O problema ambiental e as responsabilidades de mídia

Data: 11/12/2009

O problema ambiental e as responsabilidades de mídia


Em Copenhague, capital da Dinamarca, os principais líderes do mundo decidem as metas para a redução da emissão de gases poluentes na atmosfera para os próximos dez anos. Os chefes de Estado concordam que é preciso rever o modo de produção industrial e mudar práticas sociais para evitar as catastróficas mudanças climáticas previstas por especialistas, mas relutam estabelecer metas ousadas que possam prejudicar suas economias.

Mas a questão ambiental que atualmente ocupa manchetes de jornais por conta da realização da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15) logo passará para segundo plano. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (8/12) pela TV Brasil discutiu o papel da imprensa na mobilização da sociedade para a preservação do meio ambiente. Os meios de comunicação conseguem alertar à população para o fato de que as mudanças climáticas já podem ser sentidas no Brasil - e que cada cidadão pode fazer a sua parte na preservação do planeta?

Para debater este tema, o Observatório recebeu no estúdio do Rio de Janeiro Eduardo Viola, professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), que trabalha com política ambiental internacional desde o fim da década de 1980. Em São Paulo, participaram dois convidados: Luciano Martins Costa, colunista do jornal Brasil Econômico e apresentador do Observatório no rádio, e Dal Marcondes, fundador e diretor da Envolverde Revista Digital, site especializado em meio ambiente e sustentabilidade. Aldem Bourscheit, repórter do site O Eco, participou pelo estúdio de Brasília. Bourscheit acompanha questões ambientais desde a Rio-92, é pós-graduado em Meio Ambiente, Economia e Sociedade pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso, da Argentina).

Antes do debate ao vivo, na coluna "Mídia na Semana", Alberto Dines comentou a cobertura da imprensa sobre as denúncias de pagamento de propinas envolvendo o governador do distrito federal, José Roberto Arruda. O jornalista destacou que o escândalo deveria ficar conhecido como "Propinoduto de Brasília" e não como "mensalão do DEM". Na avaliação de Dines, a mídia comportou-se exemplarmente. "Não se serviu de vazamentos exclusivos e ilícitos, todos publicaram tudo no mesmo dia e agora cabe à mídia inteira evitar que o caso caia no esquecimento e os panetones de Arruda se transformem em pizza."

A informação descontextualizada

Ainda antes do debate no estúdio, Dines comentou que o Brasil já está sendo afetado pelas mudanças climáticas, como pode ser verificado por efeitos como a seca na região amazônica. "E quem será capaz de costurar estas dezenas de acidentes climáticos? Qual o segmento da sociedade humana treinado para contextualizar e dar sentido aos fragmentos da pauta diária? Chegou a vez da mídia arregaçar as mangas para convocar o mundo a defender-se da catástrofe anunciada", afirmou. Dines chamou a atenção para o fato de não apenas as políticas públicas podem alterar o panorama do meio ambiente. Todos os cidadãos devem empenhar-se na luta contra o desequilíbrio ambiental.

A equipe da TV Brasil que está em Copenhagem entrevistou Washington Novaes, jornalista especializado na questão ambiental, ao final do primeiro dia do evento. Novaes destacou que ao longo de conferências como esta - que envolvem um grande número de países e onde estão em jogo questões polêmicas - posições diferentes são expostas. Líderes já afirmaram que somente no próximo ano será feito um acordo, enquanto outros garantem que metas serão estabelecidas ao final da COP-15.

O jornalista observou que representantes de ONGs têm dificuldade em assumir posições mais pessimistas e influenciar a opinião pública e governos. "É um jogo difícil, pesado e muito complicado", avaliou. Outro ponto destacado por Novaes é que a mídia não dedica uma cobertura sistemática ao meio ambiente. Dá destaque a grandes catástrofes ambientais, mas não mostra no dia-a-dia a relação entre desabamentos e a ocupação ilegal de encostas de morros, por exemplo.

A mudança climática já assombra o Brasil?

Marilene Ramos, secretária de Gestão do Ambiente do governo do Rio de Janeiro, avaliou que a mídia brasileira tende a mostrar os fatos como se o problema do desequilíbrio ambiental ainda não tivesse atingido o Brasil. Há sinais mais evidentes das conseqüências do aquecimento global, como o derretimento das geleiras, mas o Brasil também já é afetado, na avaliação da secretária. A mídia leva a população a acreditar que "isto é um problema dos países desenvolvidos e não nosso; e, na verdade, nós estamos dentro deste problema". A secretária defende que o Brasil colabore para a diminuição da emissão de gases que contribuam para o efeito estufa, mas que ao mesmo tempo mude práticas ambientais "medievais", como as queimadas e os lixões.

Para Aluízio Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo, a cobertura da questão ambiental é um desafio para a mídia por ser extremamente técnica. Muitos climatologistas acreditam que ainda é cedo, do ponto de vista científico, para estabelecer uma relação direta entre certos eventos que já ocorrem no Brasil - como ciclones, enxurradas e secas - com o aquecimento global. "Nós jornalistas funcionamos em outro timing e temos, sim, que procurar aproximar causas e efeitos", disse.

