ICMS Ecológico e Pirataria,

Data: 23/02/2010

ICMS Ecológico e Pirataria,


Valeria Ferrari

Em outubro de 2007, foi sancionada, no Estado do Rio de Janeiro, a Lei do ICMS Ecológico. O ICMS Ecológico é um repasse anual para as prefeituras que investirem na manutenção de florestas, de fontes de água e no tratamento de lixo. Não houve aumento do imposto e sim uma redistribuição com um novo componente estabelecido que é o ecológico (6º índice). Para o cálculo do imposto e dependendo do tipo de política que adotar em prol do meio ambiente, o município terá direito a maior repasse do imposto. Os itens são: Tratamento de Esgoto, Destinação de Lixo, Remediação de Vazadouros, Manaciais de Abastecimento, Áreas Protegidas (todas as Unidades de Conservação) e Áreas Protegidas Municipais. O ICMS Ecológico, portanto, não premiará apenas municípios por ações em defesa de sua cobertura vegetal, mas também pela preservação da água e pelo tratamento do lixo.
A partir da nova realidade do ICMS Ecológico, que poderá aumentar os recursos oriundos do ICMS para os municípios, a educação fiscal que vem trabalhando essa temática junto à sociedade, ressalta a necessidade da conscientização de nós cidadãos, através da mudança de valores e atitudes e para isso, é oportuno chamar a atenção para algumas questões importantes: A biopirataria e a pirataria.
A biopirataria, que não é apenas contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna, mas principalmente, a apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. A enorme biodiversidade do Brasil e a falta de políticas para sua proteção, pesquisa e aproveitamento econômico fazem do país um dos principais alvos da biopirataria.
O termo pirataria tem origem dos atos ilegais, envolvendo saques e roubos, promovidos por grupos organizados ou autônomos num passado não muito distante. Hoje a pirataria moderna adquiriu conotações mais amplas, pois envolvem não somente o ato furtivo de saquear sejam produtos ou materiais biológicos (como é o caso da biopirataria), como também a prática tecnológica de duplicar e revender através de custos e com valores menores. Pirataria é crime, pois quando adquiri-se um produto pirata além de ferir o direito do autor, que vem a ser tão grave quanto alimentar a cadeia de corrupção e do crime organizado, pois o sonegador, o contrabandista ao corromper servidores e autoridades coloca também no mercado pelos mesmos meios da entrada do contrabando, drogas e armas. Em conseqüência dessa prática e do material trazido de forma ilegal, sem selo de qualidade, impactando a saúde dos cidadãos com a utilização de tênis, óculos e remédios falsificados, na maioria das vezes às custas de trabalho escravo ou subempregos, favorecendo economias subterrâneas, promovendo a sonegação de impostos, o desemprego e a ilegalidade (vide as apreensões diárias feitas pelos órgãos de fiscalização e repressão), provocamos uma imensa poluição no nosso “quintal” e os Municípios precisarão investir mais recursos em políticas públicas que consumirão mais recursos públicos oriundos dos impostos para limpar toda a sujeira que nós mesmos atraímos em troca dos baixos preços. Há que se pensar sobre o custo social da pirataria e o quanto o majoramos com nossas práticas nocivas a nós e ao ambiente.
Abaixo uma pequena mostra do lixo que estamos trazendo para nossos municípios e ao mesmo tempo pagando impostos que são aplicados em políticas públicas para preveni-los e coibi-los.
§ A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Nacional de Combate à Pirataria, divulgaram balanço mostrando que foram apreendidas mais de 170 toneladas de medicamentos falsificados, sem registro ou contrabandeados no país, entre janeiro e março deste ano. Em 2008, apenas 20 toneladas tinham sido apreendidas. O que mais chamou a atenção dos investigadores foi o aumento de apreensões em farmácias que funcionam legalmente no país.
§ A Receita Federal do Brasil, destruiu somente em dezembro passado, cerca de 4.576 toneladas de produtos piratas e contrabandeados apreendidos em várias regiões do país. Em 2007, foram 1.929 toneladas e somente esse ano, 2009, foram apreendidas um grande número de mercadorias, evitando a circulação em território nacional de produtos potencialmente nocivos à saúde e ao meio ambiente, cujo total de 28,81% foram levados à destruição por se tratarem de produtos potencialmente nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ As mercadorias “piratiadas” que vem sendo destruídas são: CD's e DVD's, cigarros, pneus usados, bebidas, cosméticos, preservativos, medicamentos e alimentos impróprios para consumo ou utilização, produtos falsificados (brinquedos, bolsas, tênis, bebidas, pilhas, isqueiros, óculos, relógios, perfumes, agrotóxicos), máquinas para jogo de azar, venenos, produtos químicos entre outros condenados por não atenderem normas de vigilância sanitária ou de defesa agropecuária.
