Chegaremos a tempo a Copenhague?

Data: 30/11/2009

Chegaremos a tempo a Copenhague?


Talvez, a mais importante lição que a crise econômica e financeira global está nos deixando seja as proporções que seu nome envolve. Ao apresentar dimensões globais, ficou mais evidente para nós como uma fábrica que fecha suas portas em Detroit pode levar seus efeitos catastróficos até Lagos ou São Paulo, ou como a perda do emprego de um operário na Espanha faz com que aconteça o mesmo a outro na China.

A evidência de que a economia global, as tecnologias de ponta e a interdependência comercial fazem do mundo moderno um sistema de conexões no qual todas as suas partes influem, também serviu para ressaltar que essa relação da “aldeia global” poderá se manter somente com a instrumentação de uma mudança bastante radical de estruturas sistêmicas. Porém, esta mudança, que para tantos resulta inquestionável se a intenção é sustentar o modelo econômico, implica estabelecer uma visão diferente do consumo dos recursos naturais e a consequente necessidade de adotar uma relação mais harmônica com o meio ambiente.

Desde muito antes de ser desatada a crise econômica que percorre o mundo, sabíamos que a fumaça lançada na China também é respirada pelos europeus, e que uma fábrica de veículos consumidores de combustível de Detroit provoca uma contaminação na atmosfera e um aceleramento no esgotamento das fontes energéticas tradicionais capaz de afetar todo o planeta e comprometer seu futuro.

Entretanto, a plena consciência de que a economia especulativa e sem regulamentações, e a consequente deterioração de um ambiente que é visto somente como fonte de lucro, estava tocando os limites de sua capacidade de resistência, não conseguiu deter, com a seriedade exigida, os modos de produção e de consumo existentes e nem as agressões contra a natureza.

Entre as certezas que tínhamos antes da crise – e que esta serviu para destacar –, está o fato de as economias das nações mais industrializadas, responsáveis protagonistas da quebra econômica, são as principais consumidoras de recursos naturais e, muitas vezes, as maiores agressoras do meio ambiente. Algumas delas, várias na Europa e muito golpeadas pela crise, demonstraram vontade política de começar a mudar políticas econômicas, e inclusive impulsionam com renovada ênfase a aplicação das tecnologias “verdes”. Outras, entretanto, muito preocupadas com as soluções econômicas imediatas, ou presas na contradição mercantilista e desenvolvimentista do sistema, ainda não dão o passo para marcar a distância entre as intenções e as ações.

Talvez, a própria saída (presumivelmente temporária) da crise econômica e financeira provoque um sentimento triunfalista que, por sua vez, impedirá esses países de darem o salto necessário... E, então, não estariam fazendo mais do que abrir o caminho para a próxima crise e para um desastre ecológico mais devastador. A esta altura do conhecimento dos resultados que trouxeram para a natureza os modelos econômicos neoliberais e, sobretudo, das catastróficas consequências que sofreremos se não se der um giro imediato na relação entre economia e recursos naturais, pode parecer loucura não adotar as medidas necessárias.

Sem dúvida, um dos temas mais álgidos desta problemática resida na responsabilidade (ou melhor, na capacidade de estabelecer políticas efetivas) dos países que levaram a saúde econômica e física do planeta ao seu estado atual. Também está a necessidade – e até o direito – de outros países apararem suas lamentáveis condições econômicas, acudindo a tecnologias tradicionais mais baratas ou a novas propostas de consequências imprevisíveis, entre as quais os polêmicos biocombustíveis.

Somente a consciência de que deve haver uma colaboração responsável e profunda entre países ricos e pobres, capaz de expandir o desfrute de certos níveis de desenvolvimento a estes últimos e uma redefinição do consumo – incluído o de combustíveis renováveis – poderá deter uma tendência suicida que, em seu desenlace, afetará por igual uns e outros, precisamente porque vivemos em um mundo global. A conferência mundial sobre mudança climática, convocada pelas Nações Unidas para 7 a 18 de dezembro em Copenhague, chega bem a tempo somente se as lições da crise estiverem assimiladas, sobretudo pelos que a provocaram.

O que está em jogo hoje não é a saída de uma crise ou o exorcismo da próxima, mas o futuro imediato da civilização humana. Já se viu as sequelas que o afã por lucro provocou nos negócios, nas finanças e até na vida cotidiana da quase totalidade dos habitantes do planeta.

Se depreende como lição a necessidade de uma racionalidade econômica que alguns chamam de “revolução dos modelos”, para a qual é inevitável a intervenção dos Estados e, com ela, a férrea aplicação de concepções produtivas e de consumo que aliviem a tensão do ambiente, para o que é necessária a intervenção de cada cidadão, promovendo outra revolução, neste caso dos costumes.

Somente com esta vontade e, mais ainda, com essa política, a conferência de Copenhague não terá chegado muito tarde.

* Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas e sua obra mais recente, “O homem que amava os cães”, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramon Mercader. Direitos exclusivos IPS.

Crédito da imagem: Fabrico Vanden Broeck


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.



(Envolverde/Terramérica)


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