Etiópia: Represa levanta um muro de críticas

Data: 11/02/2010

Etiópia: Represa levanta um muro de críticas


Está em construção na Etiópia uma represa hidrelétrica de 240 metros de altura no Rio Omo, para tentar pôr fim à escassez de eletricidade e às dificuldades de fornecimento aos países vizinhos. Mas nem todos estão contentes. A represa Gilgel Gibe III reterá 14,7 milhões de metros cúbicos de água. Sua capacidade para gerar 1.870 megawatts impulsionará a atividade da Companhia Etíope de Energia Elétrica (EEPCO), que pretende aumentar seu fornecimento dentro do país e exportar para outras nações no leste da África. A construção foi entregue à multinacional italiana Salini Costruttori SPA, em um contrato de US$ 1,7 bilhão.

As organizações ambientalistas Friends of Lake Turkana (FoLT, Amigos do Lago Turkana) e International Rivers (IR) expressaram preocupação com o impacto das obras na biodiversidade do Rio Omo e do Lago Turkana, por ele alimentado. A bacia tem grandes populações de crocodilos do Nilo, hipopótamos e mais de 40 espécies diferentes de peixes. A IR e a FoLt também alertaram que a mudança no fluxo do Rio poria em risco o sustento de mais de 200 mil pessoas que dependem do Lago para pescar, criar gado e irrigar suas plantações. Os grupos questionaram ainda a qualidade dos estudos de impacto ambiental e social do projeto.

Os que se opõem à represa também criticam o fato de as obras serem concedidas sem licitação internacional, pois o contrato foi negociado diretamente com a Salini, violando as normas etíopes. Porém, a EEPCO assegurou que tanto as regras de aquisição pública etíopes como as internacionais permitiram que o contrato fosse assinado sem um processo de licitação, devido à dimensão e aos altos requisitos financeiros do projeto.

O presidente da EEPCO, Miheret Debebe, disse que os críticos usam falsos argumentos para tentar deter a obra. Entretanto, Ken Ohashi, diretor do escritório do Banco Mundial para a Etiópia e o Sudão, confirmou que a falta de licitação impossibilita o organismo de dar empréstimo ao governo etíope para as obras. Mas isto não descarta completamente eventual participação do banco.

“Em uma situação como esta, há possibilidades para nós, em linha com nossas pautas, de ajudar a mobilizar fundos do mercado privado para financiar o projeto, dando uma garantia aos interessados”, disse Ohashi à IPS. A construção da Gibe III já está completa em mais de um terço, mas é preciso mais dinheiro. Os esforços do governo para acalmar as preocupações ambientais, sociais, financeiras e técnicas, assegurar uma garantia de crédito do Banco Mundial, complica-se por problemas em outra fase de sua gigantesca estratégia hidrelétrica.

Quase duas semanas depois de formalmente inaugurada, em 14 de janeiro, a hidrelétrica Gilgel Gibe II sofreu um colapso em seu túnel principal. Gibe II, também construída pela Salini, tem – ou tinha – uma capacidade geradora de 420 megawatts. Dependia da água liberada pela represa Gilgel Gibe I, canalizada por um túnel de 26 quilômetros até o Vale do Rio Omo. Os termos deste projeto também foram negociados sem licitação com a Salini.

A rede italiana de organizações não governamentais Campanha pela Reforma dos Bancos Mundiais afirma que o contrato para a Gibe II, de US$ 670 milhões, violou tanto as leis egípcias quanto as italianas. Contudo, o Diretório Geral para a Cooperação em Desenvolvimento da Itália aprovou o que foi o maior crédito único já concedido, apesar dos conselhos contrários, tanto do Ministério da Fazenda como da própria unidade de avaliação do Diretório.

A Campanha criticou o fato de não haver licitação nem um adequado estudo de viabilidade, bem como fundos para mitigar os efeitos ambientais. Os ativistas também indicaram que o Banco Europeu de Investimentos concedeu empréstimo de US$ 69 milhões, segundo cotação atual, aceitando o argumento da Etiópia de que enfrentava escassez de energia elétrica, e sem realizar um completo procedimento. A construção enfrentou grandes dificuldades. Os engenheiros encontraram uma quantidade inesperada de lama, areia e aquiferos. O projeto foi finalmente completado com dois anos de atraso.

Em 2009, oito acadêmicos e consultores, que colaboraram com o Grupo de Trabalho sobre Recursos da África, publicaram uma dura crítica aos estudos feitos para Gibe III. O Grupo alertou que, ao contrário das conclusões do estudo de impacto ambiental realizado pela Salini e pela EEPCO, os efeitos do projeto seriam devastadores. Previram uma drástica redução do fluxo de água para o Lago Turkana e uma perda de cultivos nas terras do delta do Rio Omo, afetando a biodiversidade e o sustento de muitas pessoas.

O Grupo disse que mais de 200 mil indígenas da parte mais baixa da Bacia do Omo dependem da plantação na margem e no delta do rio. “Esta população pode sofrer grandes perdas econômicas, com severa e propagada fome, doenças e perda de vidas em escala regional, se a Gibe III for completada”, alertou. IPS/Envolverde



(IPS/Envolverde)


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