§ Uma parte da lavoura cultivada em Mato Grosso pode ser o resultado de sementes pirateadas. É o que aponta o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que agora busca o apoio de produtores para denunciar a prática ilegal. A falta de procedência nos grãos, além de causar prejuízos fiscais e perda de produtividade, pode estimular o avanço de doenças no campo. A safra 2008/2009 está prevista para ter 1,4 milhão de toneladas a menos do que a anterior, mas nem por isso, perde a primeira posição. O Estado com as maiores safras do Brasil é também campeão em um outro quesito, na pirataria de sementes. Certos produtores de Mato Grosso são responsáveis por 30% de todas as infrações detectadas no país.
§ Os produtos piratas não podem ser levados a leilão, doados a entidades sem fins lucrativos ou incorporados ao patrimônio público por estarem em desacordo com as normas que regulam o seu consumo ou utilização. As medidas são tomadas para evitar o potencial de risco à saúde, à segurança das pessoas e ao meio ambiente que essas mercadorias podem causar. Dessa forma, precisam ser destruídos e os resíduos da destruição se transformam em lixo.
§ Instituto Akatu e União Brasileira do Vídeo, por meio do Datafolha, indicam que o consumidor brasileiro compra produtos piratas mesmo sabendo que a atividade tem relação com o crime organizado, sonegação de tributos e concorrência desleal à indústria e ao comércio regularmente instalado gerando, dessa forma, desemprego. Outros fatores apontam para a desconfiança dos consumidores com o destino dos impostos, a venda de produtos piratas à luz do dia e uma sensação de que a compra ajuda o camelô.
§ Estudos apontam ainda, que, grande parte da população desconhece a relação entre pirataria e crime organizado. A cada dia, as apreensões indicam que novos produtos entram no alvo dos piratas, como materiais cirúrgicos, peças automotivas e de elevadores.
§ Outra constatação é que todas as classes econômicas consomem produtos piratas, contrariando um paradigma que só a classe mais baixa consume produtos piratas.
§ O IBOPE Inteligência revelou como o brasileiro tem dificuldade de praticar as idéias de sustentabilidade difundidas. Segundo o estudo “Cidadania Sustentável: Um chamado para a ação” é grande a quantidade de pessoas que, embora tenham conhecimento de práticas de cidadania sustentável, não as inclui em seu cotidiano. Na pesquisa, foram enumeradas as ações sustentáveis mais disseminadas na sociedade: consumo consciente, pirataria, separar o lixo, além de pilhas e baterias. Apesar de 70% a 90% dos cidadãos ouvidos terem afirmado serem bem-intencionados quanto a estes hábitos, apenas de 30% a 60% os exercem, de fato. Ou seja, a maioria concorda que pirataria é crime contra a sociedade, mas poucos colocam em prática.
§ O Ibope constatou que a pirataria movimentou R$ 23 bilhões em 2008 nos setores de brinquedos, roupas, tênis, relógios, perfumes e cosméticos, jogos eletrônicos e peças para motos. A perda de faturamento da indústria nesses setores foi de R$ 46,5 bilhões. O País deixou de arrecadar R$ 18,6 bilhões em impostos com esses produtos, equivalente ao orçamento do Ministério da Fazenda/2010. Estima-se que o valor total anual gasto em roupas pirateadas chegue a R$ 8,9 bilhões. Quanto aos tênis, o número estimado é de R$ 2,3 bilhões. Simulando esses dados para a perda em arrecadação de impostos, os patrocinadores da pesquisa chegaram a resultado estarrecedor: R$ 9 bilhões em apenas dois dos itens pesquisados, equivalente ao orçamento do Ministério da Justiça/2010.
§ Para analisar a opinião da comunidade empresarial brasileira, o IBOPE também realizou uma pesquisa com 537 executivos de 381 grandes empresas brasileiras, quando o assunto é preservação ambiental, apenas 25% dos entrevistados afirmam que suas empresas investirão em projetos relacionados ao tema.
§ Para concluir a pesquisa, entre os dias 20 e 28 de julho do ano passado, foram feitas mil entrevistas em todo o Brasil com homens e mulheres acima de 16 anos, residentes nos maiores estados brasileiros, para avaliar a percepção das classes A, B e C sobre assuntos ligados ao tema sustentabilidade. Entre os entrevistados, 33% admitem comprar produtos de comerciantes ambulantes e de lojas do chamado comércio informal.
§ Dados da Associação Antipirataria Cinema e Música (APCM) corroboram esse movimento de consumo dos itens piratas. O setor fonográfico tem 48% de seu mercado tomado pela pirataria, o que já ocasionou, nos últimos anos, a perda de mais de 80 mil empregos formais e uma queda de mais de 50% no faturamento do setor. Além disso, mais de 3,5 mil pontos de vendas legalizados já foram fechados no País e a estimativa com a perda em arrecadação de impostos já ultrapassa os R$ 500 milhões anuais. Todo este prejuízo também afetou diretamente os artistas, já que as gravadoras reduziram em mais de 50% os lançamentos de produtos nacionais e a contratação de artistas locais.
§ A pesquisa Fecomércio-RJ/Ipsos revela que 47% dos entrevistados compraram algum produto pirata em 2008. Este é um percentual bastante superior aos 42% registrados nos anos anteriores.

