A evolução das negociações

Data: 24/11/2009

A evolução das negociações


Quem esteve acompanhando o noticiário em meados de novembro de 2009 seguiu de perto o imbróglio: na noite do dia 15, ao fim de um jantar no Fórum da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec), o primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, afirmou que não seria possível alcançar um acordo sobre metas de redução de emissões de gases de efeito estufa na COP-15 – com isso, a conferência resultaria em um acordo estritamente político. Os presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama e da China, Hu Jintao, apoiaram publicamente, a afirmação dinamarquesa – o que,é claro, decepcionou profudamente a comunidade mundial.

Não era para menos. Afinal, há dois anos os países signatários da Convenção do Clima estabeleceram que a COP-15 seria o prazo final para o estabelecimento de um novo acordo mundial sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa. Primeiro ciclo do Protocolo de Kyoto expira em 2012 e são necessárias novas e mais elevadas metas para conter o aquecimento do planeta.

A declaração dos líderes mundiais também levou a uma redução das expectativas em nível institucional. ONU e governo da Dinamarca, anfitrião da conferência, afirmaram que não será fechado um tratado com metas em Copenhagen, mas sim um acordo político em duas etapas. Isso significa que as metas obrigatórias de redução de emissões de gases do efeito estufa para a segunda fase do Protocolo de Kyoto seriam definidas somente no ano que vem.

Logo em seguida, após uma repercussão extremamente negativa da declaração conjunta, Obama e Hu Jintao afirmaram que “o objetivo não é um acordo parcial, nem uma declaração política, e sim um acordo que cubra todas as questões nas negociações e que tenha um efeito imediato”, sem, entretanto, mencionarem que irão adotar metas. O problema, segundo o cientista político Sérgio Abranches, é que ainda não se tem idéia do que realmente significa essa nova declaração.

Assim, embora tudo pareça caminhar, de fato, para o estabelecimento de um acordo apenas político – até a União Européia já admitiu que, a essa altura do campeonato, esse será o único resultado possível, os resultados dos debates que irão acontecer a partir do dia 7 de dezembro, em Copenhagen, ainda podem guardar uma margem de surpresa.

Negociações travadas há tempo

Todo essa confusão política e jogo de forças e pressões entre as nações ocorre há menos de um mês do início da COP-15 e demonstra que a construção de um acordo global pela redução de emissões não vem sendo fácil. Representantes dos países signatários da Convenção do Clima passaram todo o ano de 2009 se reunindo em diferentes cidades para tentar costurar o novo acordo global, sem muito sucesso. “A conferência em Copenhagen representa a conclusão de um processo de discussão de dois anos. Não se faz um acordo global ambicioso da noite para o dia”, afirma Fernanda de Carvalho, coordenadora política de mudanças climáticas da ONG The Nature Conservance (TNC).

Nos últimos meses, cinco pré-reuniões antecederam a COP 15, porém muito pouco se avançou - o que, como vimos, está colocando em jogo a eficiência do encontro de dezembro. Saiba o que foi debatido – ou não – em cada uma delas:

As reuniões de Bonn

As primeiras reuniões aconteceram na cidade alemã, que recebeu encontros nos meses de abril, junho e agosto. Apesar das expectativas que esse tipo de evento gera em relação construção de consensos, os resultados dos encontros deixaram a desejar. Para a maioria dos participantes, os progressos foram pífios principalmente nas negociações sobre metas de redução e financiamento.

O segundo encontro foi o de maior destaque e durou 12 dias (entre 01 e 12 de junho). De acordo com a assessora técnica da Secretaria Nacional de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Paula Bennati, ficou clara a divergência dos países sobre vários aspectos-chave do documento que serve de base para as negociações.

Um dos pontos cruciais das divergências foi – e ainda é – o fato de que enquanto as nações desenvolvidas resistem em arcar sozinha com o peso da redução, exigindo que os países em desenvolvimento emergente também assumam metas, estes últimos acreditam que a responsabilidade maior pelo aquecimento global é dos mais ricos. Por isso, exigem amplo financiamento para suas ações de mitigação, mesmo sem assinarem um acordo se comprometendo com números de redução de suas emissões.

