O desafio de gerir cidades
Por Denise Ribeiro (*)
Conceber a cidade como bem público; envolver os diferentes atores sociais em torno de processos participativos e deliberativos, que tornem os espaços de convivência urbanos mais democráticos, dinâmicos e acolhedores da diversidade; e usar as redes sociais e o poder da internet para pressionar a administração pública a oferecer serviços mais eficientes e aperfeiçoar sua gestão. A discussão desses temas foi o eixo central da Conferência Internacional de Cidades Inovadoras (CICI2010), que terminou no último sábado (13/3), em Curitiba, no Paraná.
Durante o evento de quatro dias, 3.500 pessoas circularam pelos diversos auditórios da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), na difícil tarefa de escolher entre as inúmeras palestras, oficinas e mesas-redondas oferecidas, aquelas consideradas imperdíveis. E haja ânimo e pique para cobrir os 6.800 m2 ocupados pela conferência, atrás de estrelas como o americano Marc Weiss, uma das maiores autoridades em energia verde, o filósofo cibernético tunisiano Pierre Lévy, da Universidade de Ottawa, Canadá, o urbanista francês Marc Giget e o americano Clay Shirky, professor da Universidade de Nova York e estudioso dos efeitos econômicos e sociais da internet.
O americano Steven Johnson foi um dos nomes mais festejados do encontro, iniciativa da Fiep que teve promoção conjunta das prefeituras de Curitiba, de Lyon (França), de Bengaluru (Índia) e de Austin (Estados Unidos) e apoio institucional das Nações Unidas e do Banco Mundial. Autor de seis best-sellers, que transitam entre a história, a semiótica e a literatura, Steven Johnson é especialista em redes, visita o Brasil pela segunda vez e tem 1,5 milhão de seguidores no Twitter.
Johnson, que analisou as cidades como organismos biológicos, disse que elas, por si sós, são plataformas de inovação e que, quanto mais interfaces de comunicação com a administração municipal forem criados, mais ágeis se tornarão as respostas às demandas da população. Citou como exemplo o telefone 311, implantado pela prefeitura de Nova York, que recebe chamadas em 40 idiomas a diversidade é outra característica das cidades inovadoras. Denúncia de barulho, aviso de buraco na rua ou de que há um bêbado dormindo num playground, pedido de informações sobre um abrigo para mulheres, o 311 acolhe vários tipos de chamadas não relacionadas à criminalidade. Acabou tornando-se um painel vivo das necessidades mais imediatas da população, pois a prefeitura consegue mapear, em tempo real, como a cidade se move, disse.
Mas Johnson também destacou a importância de se adotarem novos paradigmas na captação de conceitos originais. Vamos perder muito se pensarmos que apenas o sistema competitivo colabora com a evolução, por impulsionar ideias e iniciativas. Sistemas vivos, como a floresta tropical e outros ecossistemas equilibrados, têm muito a ensinar para a vida em sociedade, especialmente em núcleos urbanos, enfatizou.
Outro orador bastante aplaudido foi o urbanista e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, responsável por inúmeras iniciativas que transformaram a capital paranaense em exemplo de modernidade, mobilidade e cidadania Curitiba começou a fazer coleta seletiva do lixo em 1976 e é até hoje um dos locais que mais reciclam materiais não orgânicos no mundo. Inovar é começar, disse ele, um defensor de soluções pontuais que chamou de acupuntura urbana , para transformar as cidades em locais mais acolhedores sem depender de grandes investimentos. Uma pedreira abandonada pode virar um teatro, por exemplo. Cidades, que considero o último refúgio da solidariedade, não são problema, são soluções, disse.
Participar para transformar
Soluções harmoniosas e de baixo custo foram apresentadas por Ron Littlefield, prefeito da cidade americana de Chattanooga, no Tennessee. Depois que grandes empresas abandonaram a cidade à própria sorte, nos anos 1960, Chattanooga viveu um intenso processo de degradação, mas decidiu renascer 20 anos mais tarde. Graças a iniciativas inovadoras e ao envolvimento da população na reconstrução do município, Chattanooga deixou para trás o título de cidade mais poluída dos Estados Unidos para se transformar na cidade mais verde do país.
Despoluímos o rio, em que as empresas despejavam detritos, transformando a área num parque. Plantamos árvores, restauramos a região central e convidamos artistas a se instalarem por lá. E mesclamos moradias de diferentes níveis sociais, para incentivar a convivência da diversidade. Hoje todo mundo sente orgulho de viver em Chatanooga, disse Littlefield. Qual a chave do sucesso? Segundo ele, é fazer com que as pessoas se sintam donas da cidade. Elas se reúnem para discutir o planejamento urbano, percebem que suas idéias são implementadas e se sentem estimuladas a participar sempre, ensina.
Tomar para si a tarefa de interferir na administração é a única saída que a população tem para pressionar políticos e líderes municipais. Oded Grajew, coordenador do Movimento Nossa São Paulo, falou da importância da instituição ao conscientizar os moradores da capital paulista a caminhar nessa direção. Sem a eficiência administrativa de Nova York, a qualidade de vida de Chatanooga ou a mobilidade de Bogotá a capital colombiana tem 350 km de pistas exclusivas para bicicleta, usadas diariamente por 350 mil bogotano no deslocamento até o trabalho , São Paulo se confronta com dados assustadores. Se pudessem, 57% dos habitantes deixariam a cidade, diz Grajew, citando dados coletados pela pesquisa sobre os Indicadores de Referência de Bem-Estar (Irbem).
Defendeu uma plataforma sustentável, que traga inovação social para a cidade. É preciso mudar processos sociais e políticos e ampliar espaços abertos para que a sociedade se reúna, compartilhe e dê visibilidade às suas propostas. As prioridades do orçamento da maior cidade do país têm de ser debatidas pela sociedade civil, e não apenas por prefeitos e vereadores, ressalta.
O analista político Augusto de Franco, especialista em redes sociais, concorda com Grajew. Segundo ele, o Estado terá de passar por uma transformação, porque os processos inovadores das redes estão tornando obsoletos outros padrões de governança, especialmente os centralizadores. Chamou de paquidermes organizativos estruturas autocráticas e disse que pessoas que se conectam com pessoas têm o poder de transformar as cidades. Citou como exemplo a Rede de Participação Política, iniciativa da Fiep/Sesi que coordena o Projeto de Desenvolvimento das Cidades do Paraná. Em Curitiba e mais sete cidades paranaenses, as comunidades estão elaborando planos de ação para vigorarem nos municípios nos próximos dez anos.
Ao todo, a CICI2010 recebeu 105 conferencistas dos cinco continentes, 300 prefeitos e vereadores de 72 cidades de 35 países e promoveu 15 palestras simultâneas por dia. O interesse gerado foi tamanho que seu site recebeu 11.600 acessos diários e seu Twitter ocupou o primeiro lugar no Brasil, durante os quatro dias de duração do evento.
Por Denise Ribeiro (Envolverde) / Edição de Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)
(Envolverde/Instituto Ethos)
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