Com base nos dados, pesquisas e informações acima, cabe-nos conscientizarmos que o controle do comércio ilegal de produtos piratas no Brasil, que acreditamos ser do governo e das empresas, passa, de forma não menos importante, pelo consumidor, exigindo que ele se torne mais consciente e passe a considerar, em suas escolhas de consumo, as implicações econômicas, ambientais, sociais e legais desse tipo de consumo. O preço baixo que atrai o consumidor acaba saindo caro, porque, suas conseqüências e prejuízos se alastram por diversos setores da economia e da justiça, e no fim, é a própria sociedade que arca com a diferença entre o valor real do produto e o valor da mercadoria pirata.

Esse artigo propõe refletirmos sobre nosso consumo de mercadorias e serviços piratas, a escolha é nossa. A importância do ICMS Ecológico para nosso estado não é somente premiar, mas reconhecer, através de uma maior parcela dos recursos distribuídos pelo IPM-Índice de Participação dos Municípios, o esforço dos municípios que tem ações ambientais sustentáveis., considerando que além de todos os malefícios elencados anteriormente, pois quanto mais lixo “aceitarmos”, mais recursos serão necessários para “eliminá-los”. Portanto, não basta não consumir produtos e serviços de origem ilegal e sem nota fiscal, precisamos fomentar atitudes que inibam a pirataria, precisamos também fiscalizar a administração dos recursos públicos no nosso menor espaço de convivência e acompanhar a sua correta aplicação. Dessa forma, é fato que estaremos contribuindo de forma positiva para a transformação social no nosso município, nosso estado, nosso país e em contrapartida o planeta agradece.


(Além das fontes descritas no artigo, foram utilizadas como fontes de pesquisas: Portal Amazônia, Clic Hoje, Alfândega Aeroporto/RFB, Folha Online, Força Sindical, G1 e Secretaria de Ambiente-RJ).


< voltar