Brasil anuncia posição para COP-15 e Lula vai a Copenhague, mas isso importa?

Data: 18/11/2009

Brasil anuncia posição para COP-15 e Lula vai a Copenhague, mas isso importa?


Na última sexta-feira, dia 13 de novembro, faltando 23 dias para a 15ª Conferência das Partes (COP-15) da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, o Brasil, após uma série de reuniões, finalmente, anunciou sua posição oficial para a reunião de Copenhague. O país assumiu o compromisso voluntário de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020.

Ao invés da redução de emissões ter como referência um ano-base, como é o caso das metas para países desenvolvidos, as cifras brasileiras estão relacionadas a um cenário tendencial de crescimento de emissões, caso nenhuma medida seja tomada (cenário business as usual). Dessa maneira, segundo a projeção para 2020, o país emitiria 2,7 bilhões de toneladas de CO2, mas de acordo com a proposta se compromete a reduzir entre 975 e 1.052 milhões de toneladas de CO2. Ainda de acordo com a tabela, a redução do desmatamento da Amazônia em 80% e do Cerrado em 40% respondem pela maior parte dos esforços brasileiros de redução de emissões.

Essa foi a resposta que o governo deu após a crescente pressão da sociedade pela apresentação da posição brasileira para a CoP-15. Assim, apesar de ser um esforço voluntário, o anúncio foi bem recebido no Brasil e no exterior e o país vai tranquilo para a Conferência, podendo cobrar ações ambiciosas dos países desenvolvidos, porque demonstrou com números que quer fazer parte da solução para as mudanças climáticas, mesmo sendo um país em desenvolvimento que não tem obrigações estabelecidas pela Convenção do Clima. No entanto, não podemos esquecer que o Brasil é um dos maiores emissores atuais de gases de efeito estufa do planeta e é uma das maiores economias mundiais. Por esses motivos, incomoda tanto ouvir o governo defendendo seus compromissos voluntários sob o respaldo do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (tal princípio se refere à contribuição histórica dos países às emissões de gases de efeito estufa e a responsabilidade dos países desenvolvidos de liderar a busca por soluções). Espera-se de um país que deseja ocupar espaço cada vez maior no cenário internacional, um engajamento que ultrapasse a barreira do voluntarismo, tendo a coragem de assumir compromissos que vão além de suas responsabilidades, vinculando compromissos internos com uma política externa ousada.

Não ficou muito claro como os números apresentados pelo governo foram calculados e como essas reduções ocorrerão na prática. A ausência de um inventário de emissões brasileiras atualizado é uma grande falha. O último inventário brasileiro foi lançado em 2004, com dados referentes ao intervalo 1990-1994, ou seja, estamos 15 anos defasados. Como se pode elaborar cenários para 2020 sem esses números? Por que o Ministério de Ciência e Tecnologia demora tanto para publicar a Segunda Comunição Nacional (que contém o inventário)? O atraso faz parte de alguma estratégia para manter os dados sigilosos ou é apenas ineficiência? Realmente não sei o que está acontecendo, mas é mais uma atitude que não corresponde com a posição almejada pelo Brasil.

Outro ponto é que o governo continua concentrando seus esforços na redução de emissões apenas no combate ao desmatamento, quando está claro que as emissões de outros setores da economia brasileira estão crescendo muito, como é o caso do setor energético, transporte e indústrias. A falta de um planejamento energético que considere as emissões de gases de efeito estufa, proporcionando maior espaço a fontes renováveis e apostando na eficiência energética, além da resistência do setor industrial em implementar ações que ajudem a combater as mudanças climáticas (e seu forte poder de influência sobre o governo) ajudam a explicar porque o governo se “esquece” dos outros setores.

Acrescenta-se a tudo isso a dificuldade em acreditar que essa proposta será colocada em prática, afinal, não passa de um anúncio político sem força de lei. Quem se lembra do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) lançado em dezembro de 2008 (há menos de um ano…) durante a COP-14, na Polônia? Eu lembro, mas o governo parece ter memória fraca porque não fez uma menção sequer ao PNMC na reunião do dia 13. Mais uma publicação recheada de boas intenções abandonada…Quem me garante que o mesmo não vai acontecer com esse novo anúncio cheio de boas intenções do governo? Quem me garante que o próximo governo eleito em 2010 vai se comprometer com o que foi anunciado na última sexta-feira?

Falando em lei, o projeto de lei que estabelece uma Política Nacional sobre Mudança do Clima foi aprovada na Câmara (depois de mais de um ano em tramitação) e agora precisa ser votada no Senado. Precisaremos de mais um ano?

Não vou nem me dar ao trabalho de comentar o oportunismo político do presidente Lula ao escolher a CoP-15 para projetar e esverdear a candidatura à presidência de Dilma Rousseff, entregando à ministra-chefe da Casa Civil a coordenação da delegação brasileira que vai para Copenhague.

Com a aproximação da reunião, o tema passou a receber atenção especial da imprensa brasileira, exemplo disso é que as mudanças climáticas têm ilustrado a capa dos principais jornais brasileiros. Hoje, o presidente Lula confirmou que vai voar para a Dinamarca no meio de dezembro, aceitando o convite formal que o país anfitrião da CoP-15 enviou semana passada para os chefes de Estado. Após participação na reunião sexta-feira, Lula pegou o avião e foi para a França encontrar seu colega Sarkozy, no sábado, para acertar uma posição comum para a conferência: ambos desejam um acordo com alto nível de ambição, mas não há referência a números, até porque a posição francesa está condicionada à União Europeia.

Mas de que adianta essa liderança brasileira se, há menos de um mês da Conferência de Copenhague, chefes de Estado de países decisivos para um bom resultado de Copenhague só fazem declarações pessimistas na tentativa de baixar as expectativas em torno da Conferência. Até o próprio primeiro-ministro da Dinamarca passou a defender um “acordo político vinculante”, ao invés de um acordo legalmente vinculante (isto é, com força de lei, ratificável) como resultado da CoP-15. Isso é inaceitável porque não significa nada. Um momento político foi construído ao longo de dois anos (desde Bali, CoP-13) e agora, há menos de um mês da CoP-15, uma declaração política realmente não vai ser capaz de abranger e comprometer os países da maneira necessária. A questão é urgente, o tempo está passando e as mudanças climáticas não vão ficar esperando o Congresso norte-americano aprovar sua lei.

Infelizmente, constatações científicas e decisões políticas não têm caminhado juntas nos países desenvolvidos. O Brasil não está interessado em um acordo fraco, assim como países do grupo africano (African Group), os países menos desenvolvidos (LDCs) e o grupo dos pequenos países insulares (AOSIS). Estou curiosa para saber o que eles vão fazer na CoP-15, principalmente o Brasil. Vão lutar pelo resultado necessário e urgente como verdadeiros líderes ou vão abaixar a cabeça? Torço pela primeira opção.

* Juliana Russar faz parte do projeto Adote um negociador da Campanha Tictactictac Global - www.adoptanegotiator.org

Fonte: Mercado Ético


< voltar