Transportes, uma questão central para a sustentabilidade

Data: 09/04/2010

Transportes, uma questão central para a sustentabilidade


O engenheiro Marcus Quintella, um dos maiores especialistas em Transportes Públicos do país, viveu na pele o verdadeiro colapso da malha viária provocado pelas chuvas no Rio de Janeiro. Sem conseguir chegar em casa, dormiu como pode dentro do carro, espremido entre dois ônibus, na Tijuca (Zona Norte), um dos epicentros da enchente. Chegou em casa, em Copacabana, do outro lado da cidade, apenas às 9h da manhã do dia seguinte.

"Algo tem que ser pensado, e rápido", adverte Quintella, em entrevista à Plurale. A quantidade de chuva foi acima do normal, admite o especialista, mas ficou claro também o total despreparo da cidade para uma situação crítica como esta. "Quando chove forte, os problemas são os mesmos e a população sofre novamente, tal como já sofreu nas chuvas passadas, especialmente pela precariedade do sistema de transporte público e falta de controle de trânsito", afirma o Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia.

Com a ortodoxia dos engenheiros, Quintella explica que agora é hora de arregaçar as mangas e avançar nos investimentos maciços em transportes, já que o Rio terá metas a cumprir para a Copa do Mundo e Olimpíadas. Ele também adverte para a responsabilidade de cada um de nós, cidadãos de uma cidade insustentável. Confira os principais pontos da entrevista.

Plurale em site- O Grande Rio, incluindo não só a cidade do Rio de Janeiro, mas também Niterói, São Gonçalo e outros municípios vizinhos, viveu ontem o caos. Culpa da chuva mesmo ou de falta de organização e logística?

Marcus Quintella - Sem dúvida alguma, a chuva que está caindo no Rio, desde a última segunda-feira (dia 5 de abril), está bem acima do normal para esta época do ano e veio com uma força descomunal, mas o despreparo da cidade para qualquer intensidade de chuva já é conhecido e tradicional. Quando chove forte, os problemas são os mesmos e a população
sofre novamente, tal como já sofreu nas chuvas passadas, especialmente pela precariedade do sistema de transporte público e falta de controle de trânsito. Não podemos culpar exclusivamente a chuva, pois os poderes públicos e a população têm grande parcela de culpa. Os primeiros são culpados porque não se organizam para esses problemas sazonais, pois
desprezam o básico em administração, que é o planejamento, e não investem em transporte público, contenção de encostas, prevenção de acidentes, defesa civil, habitação, segurança pública, engenharia de trânsito, saúde e educação. Os segundos são culpados porque somente se preocupam em criticar e não se mobilizam para exigir seus direitos, além de contribuir com a desordem urbana, jogando lixo nas ruas e encostas e desrespeitando as leis e posturas municipais.

Plurale - Os transportes públicos não dão conta e aí, muitos partem para o individual. Como resolver este impasse?

Quintella - Este problema somente será resolvido com grandes investimentos públicos no
setor de transporte público, com a construção de mais linhas de metrô, melhoria dos trens de subúrbio, construção de corredores exclusivos de ônibus, reorganização do sistema de ônibus urbano, melhoramento no sistema viário, reengenharia do trânsito, construção de grandes terminais de integração modal e campanhas educativas permanentes. Aí, sim, a população
poderá deixar o automóvel em casa e utilizar um transporte público de qualidade, rápido, seguro, regular, econômico e confortável.

Plurale - Fazer transporte solidário ajuda?

Quintella - Isso é paliativo e uma tremenda enganação, pois nada resolverá, ainda mais
que somente uma pequena parte da população aceitará esse tipo de transporte.
Transporte solidário somente dá certo na faculdade ou em alguns poucos casos
de trabalhadores de fábricas que trabalham fora da região metropolitana. Nos
percursos internos da cidade, acho pouco provável.

Plurale- Que medidas são necessárias para resolver este drama no Rio de Janeiro em termos de transporte público?

Quintella - As medidas são os investimentos citados acima, arquitetados de forma
sistêmica e integrada, planejados para gerar benefícios para a sociedade,
por longo tempo.

Plurale- Temos mesmo condições de receber a Copa e as Olimpíadas? Um recente estudo da Firjan adverte que ainda há um longo caminho pela frente a ser solucionado e questiona justamente a questão dos Transportes.

Quintella- A Copa do Mundo não deve ser motivo de preocupação, pois será um evento que
pouco afetará a vida normal da cidade, visto que acontecerão poucos jogos concorridos. Na verdade, a movimentação de turistas será equivalente ao de um grande verão e os jogos serão iguais aos tradicionais clássicos cariocas, como Fla-Flu, Botafogo e Flamengo ou Vasco e Flamengo. Nada mais que isso. Basta que a obra do Aeroporto Internacional esteja pronta a tempo e o Maracanã adequado aos padrões da FIFA. No caso dos Jogos Olímpicos, a
situação será outra, pois estamos falando de um evento de grandíssimo porte, com milhares de atletas, técnicos, equipes de apoio, jornalistas e turistas de todas as partes do mundo, concentrados na cidade, durante um mês, se contarmos os Jogos Paraolímpicos. Para as Olimpíadas, acho que o Rio de Janeiro não está preparado, especialmente em matéria de transporte público. Como 2016 "é amanhã", as obras desejadas já estão atrasadas. Se quiserem atender o caderno de encargos do Comitê Olímpico Internacional, penso que as
obras precisam ter início, no máximo, no início de 2011. As obras mais viáveis e exequíveis para as Olimpíadas são os corredores exclusivos de ônibus, a reorganização do sistema de ônibus urbano e a reconstrução ou reforma do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Algumas obras viárias importantes também poderiam ser executadas, como viadutos, mergulhões e
duplicações de vias. Em relação ao metrô para a Barra, a famosa Linha 4, acho possível sua execução em cinco anos, desde que não haja problemas de recursos financeiros ou empecilhos jurídicos e políticos. Quanto ao recente relatório da Firjan, confesso que não tive tempo ainda de analisá-lo.

Plurale


< voltar