De Londres, o jornalista Sílio Boccanera afirmou que a mídia na Europa rotineiramente estabelece a ligação entre as catástrofes locais da natureza - como enchentes e secas - e o problema global da mudança do clima. Franceses, suíços e italianos mostram-se preocupados com o degelo nos Alpes e a redução da neve nas suas estações de esqui. "É mais do que uma preocupação meramente ecológica. Perde-se dinheiro com isso", sublinhou. Na Inglaterra, a repetiç;ão de enchentes devastadoras nos últimos anos também tem sido ligada à mudança geral do clima.

Na Europa, um panorama bem diferente

Jornais e emissoras de TV na Europa oferecem amplo espaço ao assunto. Boccanera enfatizou que a mídia destaca que não se trata apenas do aquecimento da Terra, o que faz com que a população pense "apenas em mais calor", o que poderia ser visto como positivo em um país frio a Inglaterra. "A ênfase é na mudança do clima e no desequilíbrio dá resultante, que vem dar em problemas não só lá em cima, na estratosfera, mas na esquina de cada um de nós", explicou.

No debate ao vivo, Dines questionou se há "uma percepção formal de que já estamos à beira do abismo". O professor Eduardo Viola explicou que a percepção das mudanças climáticas está diretamente ligada ao nível de instrução da população. Quanto maior grau de educação do cidadão, mais este observa a gravidade do problema e compreende a necessidade de transformar um sistema de alta intensidade de carbono em um de baixa intensidade. O professor destacou que a questão da distribuição dos custos desta mudança torna a negociação mais intensa. E, embora todos os países estejam adotando políticas de transição, a velocidade das ações concretas é lenta se comparada ao que os especialistas apontam como a necessária.

Para Luciano Martins, a cobertura do meio ambiente é um desafio para os meios de comunicação porque estes não têm o costume de tratar questões de forma sistêmica. Na opinião do jornalista, a mídia tem feito uma cobertura fragmentada e pontual. "Tem fugido da relação óbvia que existe entre a questão ambiental e outras questões como, por exemplo, o modo como a economia está organizada", avaliou. Os jornais passaram a cobrir de forma mais intensa a mudança climática em fevereiro de 2007, quando foi divulgado o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), mas o enfoque foi catastrófico, emotivo e assustador. Logo depois, o assunto foi abandonado e só retornou aos meios de comunicação já próximo à realização da COP-15.

A internet como aliada

Um aliado para a criação de uma consciência ambiental no cidadão é a internet. Aldem Bourscheit disse que a rede de computadores supre uma lacuna da grande mídia, que cobre o meio ambiente apenas em momentos pontuais, como durante a realização de um grande evento internacional. "Os veículos brasileiros, de forma geral, têm pouca gente cobrindo a área ambiental frente ao tamanho do desafio", avaliou. O repórter comentou que um estudo apontou que na região mais castigada pelas enchentes em Santa Catarina, 85% dos setores afetados estavam em topos de morros, margens de rios e encostas.

"Seria interessante que a grande mídia ligasse estes pontos mostrando que o aquecimento global pode potencializar esses efeitos climáticos, e que a ocupação do território é um fator importante a ser debatido no Brasil", enfatizou. Aldem Bourscheit destacou que percebe na população brasileira uma "angústia" em saber como agir para preservar os recursos naturais e colaborar com as políticas públicas de preservação do meio ambiente. O cidadão também tem interesse em cobrar dos governos o cumprimento de planos apresentados.

Nos grandes jornais, o meio ambiente deixou de ser um tema restrito a uma única editoria. Dal Marcondes disse que a pauta ambiental ganhou espaços nobres na mídia, como a primeira página. "Saiu da editoria de Geral e de Ciência para ganhar um espaço na Economia porque interessa às empresas." Mas a cobertura ainda não é transversal, na opinião de Marcondes. O ideal seria a pauta ambiental estar presente em todos os aspectos das coberturas.

Outro tema discutido no Observatório foi o conflito de interesses que pode haver nos jornais em relação à publicidade. Dines questionou se a mídia será capaz de levar ao extremo a conscientização da população sem entrar em confronto com os anunciantes de produtos que poluem o ambiente, como carros a diesel, por exemplo. Luciano Martins concordou que este é um ponto de contradição. O jornalista explicou que a grande quantidade de anúncios de carros off road - que não são modelo flex - se deve ao fato de que os jornais estão voltados para o público de classe A e B, onde estão os consumidores deste produto. O setor de construção civil é outro ponto de contradição. Aos domingos, as páginas dos grandes jornais estão repletas de anúncios de lançamentos do setor imobiliário. "Os jornais em nenhum momento questionam o fato de que muitos dos insumos das construções são buscados em fontes das quais não se cobra a questão ambiental", criticou.

Estado ausente

Dal Marcondes destacou que no Brasil há uma grande necessidade da presença do Estado. Na Amazônia, por exemplo, os serviços básicos do Estado não estão presentes para a maioria da população. "É muito difícil falar em conter o desmatamento na Amazônia em uma região em que você não tem a capacidade de comando e controle do Estado, não tem a capacidade de entrar com políticas públicas eficientes para cumprir metas", afirmou.

Marcondes explicou que um fator que prejudica a cobertura é o alto custo do jornalismo de qualidade. Mesmo jornais de circulação nacional não têm recursos para mandar equipes com frequência para a Amazônia. E na internet o problema é ainda mais grave. Mesmo sem ter o custo industrial do papel, há menos capital porque não há o aporte publicitário disponível para a mídia impressa.



(Envolverde/Observatório da Imprensa)


< voltar