Durante a reunião, foi colocada na mesa a proposta de um novo acordo, pelo qual as nações emergentes também seriam obrigadas a cumprir metas de emissões. Liderada pelo chamado grupo guarda-chuva (Umbrella Group), formado por Austrália, EUA, Canadá, Japão, Nova Zelândia, Rússia, Ucrânia e Noruega, a proposta pretendia criar um novo tratado a partir do zero, encerrando a vigência do Protocolo de Kyoto.

De acordo com especialistas, o fim de Kyoto representaria mudanças significativas no regime atual do clima. O ano base para a redução de emissões, por exemplo, se deslocaria de 1990 para 2005, o que na prática significa cortes menores de CO2 e que todo o marco jurídico estabelecido para o mercado de carbono teria de ser refeito - além, é claro, da integração de mais países no acordo. “Eles incluíram metas para as nações em desenvolvimento. O Brasil, África do Sul China e Índia são os alvos preferidos de cobranças”, destaca Paula Benatti.

Nos momentos finais do encontro, entretanto Brasil, África do Sul e China – com apoio de mais 33 países – conseguiram dar sobrevida à Kyoto. Uma proposta apresentada em plenária pelo ministro Luiz Alberto Figueiredo, líder dos negociadores brasileiros, sugeriu meta de redução de 40% em oito anos, entre 2013 e 2020. “Se não agíssemos, Kyoto poderia ir desaparecendo do debate por não ter nenhuma proposta nova de período de compromisso”, explica José Miguez, secretário-executivo da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia .

As discussões sobre o fim do Protocolo de Kyoto continuaram em aberto na reunião seguinte, realizada em Bonn, em agosto – e permanecem em aberto até agora. O encontrou terminou com uma cobrança dos países desenvolvidos aos emergentes. Para a construção de um acordo forte, seria necessário que esses últimos apresentassem uma proposta concreta de redução de emissões, com números. Paradoxalmente, contudo, os países ricos, não colocaram as suas próprias metas na mesa.

Em Bangkok continua o impasse

A reunião de Bangkok, em setembro não foi diferente das outras, com países ricos e pobres em lados opostos da negociação, cada um defendendo seus próprios interesses.

Para Juliana Rassur, integrante brasileira do Projeto Adote um Negociador, o único fato a se comemorar nessa reunião foi o anúncio, pela Noruega, de que iria reduzir em 40% suas emissões até 2020. “Houve avanço nos textos de negociação, mas assuntos cruciais para um acordo bem-sucedido em Copenhagen como, por exemplo, um comprometimento sério por parte dos países desenvolvidos sobre a redução de emissões de gases de efeito estufa a médio (2020) e longo prazo (2050) não aconteceu”, afirma.

Na mesa de discussão de Bangkok, estavam os mesmos temas que vêm sendo debatidos desde a primeira reunião em Bonn: o fim do Protocolo de Kyoto e o estabelecimento de um novo acordo climático. Segundo Juliana, os países do chamado Anexo I argumentam que a luta contra as mudanças climáticas tem que ser reforçada por um acordo que abrigue todos os países. “Ou seja, como sabem que o Congresso norte-americano não vai ratificar o Protocolo ou qualquer acordo parecido, querem pegar carona com os Estados Unidos e regular domesticamente (sem amparo de um tratado internacional) a redução de emissão de gases de efeito estufa”, analisa.

Segundo Juliana Russar, foram colocados alguns números na mesa, mas tudo permanece nebuloso, porque eles estão condicionados à ação de outros países. “Os negociadores alegam que estão seguindo instruções e que decisões desse tipo têm que ser tomadas pelos seus chefes”, afirmou. De acordo com o professor Eduardo Viola, do instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, de fato são os chefes de estado que irão definir – ou não – o resultado de Copenhagen. “São questões muito complexas para serem decididas por negociadores, envolvem crescimento econômico e estratégias nacionais. A maior possibilidade de acordo forte que temos é se contarmos com a presença de chefes de estado na conferência”, afirma.

