Jardins botânicos, jardins de delícias

Data: 12/03/2010

Jardins botânicos, jardins de delícias




Por Evaristo Eduardo de Miranda*, para a ECO 21




Virtud es conocer esas yerbas,
Que, según yo me voy imaginando,
Algún día será menester
usar de ese conocimiento.

Don Quijote de la Mancha (I,10)
Miguel de Cervantes

Há casas em que entramos pela primeira vez e imediatamente sentimo-nos bem. São muitas razões para isso acontecer: o caráter acolhedor dos proprietários, a simplicidade da mobília, a iluminação, a presença de plantas e flores, os detalhes da decoração. Convidados para sentar, desejamos prolongar a estadia e ficar mais tempo por ali. Com os jardins botânicos também é assim.

Os jardins botânicos do Brasil representam um universo de situações, histórias e contextos quase tão amplo quanto a biodiversidade que abrigam e preservam. São casas maravilhosas que aguardam e merecem nossa visita. Existem jardins botânicos de poucos hectares e outros com várias centenas. Há jardins planejando um herbário e outros com centenas de milhares de exsicatas. Alguns existem há mais de dois séculos e outros foram criados há poucos anos. Alguns ainda não tiveram condições de elaborar um folder ou organizar seu site enquanto outros já foram objeto de dezenas de livros, centenas de artigos e milhares de reportagens.

O livro Jardins Botânicos do Brasil (Editora Metalivros) apresenta, pela primeira vez, o belo mosaico, complexo e surpreendente, desses tesouros da biodiversidade local e planetária, espalhados pelo território nacional. Ele relata uma história pouco conhecida. Ela começa no século XV com os hortos botânicos criados pelos portugueses nas ilhas do Atlântico para aclimatar plantas e, depois, no Brasil.

Mais de dez anos antes da vinda da Família Real para o Brasil, em 4 de Novembro de 1796, D. Maria I, por meio de uma Carta Régia, ordenou a implantação de um jardim botânico em Belém do Pará. Em 1798, uma carta do Conde de Linhares ordenou instalar viveiros de plantas em Olinda, Salvador, São Paulo, Goiás, Vila Rica e São Luís. Mas é a criação do Jardim Botânico de Belém que servirá de modelo para a implantação de outros jardins botânicos em várias partes do Brasil, como aparece numa carta do Conde de Linhares a D. Francisco M. de Souza Coutinho: Sua Majestade não só aprova (...) mas espera, que V. S. faça que esse Jardim sirva de modelo a todos os outros, que se devem estabelecer nas outras Capitanias do Brasil e que lhe dê uma extensão, que do mesmo possam ir para as outras Capitanias, as plantas exóticas e indígenas que V. S. tem cultivado.

Foi assim na capitania de São Paulo, por exemplo. Após a Independência, ocorre uma série de transformações na cidade de São Paulo. O Jardim Botânico perdeu áreas e funções. Em 1838, a Assembléia Legislativa Provincial transformou-o em Jardim Público, hoje conhecido como Jardim ou Parque da Luz. Sua área de 1,4 ha representa 13% da original.

A agricultura brasileira é tributária desses primeiros jardins por onde passaram grande parte das plantas que fazem hoje a força do agronegócio nacional. Essa aventura prossegue até hoje. O livro convida o leitor a viajar pelo tempo e pelo espaço dos Jardins Botânicos do Brasil. Tentei apresentá-los de forma despersonalizada, respeitando ao máximo o material e as informações fornecidas por seus responsáveis, existentes na Internet, na Wikipédia, em publicações e disponibilizadas pela Rede Brasileira de Jardins Botânicos. Foram quatro anos pesquisa, com o apoio eficiente da Embrapa Monitoramento por Satélite e do projeto Amigos da Biodiversidade.

Este livro é uma oportunidade única de se conhecer o conjunto dos Jardins Botânicos, com informações homogêneas, atuais, ilustradas e relevantes. A grande maioria das fotos são de Fábio Colombini e colocam o leitor dentro das paisagens, das vegetações e dos cantos e recantos dos jardins botânicos do Brasil. Na paisagem acidentada desses 34 jardins botânicos, mais do que valorizar picos de competência ou cumes de especificidade, foram destacados os vales que os unem, os sonhos e desafios comuns e por onde eles se comunicam. O leitor andará pelos caminhos aplainados de seus objetivos compartilhados: pesquisa científica, conservação da natureza e educação ambiental.

Que esta visita aos Jardins Botânicos brasileiros traga ao leitor o desejo de conhecer alguns deles in loco ou pela documentação eletrônica e impressa referenciada. Ou ainda trazendo-os para casa, adquirindo mudas e sementes, plantando-as em seu jardim botânico particular, na calçada ou em uma praça abandonada.

Evaristo Eduardo de Miranda é Doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite.



(Envolverde/Revista Eco21)


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