja um acordo efetivo na Cidade do México?
Lucas Assunção: Evidentemente, para começar, é desejável um acordo dos países desenvolvidos sobre metas de redução para o grupo dos países do Anexo 1. Depois, o desenvolvimento de modalidades para novas iniciativas em colaboração para os países em desenvolvimento, através de Namas por exemplo. Outro tema importante que deve ser abordado é o fortalecimento e a simplificação de regras para o MDL, levando em consideração um tratamento especial diferenciado para países com economias menos avançadas. E em quarto lugar, o financiamento para adaptação, mas com um maior detalhamento técnico de medidas concretas de uma agenda para adaptação. O problema que eu vejo é que se fala muito em adaptação, mas as discussões ainda são muito genéricas, o que complica a alavancagem de financiamento internacional. Um acordo com pelo menos esses quatro ingredientes ficaria “em pé”.

Instituto Akatu: Como a Unctad vê as discussões sobre consumo?
Lucas Assunção: A discussão sobre consumo está estreitamente associada à discussão sobre equidade. Isso é uma das razões pela qual consumo não é discutido de uma maneira muito confortável em uma arena multilateral. Para que essa discussão seja consequente, você tem que tratar de equidade entre países, entre gerações, deve-se falar também sobre a questão de escala de consumo. Padrões de consumo entre os países divergem em escala, sofisticação, uso de recursos naturais, diferentes tecnologias. Isso é para tentar justificar porque a gente não vê no multilateralismo uma discussão muito aberta sobre consumo. Rapidamente os países dizem “é fácil para você falar quando todo mundo no seu país tem acesso a saneamento básico, luz elétrica”. Por outro lado, o Instituto Akatu tem toda razão ao focar na consciência dos indivíduos para o consumo consciente. Digo isso porque tem um lado da demanda importante, que se educado e se houver a oferta de serviços e produtos que sejam mais benéficos no contexto das mudanças climáticas, é uma ajuda importantíssima. Em última instância as emissões são geradas porque nós precisamos fazer as nossas economias rodarem. E as economias atuais geraram essa situação, então, de fato uma mudança nos padrões de consumo pode ser a grande saída.

Instituto Akatu: Como podemos introduzir de maneira efetiva as discussões sobre consumo no âmbito das negociações multilaterais?
Lucas Assunção: Historicamente, desenvolvimento econômico tem sido pensado como “fazer crescer o bolo e depois a gente divide”. O problema é que com mudanças climáticas a gente vê que, ao fazer crescer o bolo, a gente está inviabilizando a vida no planeta Terra para as futuras gerações. Logo, nós temos que pensar mais nesse bolo, de que forma conseguimos gerar bolos. Precisaremos de renda para desenvolver, as pessoas necessitam de saúde, alimentação, educação, saneamento... As necessidades de todos são mais ou menos as mesmas, só que a apropriação do consumo diverge enormemente. E pior: nós temos uma tendência a querer sempre mais. Quanto mais você tem, mais você tem vontade de ter. Por isso que o tema do consumo é tão delicado, vira um pouco um “caixão sem alça”, ninguém quer pegar. Os países falam uns para os outros: “quem é você para falar do meu consumo?”, principalmente quando as disparidades são muito grandes... Tratar isso no cenário multilateral é muito complexo. E ao mesmo tempo, é absolutamente essencial. Eu penso que a questão do consumo de fato é o cerne da questão ambiental, porque geramos o problema ao consumirmos da forma que consumimos hoje. A questão é que não consumimos todos da mesma forma e na mesma intensidade, por isso que acaba sendo uma questão de equidade sobre os recursos, que são limitados. Isso nos obrigada necessariamente a olhar para dentro dos nossos modelos e padrões de consumo. Difícil é negociar isso no detalhe. A outra forma é abrir o leque de opções. Na oferta energética, por exemplo, pode-se incentivar o uso mais intensivo de energias renováveis, tecnologias limpas, menos acúmulo de resíduos.



(Envolverde/Instituto Akatu)




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