Quioto se torna ponto-chave para os países pobres

Data: 15/12/2009

Quioto se torna ponto-chave para os países pobres


A conferência climática da capital dinamarquesa entrou em sua semana final envolta em uma nuvem de incerteza, ao mesmo tempo em que o grupo africano lidera um protesto do mundo em desenvolvimento contra o que vê como uma tentativa de abandonar o Protocolo de Quioto. Em meio a convites para esse ou aquele acontecimento paralelo, o final de semana viu discussões várias sobre problemas em gestação no processo oficial.

Em uma das entrevistas coletivas que deu o grupo africano, ficou claro o seu descontentamento pelo modo como estão sendo estruturados os debates oficiais. Os representantes da África protestam contra uma ordem empresarial que parece seguir a preferência de um país industrializado para discutir uma via única para as negociações. A África prefere continuar com os debates paralelos que preservem a estrutura imperfeita, mas legalmente vinculante do Protocolo de Quioto, enquanto continuam as negociações sobre um acordo substituto vinculante no longo prazo. Por volta do meio-dia, o descontentamento do grupo africano fez com que as conversações oficiais fossem interrompidas.

Seus delegados haviam informado ao presidente do grupo de trabalho sobre uma proposta de tratado de longo prazo onde eles simplesmente não participariam de nenhuma negociação até que fosse reiniciado o movimento nos debates paralelos do Protocolo de Quioto. O protesto foi apoiado pela Aliança de Pequenos Estados Insulares (Aosis) e rapidamente se transformou em uma posição do Grupo dos 77 (formado por mais de 130 nações em desenvolvimento para atuar nos âmbitos da Organização das Nações Unidas), paralisado as negociações.

A Rede de Ação Climática anunciou em seu informe diário sobre o estado das negociações que, após estudar os vários compromissos em discussão no início da semana, assinar um acordo sobre as bases propostas faria aumentar as emissões, o que significaria um crescimento estimado de 3,9 gruas nas temperaturas mundiais médias. A Rede, uma coalizão de 450 organizações que promove a justiça ambiental e social em todo o mundo, informou que os negociadores conseguiram avanços em matéria de cooperação técnica e criação de infraestrutura com vistas a um plano para reduzir o dano às florestas.

Os muito lentos avanços dos últimos dois anos se aceleraram rapidamente com a divulgação de rascunhos por parte dos presidentes dos grupos de trabalho, informou a Rede, embora tenha se conseguido pouco em relação aos temas políticos difíceis. Vários pontos-chave foram destacados, entre eles as discordâncias sobre objetivos de emissões, a questão do financiamento no longo prazo e a escala desse apoio. China e outros dos principais contaminadores no mundo em desenvolvimento propuseram apenas objetivos conservadores para reduzir as emissões.

Isto tem ligação com a reticência das nações industrializadas em comprometer fundos significativos aos cerca de US$ 200 bilhões anuais necessários para adaptação, mitigação, transferências de tecnologia e criação de infraestrutura. Na medida em que chegavam cada vez mais ministros à Dinamarca, a Rede de Ação Climática enfatizou que até agora o maior fracasso é a liderança política.

Marcelo Furtado, diretor-executivo do Greenpeace Brasil, disse que estava claro que não se havia ordenado aos negociadores que resolvessem questões espinhosas. Quando a indústria brasileira se opôs à abolição da escravatura, há 120 anos, primeiro alegou que não a podia enfrentar economicamente, e o argumento moral prevaleceu apenas no final. “Aqui estamos 120 anos mais tarde, olhando um cenário muito semelhante. As pessoas dizem que não há debate moral, que este foi somente sobre tecnologia e finanças”, disse Furtado. Onde se exige um financiamento de longo prazo, até agora o mundo industrializado ofereceu apenas para curto prazo.

Economias emergentes como China, Índia e África do Sul não responderam ao chamado de assumir compromissos firmes para agir rapidamente e reduzir suas emissões. “Essa semana o desafio é pedir visão, responsabilidade e liderança. E isso recai nos ombros de todos: países (emergentes) como Brasil, China e Índia que terão de fazer com que seus compromissos sejam medidos e verificados, mas também o mundo industrial que deveria por o dinheiro sobre a mesa e mostrar vontade de elevar suas ambições”, afirmou Furtado.

Na semana passada o negociador da Índia disse que sua prioridade era o crescimento econômico e a adaptação aos efeitos prejudiciais, deixando a mitigação em segundo plano. O comportamento da África do Sul foi condenado em outra coletiva, onde a organização não-governamental Amigos da Terra Internacional criticou um grande empréstimo do Banco Mundial a esse país (que duplica seu compromisso total com a energia renovável em todo o mundo) para a construção de novas centrais alimentadas a carvão.

Um acordo para reduzir as emissões derivadas do desmatamento se destacou desde o começo da conferência. Mas nesta frente a preocupação dos ativistas é que durante o final de semana tenham sido eliminadas do corpo principal do texto, não do preâmbulo, salvaguardas vitais para as comunidades indígenas.

Rosalind Reeve, da Global Witness, disse que Papua-Nova Guiné (como representante do grupo africano) e Índia trabalharam durante o fim de semana para eliminar a frase que estabelece claramente que as partes a “implementarão” e substituir pelo muito mais fraco “deveriam proteger”. Se essas salvaguardas forem perdidas, não haverá garantias para os direitos dos indígenas no mecanismo REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), disse Reeve. (IPS/Envolverde)



(Envolverde/IPS/TerraViva)


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