Na opinião do especialista em mudança de clima e representante do Instituto Vitae Civilis, Morrow Gaines Campbell III, entretanto, os negociadores preferiram virar as costas às necessidades do planeta ao utilizar essa justificativa. “Estamos numa panela de pressão. Os ingredientes, os elementos básicos do Plano de Bali: Visão Compartilhada, Mitigação. Adaptação, Transferência de Recursos Tecnológicos e Transferência de Recursos Financeiros foram colocados na COP 13, em Bali. Ficamos marinando nesta panela durante um ano e meio com o fogo desligado. De repente se dá conta que não vamos poder servir a refeição em Copenhagen. Ligou-se o fogo, mas baixo. Com este nível de energia o processo não vai ser finalizado em dezembro”, escreveu em artigo no site da organização.

Barcelona, a última chance de avanço

A energia também esteve baixa na cidade espanhola em novembro, no encontro considerado crucial pelo próprio secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, Yvo de Boer, para a obtenção de um acordo forte durante a COP-15. “As negociações em Barcelona precisam avançar e criar uma base sólida para o sucesso em Copenhagen”, afirmou antes do evento.

Os progressos, porém, mais uma vez foram tímidos, com a indisposição política e os interesses econômicos falando mais alto. Segundo o coordenador do programa de Clima do Greenpeace, João Talocchi, a definição de várias outras questões em jogo, como adaptação e transferência de tecnologia, dependem do acordo a respeito de dois aspectos principais: “Não adianta discutirmos outros pontos, se as metas de redução e o financiamento dessas ações não saem do lugar”, avaliou.

No encontro, em atitude inédita, o grupo dos países africanos interrompeu os trabalhos alegando não haver interesse em se discutir outros temas sem que antes os compromissos de redução dos países fossem estipulados. Após um acordo, ficou definido que 60% das discussões seriam dedicadas às metas e 40% aos outros assuntos.

Entretanto, as metas, mais uma vez, não foram estabelecidas. E as expectativas em relação a Copenhagen começaram a ser reduzidas, com países desenvolvidos já falando em adiar a decisão para 2010.

Mundo sem tratado

O debate pós-Barcelona sobre o adiamento da criação de um novo tratado sobre clima, culminou com o imbróglio de meados de novembro protagonizado por declaração dos Estados Unidos e China sobre o estabelecimento de um acordo apenas político em Copenhagen e a subseqüente declaração da ONU e do governo dinamarquês sobre a realização do acordo em duas etapas, absorvendo a idéia dos dois líderes mundiais.

De acordo com a ONU, o novo objetivo da cúpula em Copenhagen é fechar um acordo político que reúna compromissos concretos sobre redução de emissões e mecanismos de adaptação e financiamento a curto e médio prazo, destinados aos países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento. A construção de um novo tratado, contudo, ficando para depois.

“Sinto que, hoje, se vê tudo melhor do que antes. Há seis meses, algumas discussões que tivemos nas últimas semanas teriam sido impossíveis. Foi reconhecido que este é o caminho para conseguir um acordo ambicioso”, afirmou a ministra do meio-ambiente da Dinamarca, Connie Hedegaard. Segundo ela, haverá um tratado “assim que for possível”, sem dar mais detalhes e justificando: “temos que fazer o que as partes nos dizem que é possível”.

Em entrevista ao site oficial da Conferencia, John Prescott, ex-negociador da União Européia para o Protocolo de Kyoto, disse que fechar esse acordo será 10 vezes mais difícil (veja clicando aqui). “Agora é um momento para a arte do possível e esse é o papel do negociador – alcançar muito mais do que os fatalistas prevêem, como vimos em Kyoto”, falou.

Prescott pediu para que os negociadores esqueçam a desgraça e a melancolia. “Vamos todos continuar caminhando e debatendo para um acordo”. O grande desafio para se encontrar um pacto de consenso é o tamanho da Conferência. “Kyoto envolveu 47 países, em Copenhagen serão 190”, afirma.

Sérgio Abranches, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicou em seu site Ecopolítica que o destino da Cúpula de Copenhagen depende agora de um triplo dilema. “Obama só comprometerá o EUA internacionalmente com o que o Congresso colocar na lei. A China só avançará como prometeu rumo a uma meta quantitativa doméstica, depois que o EUA mostrar seu jogo. Como o Congresso está travando a lei sobre mudança climática, o presidente dos Estados Unidos vem recuando de sua promessa pessoal de liderar a feitura de um acordo global ambicioso. A China, em resposta, adia sua jogada. É o mesmo que os dois países vetarem um acordo efetivo em Copenhagen”, afirma.

(ANDI)



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