Embates Hidrelétricos - Decodificação

Data: 22/03/2010

Embates Hidrelétricos - Decodificação




Adriano Pires e Abel Holtz

Quando o tema construção de hidrelétricas é tratado publicamente ou não, vem sempre à baila à discussão que expressa a decepção de todos nós brasileiros quando se percebe que estamos perdendo a qualidade ímpar a nível mundial, de ter uma matriz energética renovável onde a participação de hidrelétricas é insofismável e única. Entretanto, parece que esta afirmativa banalizou-se e passou a ser repetitiva.
O fato é que a construção de hidrelétricas em nosso País é um tema que tem motivado grandes embates entre Governo e Ambientalistas, Ministério Público e Advocacia Geral da União, Índios ao lado de Religiosos e Instituto Brasileiro Recursos Renováveis, Empresa de Planejamento Energético e Tribunal de Contas da União, Agencia Nacional de Energia Elétrica e Agencia Nacional de Águas, Empresas Publicas e Empresas Privadas, ONG’s Nacionais e Internacionais.
No presente momento a arena onde o embate se dá é a construção da hidrelétrica de Belo Monte, colocado a licitar depois de sua implementação vir sendo perseguida há mais de 30 anos. Nos últimos meses a discussão quanto à concessão da licença ambiental desta hidrelétrica tem consumido muito tempo de todos e recursos públicos de grande magnitude. Cabe o registro que em reconhecimento a nova realidade ambiental os projetos na região amazônica têm sido modificados e passaram a não ter grandes reservatórios. Mas não poderemos criar sonhos de uma noite de verão como este que o governo vem chamando de hidrelétricas plataformas.
Ultrapassadas as disputas legais resta a discussão sobre o preço da energia de Belo Monte. Foi amplamente noticiado que a EPE submeteu ao TCU um montante de investimentos de R$ 16 Bilhões que por decorrência definiu um preço de R$ 68,00 / MWh. Em seminário realizado na ABDIB especifico sobre Belo Monte, seu presidente mencionou que este montante não incluía os custos necessários à obtenção dos recursos financeiros de terceiros e ao mesmo tempo remunerar os recursos próprios. Com isso, os investimentos poderiam alcançar R$ 22 bilhões. Acrescente-se ainda a Licença Prévia dada pelo Ibama que impôs investimentos sócio-ambientais que alcançam segundo alguns R$ 2 bilhões e para outros R$ 1 bilhão. Em conseqüência a EPE refez os cálculos e redefiniu o preço anterior de R$ 68,00 / MWh para R$ 83,00 / MWh. O novo preço é suficiente?
As empresas construtoras de hidrelétricas – as mais experimentadas do mundo – afirmam que os investimentos deverão alcançar a casa dos R$ 32 bilhões para produzir 4.600 MW médios de energia firme. Será esta energia e não a potência instalada de 11.233 MW que poderão comercializar e obter os recursos necessários para pagar aos investidores os recursos financeiros antecipados para a construção, fazer os investimentos sócio-ambientais, operar a usina quando pronta, eventuais, tributos, encargos setoriais, transporte da energia até ao ponto de entrega pagando a TUST – G ainda não definida. Daí, a necessidade de ter preços para a energia comercializável que viabilizem o empreendimento.
Numa comparação grosseira, membros do governo, chegam a afirmar que o preço da energia de Belo Monte terá que ser menor que aqueles obtidos numa competição acirrada entre dois grupos experientes que se debateram sobre a hidrelétrica de Jirau. Relembre-se que a dado momento o grupo que já havia ganhado a licitação da hidrelétrica de Santo Antonio, que em função de uma economia de escala poderia vir a arrematar o novo empreendimento, não acompanhou o grupo vencedor.
Enquanto não houver uma definição financeiramente viável para o preço da energia que considere os investimentos a realizar, os embates e as dificuldades para a realização do projeto irão permanecer. Mesmo que o governo dentro do componente eleitoral estabeleça benesses para o investidor e confirme o preço atualmente conhecido, levando o contribuinte a pagar a conta da insegurança, esta não será ainda totalmente debelada, mesmo que a Eletrobras venha tomar como anuncia o risco de 49%, significando dizer que estaria aceitando o preço de R$ 83,00/ MWh. O investimento não estaria garantido.
Outros interessados no contexto criado veem uma oportunidade para manter sua competitividade, e devem atuar para negociar a fatia que lhe será destinada a um preço inferior a US$ 40.00 /MWH. Neste caso o percentual restante para o mercado regulado teria que ter um preço superior a R$ 110,00 / MWh para "fechar" a conta. Se esta percepção se torna verdadeira, fazendo-se a conta inversa com a quantidade de energia assegurada que pode ser comercializada pelos investidores (cerca de 4.600 MW médios), fatalmente o investimento não será aquele sugerido pela EPE de R$ 19,6 bilhões, agora a ser "cravado" pelo TCU. E aí, caberá a Banca definir se aceita o risco dos previsíveis "overruns" se o governo não vier de fato modificar sua visão quanto ao montante deste mega-investimento, sempre lembrado pelos seus membros, como a terceira maior hidrelétrica do mundo.
Concluindo, mesmo sabendo que há tempo para resolver todas as questões legais e ambientais temos que seriamente definir o investimento necessário para implantar o empreendimento de Belo Monte sem subterfúgios. Ao definir o valor máximo da tarifa em um nível baixo, o governo toma o risco de afastar investidores privados, o que significa uma estatização de Belo Monte, de ter de bancar custos imprevistos no futuro por limitações nas receitas do consórcio ou, mesmo atrair empresas aventureiras.

*Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie)
*Abel Holtz é engenheiro, consultor na área de energia e negócios da Abel Holtz & Associados.

(Plurale)


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